Cardeal Tolentino: ‘A Igreja no Brasil dá um testemunho extraordinário no campo educativo’

Cardeal José Tolentino de Mendonça (Foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Durante sua visita à Arquidiocese de São Paulo, entre os dias 18 e 20, o Cardeal José Tolentino de Mendonça, Prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé, concedeu uma entrevista ao O SÃO PAULO, na qual ressaltou a missão e os desafios da Igreja no campo da educação e do diálogo com a cultura. 

O Purpurado Português veio à capital paulista a convite do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, para celebrar os 75 anos da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da PUC-SP e aos 10 anos da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo. Nesse contexto, Dom José também participou de encontros com representantes do mundo da educação católica, das universidades e da cultura. Confira a entrevista.

O SÃO PAULO – Como tem sido a experiência de estar à frente do Dicastério e qual é a missão desse organismo da Cúria Romana?  

Cardeal José Tolentino de Mendonça – Quando iniciou o processo de reforma da Cúria Romana, o Papa Francisco manifestou o sonho de unir estas duas realidades, a antiga Congregação para a Educação Católica e o Pontifício Conselho para a Cultura, criando este novo dicastério para a Cultura e a Educação. E o Papa fez não apenas por razões de organização. Fez porque isso corresponde a uma visão.

A Igreja tem na missão educativa uma expressão fundamental do seu próprio ser, da sua missão. Porque para a Igreja, a educação não é apenas instrução, não é apenas um desenvolvimento de um saber técnico ou de uma multiplicidade de saberes. A educação deve conduzir a uma síntese, a uma visão do que é o ser humano, do que é a sua realidade.

A educação católica não deve estar preocupada só com as perguntas penúltimas, mas também com as perguntas últimas, aquelas que iluminam o ser. E devem constituir um estilo de vida, o que é a cultura. A cultura é a expressão do ser.

É aquilo que o homem acrescenta ou retira à natureza para potenciar o seu próprio ser. E aí, a cultura é uma maneira de viver. É tudo. É desde a cozinha, como caminhamos, como falamos, como organizamos a vida social, como descrevemos as nossas biografias pessoais. E isso se articula profundamente com o que colhemos na educação. Há uma cultura católica que vê no ser humano não apenas um ser destinado à morte, mas um ser chamado à vida, chamado a fazer uma experiência de plenitude, um ser atravessado e construído pelo divino.

Ora, essa é também a missão do dicastério. Isso é traçar um horizonte de antropologia, no qual a educação cristã possa conduzir o ser humano a uma experiência integral de si e a um encontro feliz, pleno com todos os outros. Essa é a passagem do ‘eu’ ao ‘nós’.

Qual é o grande desafio da educação católica, das instituições de ensino católicas hoje, que o senhor percebe a partir da sua missão?

O grande desafio é a fidelidade a uma identidade, porque as escolas católicas não são apenas mais uma escola, elas têm de manter viva a sua identidade. Hoje, nós precisamos de interceptar as grandes perguntas desta cultura em mutação, desta nova época da história, e aí é muito importante para as escolas católicas estar em comum, estar juntas, caminhar em associação, para juntas encontrarem novas soluções para os desafios que esta cultura de metamorfose nos coloca.

O mundo escolar e universitário é uma realidade que se caracteriza por uma cultura dialógica. Porque uma escola não tem muros, é uma praça, é um lugar de encontro. As escolas e universidades católicas têm esta missão dialógica fundamental.

O Papa Francisco nos desafia a um diálogo sem reservas, convocando-nos para fazer um pacto educativo global. Então, aquilo que as escolas e as universidades fazem, não lhes interessa só elas, é do interesse comum. E para realizarem a sua missão, necessitam da colaboração de todos.

Por isso, a ideia promovida pelo Papa de um pacto educativo global é exatamente partilhar responsabilidades e dizer que é o futuro da pessoa humana, é a humanização, é uma visão antropológica integral, que nós precisamos construir juntos. De fato, as escolas são pequenas comunidades no coração da comunidade, com uma relação muito viva.

Nas faculdades de Teologia e Direito Canônico, o senhor falou sobre o papel da Teologia no mundo das ciências. Em que sentido isso se dá? 

A Constituição apostólica Ex Corde Ecclesiae, de São João Paulo II, e toda a tradição cristã, afirmam que a Teologia é uma ciência. É uma ciência porque é uma forma de conhecimento, e tem um método científico. Por isso, é muito importante que a Teologia seja vista também como ciência, e que tenha a sua presença na universidade, pois é um saber que ajuda os outros saberes.

Aquilo que a Teologia dá às outras ciências é típico da sua própria natureza, que é não ficar apenas pelas questões penúltimas, mas é ir até as questões últimas. E propor o discurso sobre Deus, que, no fundo, é um discurso sem o qual o ser humano não é completo, não pode viver, é propor um discurso possível e necessário.

Com a Igreja pode dialogar com o mundo da cultura em plena ‘mudança de época’? 

Este é um tempo em que é necessário escutar. É necessário escutar este tempo. Porque a voz mais profunda deste tempo, as suas inquietações, a sua sede, que está no mais profundo, muitas vezes não aparece imediatamente. Parece que o mundo é ruído, mudança, correria, mas, no fundo, há um desejo muito grande de sentido. Há uma sede muito grande de relação. E isso tem de ser escutado.

Como vai ser o mundo do futuro? Eu penso que nós não sabemos bem e, ao mesmo tempo, sabemos. Porque o mundo vai continuar a ser humano e, hoje, um ser humano é muito diferente, usa coisas muito diferentes, linguagens muito inéditas. Mas, ao mesmo tempo, nós continuamos a ser o primeiro homem e a primeira mulher.

Quem sabe o que é um homem, sabe o que são todos os homens. E, por isso, o futuro tem de ser o qual o ser humano, a pessoa humana, esteja verdadeiramente no centro e haja uma grande atenção pelos mais frágeis, pelos mais pobres, pelos setores mais vulneráveis.

Qual foi a sua percepção sobre a missão realizada pela Igreja no campo da educação no Brasil? 

A Igreja no Brasil tem uma missão extraordinária. Eu sou testemunha do empenho, do serviço que a Igreja realiza, muitas vezes, naqueles lugares onde ninguém mais chega.

A companhado pelo Cardeal Odilo Scherer, tive a oportunidade de conhecer tantos protagonistas que dão corpo, vida a estas realidades. Fiquei muito tocado pela qualificação do trabalho que aqui se realiza e, como diz o Papa Francisco, uma universidade e as realidades do mundo universitário são como laboratórios, “estaleiros da esperança”. E se há um sentimento que eu levo desta visita a São Paulo, é, de fato, uma gratidão grande pelo trabalho profundo que aqui se desenvolve, mas também uma grande esperança, porque daqui se pode olhar para o futuro. 

A Igreja constrói uma presença qualificada, credível e verdadeiramente aberta, verdadeiramente transversal. O Papa Francisco, na Jornada Mundial da Juventude [de Lisboa, em 2023], disse uma frase que ficou no ouvido e no coração de todos os participantes, quando ele afirmou que amissão da Igreja é “para todos, todos, todos”. A Igreja no Brasil dá um testemunho extraordinário no campo educativo, porque está o serviço de todos, todos, todos.

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Nercy Lima Correia
Nercy Lima Correia
1 mês atrás

Sou muito grata ao cardeal José Tolentino que se expressou muito bem a questão dialogica da educação com as culturas dando ênfase à teologia com outras ciências no qual a educação cristã possa conduzir o ser humano a uma experiência integral de si a um encontro feliz.