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Coração: a ‘máquina da vida’ requer atenção a todo tempo

Campanha Setembro Vermelho alerta para a prevenção de doenças cardíacas, que apenas no Brasil matam 400 mil pessoas a cada ano

Após ter passado o dia em um churrasco com os amigos, André Freire acordou de madrugada sentindo um intenso mal-estar no abdômen: “Eu ia até a janela, a abria, respirava fundo, e me sentava. Voltava para me deitar e suava intensamente”. Pela manhã, sua mãe percebeu que ele não estava bem e não teve dúvidas em pedir ajuda ao irmão dele para que fosse levado a uma unidade básica de saúde, após André relatar uma dor que começava no ombro esquerdo e que se estendia até o cotovelo. 

O ano era 2008. André morava em São José dos Campos (SP) e estava com 57 anos. Na chegada ao posto de saúde, um eletrocardiograma indicou os sinais típicos de infarto. Rapidamente, ele foi transferido para um hospital público e lá submetido a um cateterismo e a uma angioplastia, além da colocação de um stent, procedimentos adotados para desobstruir as artérias e normalizar a circulação sanguínea. 

“Eu tive muita sorte. Um dos médicos que me atendeu disse que se eu desse entrada no hospital 15 minutos depois, teria morrido. Metade do meu coração necrosou, parou de funcionar. Eu fiquei cerca de oito horas infartando”, recorda André, que em 2010 sofreu um novo infarto enquanto estava em uma atividade em Brasília (DF). Mais uma vez, ele encontrou atendimento médico a tempo de ser salvo. 

ANTECIPAR-SE AO PROBLEMA 

A cada ano no Brasil, as doenças no coração e nos vasos sanguíneos provocam cerca de 400 mil mortes, em média um óbito a cada 90 segundos, conforme dados do Ministério da Saúde. E assim como André, milhares de pessoas convivem com as sequelas de doenças cardiovasculares; por isso, antecipar-se ao problema, por meio de hábitos saudáveis e de check-ups cardiológicos periódicos, é sempre o melhor caminho. Esta é a mensagem central do campanha Setembro Vermelho, realizada no contexto do Dia Mundial do Coração, celebrado no dia 29 deste mês. 

“É você quem estende o tapete vermelho para o infarto passar, pois ele ocorre muito em razão de questões como a alimentação e o sedentarismo. Se eu tivesse tido um outro tipo de vida, o infarto não teria me alcançado”, assegura André, que diz sempre ter tido uma rotina agitada como repórter fotográfico, uma alimentação gordurosa, consumo de bebidas alcoólicas, sono desregrado e ausência de atividades físicas. 

OS ‘VILÕES DO CORAÇÃO’ 

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o médico Daniel Marotta, cardiologista da Rede de Hospitais São Camilo, aponta a hipertensão arterial, o diabetes, o colesterol mal controlado e o tabagismo, além de uma vida sedentária e estressante, como os principais fatores de risco que desencadeiam doenças cardíacas. 

“Os hábitos na juventude podem contribuir positiva ou negativamente para o futuro, dependendo das escolhas. O uso de tabaco, álcool, drogas traz consequências negativas. A alimentação rica em produtos ultraprocessados e gorduras animais também pode causar grandes prejuízos. O sedentarismo, ou seja, a falta de atividade física, é outro fator importante. Além disso, o estresse, que hoje envolve diretamente a saúde mental, também deve ser observado”, detalha o cardiologista. 

Marotta ressalta ser fundamental que as pessoas priorizem o consumo de frutas e verduras in natura e que reduzam a ingestão de sal e de gorduras saturadas. Quanto às atividades físicas, ele aponta que o recomendado é de, ao menos, 150 minutos semanais de exercícios; e igualmente importante é dormir de sete a oito horas por dia, sem interrupções, barulhos ou estresse: “O controle dos fatores estressantes é essencial; sempre recomendo que a pessoa mantenha seus momentos de higiene mental, seja por meio da religião, seja pelo lazer ou convivência social, sempre evitando excessos que possam prejudicar a saúde do coração”. 

CUIDADOS FUNDAMENTAIS 

Segundo o cardiologista, não há uma idade específica para que se comece a fazer avaliações cardiológicas: “Normalmente, as pessoas começam por volta dos 30, 35, 40 anos, mas sempre recomendo que essa abordagem seja feita o quanto antes, pois quanto mais cedo, melhor, para que haja tempo para um planejamento”. 

“Se a pessoa for jovem e sem comorbidades, é possível espaçar mais as avaliações, dependendo dos exames. Para quem já apresenta fatores de risco ou doença instalada, o acompanhamento deve ser mais frequente, pois, nesses casos, muitas vezes já se perdeu o timing da prevenção”, ressalta Marotta. 

O cardiologista lembra, ainda, que quando alguém é diagnosticado com uma doença cardíaca em estágio não avançado, há sempre maiores chances de que obtenha sucesso no tratamento e mantenha boa qualidade de vida: “O principal é o paciente aderir ao tratamento, confiar nas orientações médicas e encarar essas mudanças [de hábitos] como meta e objetivo principal de vida. Nessa fase, o foco costuma ser o controle do colesterol, a prática de atividade física e mudanças no estilo de vida. Embora pareça simples, o básico é fundamental: dieta, sono, alimentação e exercício físico são os pilares que buscamos ver nos pacientes na cardiologia”. 

‘NÃO SE DEIXE INFARTAR’ 

Após sofrer o primeiro infarto, em 2008, André permaneceu por cerca de dez dias internado e a todos que o visitavam o conselho era o mesmo. “Eu dizia: ‘Não se deixe infartar’. Um amigo que passou por este mesmo problema, sempre diz que depois do infarto parece que a vida fica provisória, você não sabe mais o quanto tempo tem a partir daí”. 

Atualmente, André está aposentado e vive em Penápolis (SP). Anos após o infarto, continuou trabalhando como repórter fotográfico, mas tomando alguns cuidados, como o de carregar menos peso em sua mochila e reduzir os esforços físicos. Desde 2008, ele usa medicação contínua e tem ido ao cardiologista regularmente uma vez por mês. 

“Após o infarto, o ritmo da vida diminui bastante, tenho uma rotina mais comedida, mas a metade do coração que ainda está aqui funcionando resiste bravamente”, diz, bem-humorado. 

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