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Decano do STF reconhece a natureza religiosa das ações da Missão Belém 

Ministro Gilmar Mendes anulou decisão do TJSP que determinava o fechamento de uma casa de acolhida mantida pela instituição católica em Jundiaí (SP)

Membros da Missão Belém são recebidos pelo ministro Gilmar Mendes; casa de acolhida em Jundiaí (SP) é uma das 180 mantidas pela instituição
Fotos: Missão Belém

“Impor à Missão Belém, organização religiosa, a observância de normas destinadas a regular o funcionamento de instituição de natureza diversa, como as comunidades terapêuticas ou instituições de longa permanência para idosos, importa violação ao direito à liberdade religiosa, especialmente no que toca à sua autonomia de organização e funcionamento”. 

Assim escreveu o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), na decisão, publicada em 26 de maio, sobre o Recurso Extraordinário com Agravo pelo qual a Missão Belém contestou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que determinava o fechamento de uma das casas de acolhida da instituição católica em Jundiaí (SP). 

O pedido de fechamento partiu do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), argumentando haver infrações sanitárias no local, e equiparando as atividades da Missão Belém às de uma comunidade terapêutica. 

DEVE-SE RESPEITAR A LIBERDADE RELIGIOSA 

No Recurso Extraordinário com Agravo, os advogados da Missão Belém apontaram que essa associação privada de fiéis é reconhecida pela Arquidiocese de São Paulo, regida pelo Direito Canônico, amparada pelo Acordo Brasil-Santa Sé, atua em conformidade com o Código Civil e que suas casas de acolhimento “têm como objetivo promover a evangelização e realizar obras de caridade, tanto no âmbito espiritual quanto material, buscando estabelecer verdadeiros vínculos familiares entre as pessoas que voluntariamente resolvem entrar para a Missão e que, até aquele momento, não possuíam família e estavam morando nas ruas”. 

Em sua decisão, Gilmar Mendes considerou que a Missão Belém, como uma organização religiosa, “deve ter garantido pelo Estado brasileiro seu direito à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício dos cultos e à proteção dos locais de culto e suas liturgias, bem como a sua autonomia e liberdade de organização e funcionamento”, e que ela é “organizada segundo seus preceitos e normas, que objetiva realizar a caridade mediante ações de acolhimento de pessoas vulneráveis por meio da evangelização”. 

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Padre Gianpietro Carraro, fundador da Missão Belém, recordou que Gilmar Mendes chegou a este entendimento também após ler as 180 páginas dos memoriais (textos e fotos) apresentados pela instituição e melhor se informar sobre ela com pessoas que já conhecem o trabalho realizado, como o jurista Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). 

O Sacerdote assegurou, ainda, que, diferentemente do que informaram alguns veículos de imprensa, a referida casa de acolhida, onde atualmente vivem 100 mulheres (50 delas doentes ou egressas das ruas), jamais foi fechada: “Ninguém foi até lá nos notificar ou colocar uma fitinha de interdição. Nunca paralisamos as atividades”. 

É UMA FAMÍLIA, NÃO UMA COMUNIDADE TERAPÊUTICA 

Padre Giampietro detalhou que a Missão Belém mantém 180 casas de acolhida, com 2,3 mil camas, nas quais estão mais de 700 doentes graves, psiquiátricos e egressos na rua, vivendo em um clima familiar e de espiritualidade cristã. 

“Acredito que o motivo pelo qual se fala equivocadamente que somos uma clínica terapêutica deve-se aos nossos resultados – 60% dos que passam pelas casas de acolhida deixam o vício em drogas – e por acolhemos a todos os pobres. Há quem não entenda que tudo isso é feito em nome do Evangelho”, enfatizou o Sacerdote. 

Em sua decisão sobre o Recurso Extraordinário com Agravo, Gilmar Mendes também indicou que não é razoável “exigir que uma organização religiosa, que possui casa de acolhimento para moradia e cuidado de seus membros, atenda – sem nenhum tipo de consideração quanto às singularidades da instituição – a normas como as previstas na Resolução RDC 29/2011, destinadas às Comunidades Terapêuticas… Ora, não se trata de instituição que presta serviços, remunerados ou a título gratuito, típicos de uma clínica, com horário de funcionamento e desempenho de atividades técnicas. Não é essa sua natureza, não é essa sua finalidade”, ainda que o Estado possa “fiscalizar e impor o cumprimento de regras pertinentes, de forma proporcional e adequada à sua natureza de organização religiosa”. 

VIDAS RESTAURADAS PELA FÉ 

Iniciada em 2005 pelo Padre Gianpietro e a Irmã Cacilda da Silva Leste, a Missão Belém tem o reconhecimento formal da Arquidiocese de São Paulo e amplo apoio do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano, que em 2024 aprovou definitivamente seus estatutos. Desde 2010, mantém missionários em Porto Príncipe, no Haiti, para ações evangelizadoras e de caridade nas áreas de saúde e educação. 

Atualmente, mais de 20 mil pessoas participam da Missão Belém, muitas destas um dia resgatadas das ruas e das drogas por meio de um itinerário de fé e solidariedade nas casas de acolhida. 

“A Missão Belém é família para quem não tem família, a partir do Evangelho, formando laços humanos, familiares e espirituais. Só a fé move o coração a amar, e a fé, vivida em uma comunidade, é movida por Deus”, ressaltou Padre Gianpietro. 

O Sacerdote detalhou, ainda, que quando uma pessoa é acolhida na Missão Belém com problemas de saúde – muitas chegam com tuberculose, sífilis e HIV – todo o tratamento é realizado no Sistema Único de Saúde (SUS), e que nas casas da Missão os irmãos que as assistem diretamente possuem certificação EAD de cuidadores. 

“Quando esta pessoa já está curada ou em tratamento de saúde, ela pode ter uma vida normal e uma experiência de fé. Os nossos acolhidos inventaram até um lema: ‘Quando Deus entra, a droga sai. Quando Deus sai, a droga entra’. Portanto, vivendo com Deus, fazendo o nosso Diário Espiritual, participando dos retiros espirituais e catequéticos, seguindo a proposta de uma caminhada catecumenal para o Batismo – para os que não são batizados – ou mistagógica – para os já batizados, mas ainda sem consciência plena da fé – isso é o suficiente para que a pessoa deixe os vícios, saia das ruas e se liberte das drogas”, enfatizou o fundador da Missão Belém. 

Padre Gianpietro recordou também que os cerca de 300 coordenadores das casas de acolhida um dia estiveram em situação de rua e/ou de drogadição, tendo, portanto, a experiência de vida e de fé para ajudar aqueles que são acolhidos. 

Jorge Ruiz (nome fictício) foi um dos que tiveram novo rumo de vida após ser resgatado pela Missão Belém, conforme escreveu em um comentário sobre a notícia da decisão do ministro Gilmar Mendes: “Fiquei mais de 25 anos no uso do crack, morei até na Cracolândia, trafiquei na região central, roubei. Hoje me encontro restaurado. Concluí o ensino médio e no final do ano vou começar a faculdade em Serviço Social. Hoje sou filho para meus pais, e pai para meus filhos, um membro produtivo da sociedade e um cristão, pois graças à Missão Belém pude resgatar minha autoestima, dignidade familiar e, o mais importante, minha espiritualidade como membro da santa Igreja Católica Apostólica Romana”. 

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