Dom Odilo: ‘Os católicos precisam redescobrir a importância de serem missionários’

Por Daniel Gomes e Fernando Geronazzo

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Nesta entrevista ao O SÃO PAULO, o Cardeal Odilo Pedro Scherer comenta os principais dados do Censo Demográfico 2022, relacionados à religião no Brasil, divulgados na sexta-feira, 6, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais revelam que o catolicismo continua como a maior expressão religiosa do País, mas com significativa redução percentual de fiéis, além do crescimento do número de pessoas que se declaram sem religião. 

O Arcebispo de São Paulo analisa as causas históricas e pastorais dessa mudança no cenário religioso brasileiro e aponta caminhos para a renovação da missão evangelizadora da Igreja. 

O SÃO PAULO - O Censo Demográfico 2022 revelou que o catolicismo permanece como a religião com maior número de fiéis no Brasil, mesmo com a redução percentual para 56,7%. Este dado confirma uma tendência que já era percebida? Como o senhor o avalia? 

Cardeal Odilo Pedro Scherer – A tendência de queda do número de adeptos do catolicismo no Brasil vem se manifestando há várias décadas e tem múltiplas explicações. Durante o período colonial e imperial, o catolicismo era a religião “oficial” e única do Brasil, ligada ao Estado. Depois da Proclamação da República, em 1889, e da separação entre Estado e Igreja, houve a abertura para outras religiões se desenvolverem. No século XX, sobretudo, um forte movimento evangélico e anticatólico se estendeu pelo País e, como é compreensível, esse movimento foi ganhando adeptos que, antes, eram católicos. Os motivos da troca da fé católica por outra adesão religiosa podem ser muitos, mas o principal, certamente, é a falta de formação religiosa católica de grande parte da população católica e isso é um pressuposto fácil para deixar de ser católico, por múltiplos motivos. De toda maneira, o Censo 2022 já mostrou uma mudança na tendência: o abandono da fé católica foi menor do que se esperava; e, também, foi menor do que se previa a adesão à fé evangélica. Mas cresceu muito o número dos indiferentes em relação à religião e dos que aderem aos cultos de origem africana. 

Quais apelos esses dados trazem à comunidade eclesial quanto à ação evangelizadora, especialmente em meio às mudanças culturais e sociais que o País tem vivido? 

Os dados do Censo devem fazer-nos refletir, para compreender melhor os motivos do abandono da fé católica e para buscar meios eficazes que evitem a evasão de fiéis da Igreja Católica. Quando algum membro da nossa Igreja está em perigo de perder a fé e de abandonar a Igreja, isso não nos deve deixar indiferentes, mas mover-nos a ajudar essas pessoas, na medida do possível. Outra questão que me parece importante é conhecer melhor a verdade sobre a Igreja Católica, para não sermos influenciados por narrativas distorcidas sobre a história da Igreja e sobre a doutrina da Igreja. Além disso, sem negar que existem pecados e falhas na Igreja Católica, é preciso conhecer o bem e a verdade que existem nela, pela graça de Deus. Não se ama o que não se conhece. É preciso conhecer mais e melhor a Igreja Católica. Finalmente, os católicos precisam redescobrir a importância de serem missionários e, de forma concreta, exercer a sua vocação missionária. Uma comunidade que não é missionária tende a morrer. A missão renova e dinamiza a vida da Igreja. 

Houve crescimento do grupo dos que se declaram “sem religião” (de 7,9% para 9,3%). A que fatores o senhor atribui esse aumento e como a Igreja pode continuar sendo sinal de sentido e esperança para quem vive a fé de modo mais silencioso ou está em busca? 

Também o crescimento do indiferentismo religioso e da falta de adesão a uma religião institucionalizada é uma tendência cultural mundial, já fortemente presente no Brasil. Não se trata, necessariamente, de pessoas sem Deus, e pode ser uma forma subjetiva e individualista de praticar a religião. Essa tendência pode ser fortalecida mediante a desilusão religiosa, quando se promete muito resultado imediato e eficácia concreta à prática religiosa. Quando se usa a religião como forma de obter resultados políticos, econômicos e profissionais, isso pode levar a uma desilusão com a religião e, finalmente, à desconfiança de que toda religião é uma forma de embuste e enganação das pessoas. E isso pode levar à desconfiança em relação a todas as religiões e ao indiferentismo religioso. 

Os dados do Censo são apresentados em um momento no qual reportagens indicam que muitos adultos têm buscado a Igreja Católica para os sacramentos da Iniciação à Vida Cristã. Este pode ser um sinal de que a queda verificada agora possa ser revertida futuramente? 

Isso é verdade e, portanto, os dados do Censo estão abertos e evoluem constantemente. Eles indicam uma tendência momentânea e podem ser tomados como base para projeções futuras: “Se as coisas continuarem conforme a tendência atualmente percebida, então podemos prever que o resultado, em cinco ou dez anos, será o seguinte…” No entanto, essas projeções precisam levar em conta que, em cinco ou dez anos, podem acontecer fatores novos e a tendência pode mudar de rumo. Alguns analistas já estão prevendo, atualmente, uma estagnação no crescimento dos evangélicos; e apontam também para uma tendência a um novo crescimento da população católica. Resta acompanhar para ver… Enquanto isso, devemos fazer bem a nossa parte na missão da Igreja. 

A cidade de São Paulo apresenta 50,7% de católicos. Quais fatores o senhor considera determinantes nessa realidade e como a Igreja local tem procurado responder a esse cenário urbano e plural? 

Lembro que a cidade de São Paulo não corresponde à Arquidiocese de São Paulo, da qual tomam parte ao menos cinco outras dioceses. Vejo que o fator determinante para a adesão à Igreja Católica e à permanência nela é a boa assistência religiosa ao povo. Nós temos tido dificuldades para dar essa boa assistência, por muitos motivos. É necessário avaliar e analisar com objetividade esses motivos e encontrar meios para desempenhar melhor nossa missão evangelizadora e profética na cidade. Na Arquidiocese de São Paulo, realizamos o sínodo arquidiocesano de 2018 a 2023. Foi um grande esforço para conhecer melhor nossa realidade religiosa e pastoral; agora. estamos na fase da implementação das diretrizes sinodais, o que requer um grande esforço da parte de todos aqueles que estão diante das comunidades como animadores e formadores do povo de Deus. 

O Censo também revela que a maior parte dos católicos tem acesso à internet e meios digitais. Como a Igreja tem aproveitado esse ambiente como campo de missão e presença evangelizadora, sobretudo entre os jovens? 

O âmbito das novas mídias, acessíveis a todos, vai sendo usado mais e mais como espaço e como meio de comunicação para anunciar o Evangelho e para promover a vida na fé. Mas é preciso fazer ainda mais e melhor para ir ao encontro das pessoas de forma presencial. A presença virtual, por si só, não basta. 

Diante da pluralidade religiosa crescente e das transformações culturais, qual o papel da Igreja Católica na promoção do diálogo, da fraternidade e da convivência pacífica no Brasil de hoje? 

A Igreja Católica ainda tem um reconhecimento público importante, como ficou testemunhado nos dias do falecimento e do funeral do Papa Francisco, e, também, nos dias do Conclave e da eleição do Papa Leão XIV. A voz do Papa e, também, do episcopado, ainda tem peso na opinião pública. Por isso, ela continua tendo um papel importante na promoção do diálogo cultural e religioso, e deve desempenhar esse papel como um serviço à sociedade e à humanidade, na promoção da paz, da justiça em todos os sentidos, da dignidade humana e da solidariedade social. E, muito especialmente, na promoção do diálogo ecumênico e inter-religioso. 

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