As fortes chuvas que têm assolado o Rio Grande do Sul fizeram emergir um sentimento pelo qual os brasileiros são mundialmente conhecidos: a solidariedade. Nas paróquias e comunidades gaúchas que não foram afetadas diretamente pelas enchentes, salões se transformaram em abrigos provisórios, paroquianos e voluntários fazem mutirões para preparar as refeições e organizar as doações que chegam e os sacerdotes procuram manter a esperança das pessoas, um cenário típico de um “hospital de campanha”, que cura “as feridas espirituais e físicas”, como recorrentemente o Papa Francisco pede que se dê a ação da Igreja.
“É algo extraordinário o que vem sendo feito. Há pessoas que estão há três dias sem dormir, porque estão colaborando e fazendo comida, separando mantimentos, lavando roupas, fazendo o que podem”, ressaltou Dom Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre (RS) e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em entrevista à rádio 9 de Julho, na sexta-feira, 10.
Reconstruir a esperança
Na Paróquia Menino Jesus de Praga, na zona Sul de Porto Alegre, cerca de 200 refeições são preparadas todos os dias por voluntários e destinadas a quatro abrigos provisórios. A cozinha de uma das capelas vem sendo usada para o preparo da comida, enquanto na matriz um grupo formado em sua maioria pelos membros do Encontro de Casais com Cristo (ECC) tem ajudado na separação, organização e entrega dos itens.
“Agora, temos de sanar as necessidades das pessoas que estão nos abrigos, e à medida que a água for baixando e elas puderem retornar às suas casas, haverá maior necessidade de roupas, materiais de limpeza, eletrodomésticos e de ajuda para que limpem as coisas”, disse, ao O SÃO PAULO, o Padre Luiz Barros, Pároco.
“Este sentimento de solidariedade que temos visto, esta comoção e empatia tem ajudado a reconstruir a esperança das pessoas aos poucos”, assegurou o Sacerdote.
Na Paróquia Nossa Senhora da Glória, na zona Leste de Porto Alegre, o número de abrigados no fim da semana passada já estava em 270 pessoas. As refeições chegam das cozinhas solidárias montadas no bairro, para as quais a Paróquia tem enviado os alimentos doados que recebe.
“Desde que abrimos os salões da matriz e das capelas, muita gente já se apresentou para ajudar nos trabalhos”, detalhou o Padre Jacenir Donizetti Ruivo, Pároco.
“Eu tenho estado na paróquia todos os dias, das 6h às 23h, e faço todo o possível para assegurar a assistência religiosa às pessoas”, disse Padre Donizetti. Psicólogos, médicos e enfermeiros também estão à disposição dos acolhidos.
O Sacerdote faz um apelo para que as doações prossigam após este período mais crítico: “Eu acredito que 90% dos que estão sendo abrigados perderam tudo. Muitas dessas pessoas, por exemplo, fazem uso de medicação controlada e sabemos que não é algo barato. Ainda não temos a suficiente noção sobre o que foi destruído, pois as águas cobriram tudo”.
Uma rede de solidariedade
Além da capital gaúcha, a Arquidiocese de Porto Alegre abrange outros 28 municípios. Um deles é Canoas. “Em algumas paróquias, a água entrou para mais de dois metros de altura. Cerca de 2/3 da cidade ficou debaixo da água. O cenário é terrível e ninguém sabe bem o que fará no futuro”, relatou o Padre Cesar Leandro Padilha, Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças.
“Como a água não alagou aqui, nós nos colocamos a serviço. Estamos fazendo cerca de 7 mil marmitas e mais de 5 mil lanches por dia, que são distribuídos nos locais que foram transformados em abrigos, como as escolas e prédios comerciais. Também distribuímos cestas básicas e roupas, e no salão paroquial estão abrigadas 80 pessoas”, detalhou.
Padre Cesar lembrou que ninguém esperava uma chuva tão intensa, mas que a resposta solidária foi rápida: “Conforme nós, padres, e os leigos fomos sabendo quais eram as paróquias que estavam mais prejudicadas, pouco a pouco foi se formando uma rede de solidariedade. Sabemos que vamos passar algumas semanas nesta situação”.
‘E no mês que vem: quem irá nos ajudar?’
As chuvas também deixaram um rastro de destruição na cidade de Cachoeirinha. “Geralmente, em 10 minutos de carro você vai daqui até o centro de Porto Alegre. Hoje, para fazer este percurso leva-se de quatro a cinco horas. E para que tenhas ideia de como foi intenso, os bancos pesados de muitas igrejas agora estão flutuando”, contou o Padre Antonio Heinemann, Pároco da Paróquia São Vicente de Paulo, onde estão sendo acolhidas 120 famílias na matriz e outras dezenas de pessoas nas duas capelas da Paróquia, algo que tem sido possível graças às muitas doações que chegam diariamente.
“Eu fiquei admirado com tantas salas lotadas de roupa e de comida, e temos visto a alegria das pessoas em ajudar”, comentou. Entretanto, o Padre está preocupado. “Neste momento, tem muita gente doando, que bom! Mas, e no mês que vem: quem irá nos ajudar? Acredito que levará de seis meses a um ano para que as coisas se restabeleçam”, projetou.
Padre Antonio relatou, ainda, que alguns dos desabrigados já começam a se mostrar inquietos pelo fato de águas estarem demorando a abaixar e por perceberem que perderam suas casas e bens. Ele disse que diante dessas angústias, a comunidade tem buscado se fortalecer na fé, de modo especial pela reza diária do Terço.
‘A fé é a última que morre’
Em Gravataí, também na Região Metropolitana de Porto Alegre, a Paróquia Nossa Senhora dos Anjos é uma das que abriram suas portas para acolher desabrigados. Na matriz paroquial estão 125 pessoas, em uma das capelas, 35, e em outra, dez voluntários têm produzido marmitas.
Ao todo, cerca de 150 voluntários estão envolvidos no preparo das refeições e separação e organização de roupas, alimentos não perecíveis, água e itens de higiene e de limpeza que chegam como doações de diferentes partes do Brasil.
Padre Léo Hastenteufel, Pároco, comentou que as doações não se destinam apenas aos abrigados na Paróquia. “Temos o caso de uma família que acolheu 17 parentes; assim, precisa de algum suporte para alimentá-los, e nós ajudamos”.
Uma sala foi especialmente reservada para que os acolhidos possam conversar com psicólogos, ter atendimento médico e acessar o serviço de assistência social.
Em meio à nova dinâmica paroquial, a vida de fé não foi deixada de lado. “Todos os dias, às 18h30, rezamos o Terço e depois tem a missa. A fé é a última que morre, é ela que nos mantém de pé, é nela que está a nossa esperança maior. O que temos visto aqui é expressão da fé. Hoje, todos os grupos e pastorais da Paróquia estão trabalhando nesta ação solidária e vivemos este espírito de partilha, de acolhida e de fé permanente”, concluiu o Pároco.