A religião é um valor de ordem constitucional. O Estado Laico tem o dever de assegurar o direito de ter uma religião, segui-la e de ser coerente com seus preceitos. Nesse sentido, ‘o estado não pode impor uma religião, mas pode haver colaboração das igrejas com o poder público em vista do bem comum’
A Comissão Episcopal para o Acordo Brasil-Santa Sé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizou entre os dias 17 e 19, em Brasília (DF), o Simpósio sobre a Laicidade do Estado e a Liberdade Religiosa, em comemoração dos 15 anos do Acordo que resguarda os direitos essenciais ao desenvolvimento da missão da Igreja Católica no Brasil.
No primeiro dia do evento, Dom Jaime Spengler, Presidente da CNBB, destacou que a liberdade religiosa é um direito fundamental. Já Dom Giambattista Diquattro, Núncio Apostólico no Brasil, disse que o Acordo Brasil-Santa Sé é um sinal tangível do amor de Deus para com o povo brasileiro e pediu que os termos acordados sejam respeitados.
Também no dia 17, o Cardeal Lorenzo Baldisseri, que era o Núncio Apostólico no Brasil quando houve a assinatura do Acordo em 2008, ressaltou que este foi o primeiro documento desta natureza em um país latino-americano, sendo, portanto, uma referência internacional. Ele também descreveu a dinâmica da relação da Igreja com cada Estado: entidades que interagem no mesmo espaço e desfrutam de recíproca autonomia, construindo, assim, uma oportunidade vantajosa para o bem comum.
Ainda na abertura do evento, Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores, enalteceu a consistência e a pluralidade das ações da Igreja no País, incluindo o empenho para que sejam garantidos os direitos das parcelas mais vulneráveis da população.
ESTADO LAICO E RELAÇÕES INSTITUCIONAIS
No dia 18, foi abordado o tema “Gênese do Estado Laico e as relações institucionais”, tendo por conferencistas Paulo Gonet Branco, procurador-geral da República; e Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Gonet comentou que tem havido uma espécie de fundamentalismo ateu, que consiste no uso do termo “Estado laico” para invalidar argumentos e posições sobre valores que estão associados ao sentimento religioso das pessoas na participação de debates públicos. Para ele, é um equívoco pensar a laicidade como aversão religiosa.
“A religião é um valor de ordem constitucional”, ressaltou o procurador. E o Estado laico significa assegurar o direito de ter uma religião, segui-la e de ser coerente com seus preceitos. Nesse sentido, “o Estado não pode impor uma religião, mas pode haver colaboração das igrejas com o poder público em vista do bem comum”, frisou. Ao mesmo tempo, o Estado não deve proibir ou prejudicar as religiões, nem intervir nelas. Gonet lembrou ainda que o respeito à laicidade envolve o fato de que o Estado não interfira na organização interna das igrejas, ou seja, não imponha regras no âmbito particular do espaço de culto ou arbitre conflitos intrinsecamente relacionados à hierarquia de determinada religião.
Gonet também disse ser preciso distinguir a “laicidade” do “laicismo”. A primeira indica que se deve reconhecer que o povo é religioso e que compete ao Estado respeitar todas as religiões. Já o “laicismo” é a antirreligiosidade, e supõe, implicitamente, a inimizade entre religiões e o Estado.
Ives Gandra, por sua vez, abordou os fundamentos filosóficos que sustentam uma correta assimilação do conceito de laicidade, a partir da imagem do homem como “o único animal que reza”, ou seja, que tem uma transcendência e uma vida religiosa.
O ministro do TST recordou o desafio para que o acordo fosse ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente pelas oposições que havia ao artigo 11, que trata do ensino religioso confessional. Ao destacar três princípios presentes no conceito de Estado laico – separação entre Igreja e Estado, liberdade religiosa e cooperação entre Igreja e Estado – Ives Gandra disse que o Acordo Brasil-Santa Sé permite uma regulamentação que salvaguarde ambas as partes nos seus papéis e na proteção dos direitos das pessoas nos espaços comuns em que interagem a Igreja e o Estado, inclusive outras religiões que igualmente se beneficiam dos termos do Acordo.
LAICIDADE DO ESTADO E A RELIGIÃO
No último dia do Simpósio, o tema “Laicidade do Estado e a Religião” foi tratado pelo Cardeal Paulo Cezar Costa, Arcebispo de Brasília (DF), e por Gilmar Ferreira Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
A mediação foi de Dom João Justino de Medeiros, 1º Vice-presidente da CNBB, que, inicialmente, enfatizou que a verdadeira laicidade deve garantir a liberdade religiosa. Em sua conferência, o Cardeal Paulo Cezar Costa falou sobre a laicidade e transcendência humana sob a perspectiva teológica. Ele destacou que o Estado laico respeita e permite a atuação das religiões, em contraste com um Estado ateu, que rejeita a existência de Deus.
Ao citar documentos como a encíclica Gaudium et spes e a declaração Dignitatis humanae, o Arcebispo de Brasília comentou que a dignidade humana é o fundamento da liberdade religiosa, a qual está intrinsecamente ligada à ausência de coerção e à liberdade de consciência, sendo limitada apenas pelo bem comum.
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, abordou a laicidade sob a ótica constitucional e jurídica. Ele mencionou a harmonia entre o Acordo Brasil-Santa Sé e a Constituição federal, apontando que o uso de símbolos religiosos e referências a Deus em documentos oficiais não violam a laicidade do Estado.
O ministro também ressaltou que a laicidade não implica ruptura entre Estado e religião, mas sim uma relação de cooperação. Ele citou o caso da imunidade tributária de instituições religiosas, que, segundo ele, reflete essa colaboração em prol do interesse público. “A neutralidade do Estado não significa indiferença”, disse Mendes, reforçando que a laicidade deve promover o respeito às instituições religiosas e a seus direitos.
(Com informações da CNBB)