Após mobilização da sociedade, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei 2628/2022, que segue para sanção presidencial

Em votação em plenário realizada na quarta-feira, 27, o Senado aprovou o texto substitutivo do projeto de lei (PL) 2628/2022, que estabelece regras para prevenção de crimes contra crianças e adolescentes no ambiente digital. O texto já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados no dia 20 e conta com apoio do Governo Federal, razão pela qual se espera que nos próximos dias seja sancionado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
A regulamentação sobre os conteúdos a que crianças e adolescentes estão expostos na internet vem sendo requerida há alguns anos por entidades que atuam em favor dos direitos dessa parcela da população e das famílias. A causa ganhou ainda mais força após o influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, o Felca, publicar o vídeo “Adultização”, no qual denunciou perfis nas redes sociais que utilizam crianças e adolescentes em contextos de sexualização para conquistar audiência e lucro, e a maneira com que rapidamente materiais ligados a pedofilia são impulsionados pelos algoritmos das plataformas digitais.
Em linhas gerais, o PL 2628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira, prevê obrigações para os fornecedores e controle de acesso por parte de pais e responsáveis, além de ações para combater a chamada “adultização” de crianças nas redes sociais. Entre outros pontos, prevê a remoção imediata de conteúdos relacionados a abuso ou exploração infantil com notificação às autoridades, além da adoção de ferramentas de controle parental e verificação de idade dos usuários.
O projeto de lei cria um Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, com vistas a proteger esse público no uso de aplicativos, jogos eletrônicos, redes sociais e programas de computador.
Durante a votação, a maioria dos senadores manifestou apoio à proposta afirmando que o texto representa um avanço na proteção das crianças, mas outros apontaram preocupação com essa regulação das redes sociais.
O QUE PREVÊ A FUTURA LEI
Remoção de conteúdo: Fornecedores de produtos e serviços de tecnologia da informação devem adotar uma série de medidas para prevenir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos prejudiciais, como pornografia, bullying, incentivo ao suicídio e jogos de azar. Caso sejam identificados conteúdos relacionados a abuso sexual, sequestro, aliciamento ou exploração, as empresas devem remover e notificar imediatamente as autoridades competentes, tanto nacionais quanto internacionais. As plataformas digitais também deverão remover conteúdos que violem direitos de crianças e de adolescentes assim que forem comunicadas do caráter ofensivo da publicação pela vítima, por seus representantes, pelo Ministério Público ou por entidades representativas de defesa dos direitos de crianças e de adolescentes, independentemente de ordem judicial.
Denúncia abusiva: o usuário que publicou conteúdo considerado abusivo deve ser notificado com antecedência, recebendo a justificativa da decisão de retirada da postagem e a informação sobre se a análise foi feita por um sistema automatizado ou por uma pessoa. A plataforma também deve oferecer um mecanismo de recurso acessível, permitindo que o usuário conteste a remoção.Caso uma denúncia seja feita de forma abusiva, o autor poderá sofrer sanções, incluindo a suspensão temporária ou até a perda da conta em casos de denúncias falsas recorrentes.Além disso, redes com mais de 1 milhão de crianças ou adolescentes devem publicar, a cada seis meses, um relatório com dados sobre denúncias de abuso, conteúdos moderados e ações de gestão de riscos à segurança e saúde das crianças e adolescentes.

Controle parental: Entre as obrigações dos provedores de redes sociais, está a de garantir que haja vinculação das redes sociais de crianças e adolescentes de até 16 anos a um responsável, bem como a remoção de conteúdo considerado abusivo para este público.Será proibida que a verificação de idade seja feita por autodeclaração do usuário. Também se exige que as empresas disponibilizem configurações e ferramentas acessíveis e fáceis de usar que apoiem a supervisão parental. A ideia é que os responsáveis tenham mais facilidade para acompanhar o conteúdo acessado pelas crianças e adolescentes, bem como limitar o tempo de uso.
Nível máximo de proteção: As ferramentas de supervisão parental deverão, por padrão, oferecer o nível máximo de proteção disponível. Isso inclui bloquear a comunicação entre crianças e adultos não autorizados, limitar recursos que incentivem o uso excessivo — como reprodução automática, notificações e recompensas —, controlar sistemas de recomendação e restringir o compartilhamento da geolocalização.Pais e responsáveis também devem ter acesso a controles que permitam configurar e gerenciar a conta da criança, definir regras de privacidade, restringir compras e transações financeiras, além de identificar os perfis de adultos com quem seus filhos interagem.Na ausência de conta vinculada aos responsáveis legais, os provedores deverão impedir qualquer alteração que reduza o nível das configurações de supervisão parental.

Veto às caixas de recompensas em jogos eletrônicos: Também chamadas de loot boxes se tornam proibidas para crianças e adolescentes. Elas oferecem ao jogador itens virtuais relacionados ao enredo do jogo sem que ele saiba previamente o que irá receber — ou seja, vantagens aleatórias. Especialistas alertam que esse tipo de mecânica pode incentivar comportamentos compulsivos e manter o jogador engajado por longos períodos, mesmo quando não há envolvimento de dinheiro, mas sim de pontuações acumuladas dentro do próprio jogo.
Fiscalização: Caberá à autoridade administrativa autônoma de proteção dos direitos de crianças e de adolescentes no ambiente digital – ainda a ser criada – fiscalizar o cumprimento da lei e editar normas complementares. Essa autoridade seguirá as regras da Lei das Agências Reguladoras. Uma lei própria regulamentará a criação dessa autoridade, e não se descarta que esta seja incorporada à Anatel para evitar mais gastos públicos e trâmites burocráticos.
Dados de crianças: Os fornecedores deverão “se abster” de realizar o tratamento dos dados pessoais de crianças e adolescentes de maneira que possa causar ou contribuir para violações à privacidade e a outros direitos protegidos desse público.
Conteúdo impróprio: Os fornecedores de produtos com conteúdo impróprio para menores de 18 anos deverão impedir o acesso por crianças e adolescentes.Os provedores de aplicações de internet que disponibilizam conteúdo pornográfico deverão impedir a criação de contas ou de perfis por crianças e adolescentes.
Publicidade: Fica proibido traçar perfis para direcionar publicidade a crianças e adolescentes. Será vedado ainda o uso de análise emocional, realidade aumentada, realidade estendida e realidade virtual para esse fim.
Liberdade de expressão: A regulamentação da lei, a ser feita posteriormente por decreto do Poder Executivo, não poderá impor mecanismos de vigilância massiva, genérica ou indiscriminada; e serão vedadas práticas que comprometam os direitos fundamentais à liberdade de expressão, à privacidade, à proteção integral e ao tratamento diferenciado dos dados pessoais de crianças e adolescentes.

Penalidades: As plataformas digitais que descumprirem a lei poderão ser penalizadas com advertência, multa, suspensão ou até proibição de exercer atividades, sem prejuízo de outras sanções civis, criminais ou administrativas.A advertência dará um prazo de até 30 dias para que o infrator adote medidas corretivas. Já a multa poderá chegar a até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no último exercício. Caso essa informação não esteja disponível, a penalidade será calculada entre R$ 10 e R$ 1 mil por usuário cadastrado no provedor, limitada a R$ 50 milhões por infração.A aplicação das penalidades levará em conta fatores como a gravidade da infração, reincidência, capacidade econômica do infrator, finalidade social do provedor de internet e o impacto causado à coletividade.Empresas estrangeiras serão solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas aplicadas às suas filiais, sucursais, escritórios ou estabelecimentos no Brasil.Já as penalidades mais severas — suspensão ou proibição de atividades — só poderão ser impostas pelo Poder Judiciário.
(Com informações da Agência Senado)