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Epidemia silenciosa: a ansiedade e a depressão disparam entre crianças, adolescentes e jovens

Arquivo pessoal

Quem vê Lucas Meira, 29, focado nos estudos na graduação de Arquitetura e Urbanismo, dificilmente será capaz de imaginar que a ansiedade e a depressão foram suas “companheiras” entre os anos de 2012 e 2019. 

Os primeiros sinais surgiram quando ele havia mudado de cidade e se distanciado dos amigos, o que aumentou o sentimento de solidão. As redes sociais, então, tornaram-se sua principal forma de contato com o mundo. 

“As redes influenciaram expressivamente meu estado mental, pois vendiam estilos de vida inalcançáveis e me faziam comparar constantemente com a minha própria realidade. Era nelas, porém, que eu dava sinais de que não estava bem, sem nenhum tipo de julgamento. Era uma época em que o Instagram bombava. O leque de assuntos abordados nas redes era polido; ninguém se atrevia a falar abertamente sobre depressão. Isso começou a mudar em meados de 2017”. 

O relato de Lucas não é isolado. Entre 2014 e 2024, o atendimento a crianças de 10 a 14 anos com transtornos de ansiedade no Sistema Único de Saúde (SUS) aumentou quase 2.500% e, entre adolescentes e jovens de 15 a 19 anos, subiu 3.300%. 

Em nota ao O SÃO PAULO, o Ministério da Saúde informou que, em 2024, o SUS registrou 119.412 atendimentos ambulatoriais por transtornos de ansiedade em pessoas de até 19 anos. Desse total, 42% referem-se a crianças de até 14 anos. Em números absolutos, comparativamente a 2020, o aumento de atendimentos foi de 420%, o que se explica também, segundo o Ministério, pelo fato de terem sido habilitados “mais de 600 novos pontos da Rede de Atenção Psicossocial, entre 2023 e 2024, e aumentado em 38% o orçamento da área, com investimentos de R$ 2,25 bilhões no ano passado”. 

AS RAÍZES DA CRISE: CAUSAS MÚLTIPLAS E INTERLIGADAS 

As causas desse aumento de casos são diversas e interligadas. A psicóloga clínica e neuropsicóloga Vanessa de Melo Irineu Oliveira observou um crescimento expressivo no número de adolescentes com sintomas de ansiedade, tristeza persistente, esgotamento emocional e dificuldade em lidar com frustrações. 

“É possível notar que esses sinais têm surgido cada vez mais cedo, inclusive em crianças, o que indica uma antecipação preocupante do sofrimento emocional. Entre os fatores que contribuem estão as pressões escolares, o uso excessivo de telas, as comparações sociais constantes e ambientes familiares sobrecarregados ou com pouca disponibilidade emocional”, explicou a especialista à reportagem. 

Vanessa apontou como principais vilões da atualidade as redes sociais, a pressão acadêmica, a competitividade, a solidão digital, o bombardeio de informações e o avanço da inteligência artificial. Para ela, o excesso de estímulos digitais provoca uma sobrecarga cognitiva e emocional cada vez mais evidente nos mais jovens. 

“As comparações são um dos principais gatilhos. O adolescente vê o mundo pela ‘janela’ das redes sociais e tende a acreditar naquilo que enxerga: uma felicidade aparente, baseada em ter, comprar e mostrar. Esse modelo cria uma pressão constante por desempenho e aprovação, gerando sentimento de inadequação quando a realidade não corresponde ao que se vê nas telas”, comentou. 

“Além disso, muitos adolescentes ainda não possuem recursos cognitivos maduros para planejamento e percepção realista do futuro, o que intensifica o medo de não conseguirem realizar, de frustrarem expectativas ou ‘não darem certo’ na vida. Somam-se a isso fatores como sobrecarga escolar, instabilidade familiar e pouca vivência de momentos de lazer e descanso, que acabam amplificando o quadro ansioso”, explicou Vanessa. 

Elina Araja/Pexels

COMO IDENTIFICAR OS SINAIS 

Doenças mentais como a ansiedade e a depressão nem sempre se manifestam de forma clara. Muitas vezes são silenciosas e seus sinais passam despercebidos. Por isso, é fundamental que pais, amigos e educadores estejam atentos a alguns comportamentos mais comuns nesses casos. 

“Qualquer mudança brusca e duradoura no comportamento deve ser observada com atenção. Alterações significativas no sono, apetite, rendimento escolar ou na forma de se relacionar com os outros podem indicar sofrimento emocional. Sinais como rebaixamento da autoestima, falas autodepreciativas, isolamento, irritabilidade intensa, tremores, medos desproporcionais e crises de choro recorrentes também merecem cuidado. É importante estar atento à presença de cicatrizes, roupas que escondem partes do corpo ou comentários sobre a morte, pois podem sinalizar comportamentos autolesivos ou ideação suicida”, explicou a psicóloga. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quando um sintoma emocional ou comportamental persiste pela maior parte do dia, por vários dias seguidos, já pode ser considerado um episódio depressivo. 

Já a ansiedade é uma emoção natural em situações de mudança, como provas ou apresentações, mas torna-se clínica quando é excessiva, persistente e desproporcional à situação vivida. 

QUEBRAR O SILÊNCIO É SALVAR VIDAS 

Falar sobre saúde mental é uma forma de prevenir e salvar vidas. Escutar sem julgamentos, acolher com empatia e buscar ajuda profissional ao primeiro sinal de sofrimento são atitudes que fazem diferença. Criar espaços de diálogo em casa e nas escolas ajuda a quebrar o silêncio que cerca a ansiedade e a depressão, mostrando aos jovens que pedir ajuda não é fraqueza, é coragem. 

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