
Sacerdote da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap.), Frei Wilter Gleiton Cristino Malveira,41, há mais de cinco anos tem se dedicado a reflexões diárias sobre o Evangelho e a temas de espiritualidade cristã nas redes sociais. Pós-graduado em Comunicação Social pelo Sepac/PUC-SP e mestre em Teologia Pastoral no âmbito da Comunicação e Educação pela Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, ele lançou em 2024 o livro “A evangelização nas redes sociais – conexão, proximidade e encontro”, pela Angelus Editora.
Ao O SÃO PAULO, Frei Wilter – que também é cantor, compositor, escritor, radialista, palestrante e pregador de retiros –, analisa a maneira como a Igreja tem evangelizado pelas redes sociais e destaca o modo responsável com o qual os chamados influencers católicos devem fazê-lo: “Aqueles que proclamam a Palavra de Deus e os valores do Evangelho não devem cair no ‘tribalismo digital’. Leia a seguir a íntegra da entrevista.
O SÃO PAULO – O que motivou o senhor a estudar no mestrado a temática da evangelização nas redes sociais?
Frei Wilter Malveira – A comunicação é um princípio de vida. Nosso Deus é Uno e Trino, Comunhão de amor que se comunica e se revela. Depois de ser ordenado sacerdote em 2012, iniciei um trabalho pastoral de evangelização dentro dos meios de comunicação. Primeiro no rádio e logo em seguida na TV. E com a ascensão das redes sociais, comecei, também, aos poucos, uma tímida atuação missionária neste ambiente digital que cresceu e tomou uma grande proporção durante os anos da pandemia de COVID-19. Depois deste tempo tão difícil, fui a Roma para estudar na Pontifícia Universidade Lateranense. Para trabalho de conclusão do curso, resolvi escrever sobre a “Evangelização nas Redes Sociais”, porque é onde eu já atuo evangelizando há tantos anos e que percebo como um novo “Kairós” (Tempo de graça) na ação missionária da Igreja. O que mais me surpreendeu ao abordar este tema foi perceber a internet como uma grande e potente ferramenta de evangelização, capaz de levar o Evangelho de Jesus Cristo a lugares inimagináveis de um jeito tão rápido e prático. A evangelização nas redes sociais é um fenômeno que tem o seu ‘trigo’ e o seu ‘joio’. Precisamos discernir e distinguir um do outro para utilizar da melhor forma possível esta valiosa ferramenta de comunicação.
Em seu livro, quais aspectos centrais são tratados sobre a missão evangelizadora da Igreja nas redes?
São Paulo VI disse na Evangelili Nuntiandi que “evangelizar, de fato, é a graça e a vocação própria da Igreja, sua identidade mais profunda. Existe para evangelizar.” Desde o nascimento da Igreja em Pentecostes e ao longo dos séculos, passando pela primeira impressão da Bíblia, até à chegada da internet, a Igreja atravessou muitos séculos de comunicação e sempre com o desejo de cumprir o mandato dado por Jesus, que disse “Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16,15). O objetivo deste livro é esclarecer o que é a evangelização digital; como deve ser feita de acordo com as orientações da Igreja; quem são os cristãos católicos que evangelizam nas redes sociais e qual é a sua verdadeira missão pastoral, tendo em conta as considerações do documento do Dicastério para a Comunicação da Santa Sé “Rumo à presença plena: Reflexão Pastoral sobre a participação nas redes sociais”, publicado em 2023. Este documento não é um diretório, mas uma reflexão teológico-pastoral que enfatiza a importância destes três conceitos: Conexão (estamos imersos neste mundo interconectado das mídias), Proximidade (o encontro nas redes sociais gera proximidade digital, interação, partilhas) e Encontro (a proximidade virtual não pode jamais substituir a vida em comunidade, o encontro face a face, olho no olho, o afeto do contato físico). No livro, busco discorrer sobre desenvolvimento da Pastoral digital na Igreja nos últimos anos, com base nos documentos da Igreja e, sobretudo, no magistério dos Papas São João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Seguindo a reflexão, eu me esforço para mostrar as redes sociais como um lugar de missão e como é possível fazer pastoral dentro desse cyberespaço, na infosfera com os nativos digitais, nessa realidade do mundo Onlife e hiperconectado, na cultura da virtualidade e a partir do entendimento dachamada humanidade midiática.
Na obra, o senhor menciona a responsabilidade dos evangelizadores digitais católicos. Como eles devem se preparar para bem exercer este apostolado?

Os missionários digitais devem buscar viver um autêntico testemunho de vida cristã, com uma vida sacramental sempre em comunhão sadia e fecunda com sua Igreja local (diocese, paróquia, comunidade…). A passagem da parábola do Bom Samaritano serve de modelo, como orientação essencial para a reflexão sobre a cultura digital e sobre o comportamento da comunidade eclesial neste campo. É possível cuidar dos outros, estar perto, ter misericórdia, ter compaixão, estar atento às necessidades de quem precisa de ajuda mesmo nos ambientes digitais. No contexto digital das mídias sociais, muitos foram e ainda são marginalizados, feridos e prejudicados. A reflexão proposta pelo documento Rumo a uma presença plena, visa a promover uma cultura de proximidade, compaixão e misericórdia no mundo digital. Da mesma forma que o Bom Samaritano cuidou do homem ferido à beira do caminho, é necessário que os evangelizadores digitais tenham empatia e cuidem daqueles que podem estar sofrendo ou marginalizados no ambiente digital. Isto é poder oferecer apoio, conforto ou orientação em seus momentos de necessidade. A mídia social é um terreno fértil para o bem, mas também pode se tornar uma fonte de negatividade. O missionário que nele evangeliza deve estar atento às necessidades das pessoas que enfrentam dificuldades neste ambiente, como, entre outros problemas graves, o cyberbullying, o isolamento social, a desinformação. É importante testemunhar uma presença cristã solidária que possa oferecer recursos, quando possível, para ajudar aqueles que sofrem com essas dificuldades.
Muitas pessoas seguem páginas e acompanham postagens dos chamados influencers católicos. Como identificar aqueles que, de fato, falam alinhados ao Magistério da Igreja?
Infelizmente, não é difícil encontrar inúmeros perfis, canais e blogs que se dizem católicos, mas se envolvem em extremismo religioso e proselitista. Eles espalham notícias falsas e tentam desacreditar personalidades e âmbitos da Igreja. Com isso, atraem os indecisos, os céticos e os críticos da Igreja. Os evangelizadores digitais têm a responsabilidade de promover a unidade e o respeito mútuo, de serem promotores do respeito e do diálogo. Isso implica a capacidade de ouvir, de ter a mente aberta para entender diferentes perspectivas e de responder com empatia, respeito e compreensão, mesmo diante de opiniões divergentes. Aqueles que proclamam a Palavra de Deus e os valores do Evangelho não devem cair no ‘tribalismo digital’. Existem muitas armadilhas nas “estradas digitais” a serem evitadas por aqueles que fazem a evangelização digital: 1) Desigualdade digital; 2) Comercialização das redes sociais; 3) Distribuição, troca de conhecimento, dados e informações; 4) Individualismo na web; 5) Argumentos apresentados com uma atitude agressiva e negativa – eles se espalham rapidamente, criando um terreno fértil para a violência, o abuso e a distorção. Além dessas armadilhas, há outro grande risco para os missionários da mídia social digital: a “doença” da autorreferencialidade na vida da Igreja, sobre a qual o Papa Francisco falou várias vezes. Em resumo, um autêntico missionário digital deve ser capaz de viver uma vida verdadeiramente cristã baseada nos valores do Evangelho e dos ensinamentos da Igreja; agir sempre com sinodalidade; ser capaz não só de falar, mas também de ouvir; e assumir esta evangelização digital como uma missão e não como uma forma de autopromoção e fonte de lucro econômico e egolátrico.
Mediante a crescente polarização nas redes sociais, como tecer relações que ajudem a trilhar um caminho de santificação de vida?
É sempre muito importante partir do exemplo do Mestre Jesus. Somos seus discípulos e devemos anunciar com obras e palavras o que experienciamos com Ele. Fomos enviados para anunciar não o que achamos e queremos, mas o que Ele é e o seu Evangelho. Aqueles que conseguem ganhar milhares de seguidores nas redes sociais têm um forte poder de influência na esfera pública. Suas postagens e mensagens, compartilhadas diariamente, podem moldar a opinião pública não apenas sobre questões religiosas, mas também sobre questões sociais e éticas. Os evangelizadores digitais têm o poder de orientar o pensamento e a compreensão das pessoas sobre fé, moral e outras questões muito importantes para a vida humana, como, por exemplo, a ecologia, a desigualdade social e as guerras.O mundo digital, e em particular as redes sociais, são agora um ponto de encontro. São áreas de interação contínua. Nesse ambiente, as pessoas compartilham suas vidas e experiências, cultivam e constroem relacionamentos. Há uma beleza e um perigo nisso. A beleza está no ato de construir amizades e relacionamentos. O perigo é que essas relações, nascidas no ambiente digital, correm o risco de nunca se tornarem verdadeiras relações humanas. O Papa Francisco dizia que o ambiente digital deve ser “um lugar rico em humanidade, não uma rede de fios, mas de pessoas humanas.”
Quais orientações o senhor deixa a quem queira ser um autêntico missionário digital?
Um influenciador digital é alguém que tem a capacidade de influenciar, de ocupar e exercer um poder de discurso, de persuadir as grandes massas ou um grupo específico. Normalmente, este influenciador alcança notoriedade, tornando-se muito popular junto do público, o que o eleva à categoria de uma celebridade de pleno direito. Ou seja, torna-se alguém com quem o público, de alguma forma, se identifica e admira e a quem atribui autoridade sobre as suas vidas. Com os seus milhares de seguidores, um influenciador digital adquire a capacidade de ganhar grande projeção mediática com base no que diz e faz. Portanto, um missionário digital deve assumir esta capacidade de influência com poder e responsabilidade. Jesus disse: “Ide por todo e anunciai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Obedecendo este mandato, a Igreja busca de todas as formas e meios fazer chegar a Boa nova de Jesus a todos os povos, línguas e nações. E a internet é hoje uma das grandes ferramentas de comunicação. Um instrumento e um chão fecundo para que a evangelização aconteça. É necessário utilizar as redes sociais como um “dom de Deus”, como afirma o Papa Francisco, mas também com muita responsabilidade, sabendo que neste ambiente digital existe o “trigo do bem”, mas infelizmente o “joio do mal”. Podemos e devemos usar o conteúdo religioso das redes sociais para alimentar e fortalecer a nossa fé com muita sobriedade e discernimento, pois nem todo chamado “influencer católico” é, de fato, um autêntico evangelizador. Isso já é constatado e ressaltado por estudos recentes deste âmbito e eu aprofundo no livro. O grande conselho para quem quer ser um autêntico missionário digital é, antes de tudo, amar e servir a nosso Senhor Jesus Cristo e a sua Igreja com o coração sincero, seguindo a lógica de Cristo e do seu Evangelho e não a do algoritmo das redes sociais que possui intenções e objetivos que não são exatamente os mesmos dos anunciados pelo Cristo Senhor.