Igreja se faz próxima daqueles que sofrem com o luto na pandemia

O distanciamento social e as medidas restritivas para conter o avanço da pandemia de COVID-19 impactam a vida da sociedade em diversos aspectos.

Nesse contexto, a assistência espiritual às pessoas, sobretudo àquelas que sofrem por ter alguém doente na família ou até pela perda de um ente querido em decorrência dessa doença, tem sido imprescindível.

Contudo, com as igrejas fechadas, missas com o povo suspensas, velórios abreviados ou até proibidos, como manifestar a fé na vida eterna, despedir-se dignamente de um familiar e, sobretudo, receber o apoio e o conforto da Igreja nesse momento de dor?

Nesse sentido, os padres têm buscado alternativas para continuar a realizar essa missão. Nunca os meios de comunicação e as plataformas digitais foram tão úteis para os sacerdotes e as comunidades realizarem esse serviço pastoral.

AMIZADE

A família Gios experimentou isso há pouco mais de um mês, quando seu patriarca, Mateus Gios, 75, começou a passar mal e foi levado ao hospital, onde foi diagnosticado com uma forte pneumonia. Com problemas renais, seu estado de saúde se agravou e ele não resistiu, falecendo em 21 de março. Somente nove dias depois do seu sepultamento, veio a confirmação de que Mateus estava infectado pelo novo coronavírus. Devido à suspeita de COVID-19, o velório teve apenas uma hora de duração e foi restrito a familiares próximos.

O Sacerdote amigo de longos anos da família, Padre José Ferreira Filho, conseguiu chegar ao cemitério quando já estava acontecendo o sepultamento e pôde fazer as últimas orações. Diante da situação, a família acabou não celebrando a missa de sétimo dia, pois também havia a preocupação com o cuidado da saúde da esposa de Mateus, Zilda D’Angelo Gios, 73, que também foi infectada pela COVID-19, porém não teve complicações de saúde.

ORAÇÃO

Padre José se ofereceu para celebrar a missa do 30º dia de falecimento. No entanto, como a matriarca da família estava em isolamento e seguindo as recomendações médicas, a celebração não pôde acontecer com a presença dos familiares. “Então, eu celebrei a missa na Paróquia, transmiti via Facebook e os familiares acompanharam a celebração em casa”, destacou o Padre José, que é Administrador Paroquial da Paróquia São José Operário, no Jardim Damasceno.

No mesmo dia em que a missa foi celebrada, Padre José recebeu a notícia de que uma jovem de sua Paróquia, Maiara Cabral, com 28 anos, também havia morrido em decorrência da COVID-19 e, por isso, a Eucaristia foi celebrada também em sua intenção.

CONSOLO

O Padre Roberto Fernando Lacerd viveu experiência semelhante na Paróquia Santa Rosa de Lima, no Jardim Tremembé. No sábado, 25, uma paroquiana chamada Carmelita Goulart de Souza faleceu após ser internada com suspeita do novo coronavírus. “Foi um momento muito difícil para a família, sem a oportunidade da celebração das exéquias”, relatou o Pároco, pois, desde essa data, os velórios de vítimas e suspeitos de COVID-19 estão suspensos na capital.

O Sacerdote, então, entrou em contato com a família por telefone para manifestar sua proximidade e celebrar a missa na intenção da paroquiana. “Não pudemos realizar o velório e rezar por minha irmã, mas, ouvir suas palavras de fé, confortam minha família neste difícil e triste momento”, testemunhou a irmã de Carmelita, Sebastiana Pierini, em mensagem enviada ao Padre.

Para se fazerem próximas das pessoas que necessitam de um amparo maior em situações dolorosas como essas, as paróquias estão se organizando com o apoio e a participação efetiva dos leigos da comunidade.

COMUNIDADE

Por estar em recuperação de uma recente cirurgia, Padre Roberto também tem que seguir rigorosamente a quarentena. Na Semana Santa, o médico o autorizou a celebrar o Tríduo Pascal na matriz paroquial com a ajuda de poucos auxiliares e seguindo as recomendações preventivas. Nos outros dias, ele tem celebrado diariamente na casa paroquial e mantém constante contato com os paroquianos para atender às suas necessidades.

“Nós organizamos o território de nossa paróquia em 12 grupos para dar suporte e estar em contato com o máximo possível de paroquianos. Como mais da metade dos nossos fiéis não têm acesso às mídias sociais, os coordenadores desses grupos telefonam com frequência para animá-los e procurar saber do que precisam”, disse.

Padre Osvaldo Bisewski, Administrador Paroquial da Paróquia Santa Luzia, na Água Fria, também ressaltou que a pandemia tem sido uma ocasião para aprofundar o sentido de corresponsabilidade da comunidade no cuidado de uns para com os outros.

“Como a maioria dos meus contatos acaba sendo por telefone ou WhatsApp, eu percebo que as pessoas da comunidade de fé têm assumido esse papel de se fazerem próximas daquelas mais necessitadas de uma atenção”, afirmou o Padre, destacando que várias famílias manifestam preocupação e atenção para com os doentes que moram próximos ou pessoas que necessitam de um amparo afetivo, espiritual e, inclusive, material.

CUIDADO MÚTUO

“Percebo que mudou o sentido de cuidado pelo outro nesse período. A comunidade não é só o Padre. As pessoas estão sentindo a presença da Igreja junto delas também por meio daqueles que estão mais próximos”, acrescentou o Sacerdote.

Ainda no caso das famílias que sofrem com o luto em meio a essa situação excepcional da pandemia, os padres e agentes de pastoral as ajudam a compreender a importância da oração pelos falecidos e que, mesmo que não possam participar presencialmente da missa, a Igreja Católica crê e ensina sobre a eficácia da Eucaristia oferecida em sufrágio das almas.

OBRA DE MISERICÓRDIA

Sepultar os mortos e rezar por eles é uma obra de misericórdia. Quando não é possível realizar o ritual de exéquias por um sacerdote ou ministro no cemitério, a Igreja sempre aconselhou que a família faça um momento de oração antes do sepultamento, manifestando a fé na vida eterna e na misericórdia de Deus.

Orações da piedade cristã, como o Terço, também são propícias nessas circunstâncias. Nos rituais e manuais de oração cristã, existem várias pequenas orações que podem ser feitas não somente no funeral como também depois dele, sempre que as pessoas se lembrarem de seu ente falecido. Uma delas é esta:

Pai Santo, Deus Eterno e Todo-Poderoso,
nós vos pedimos por (nome do falecido),
que chamastes deste mundo.
Dai-lhe a felicidade, a luz e a paz.

Que ele, tendo passado pela morte,
participe do convívio de vossos santos na luz eterna,
como prometestes a Abraão e à sua descendência.

Que a sua alma nada sofra,
e vos digneis ressuscitá-lo com os vossos santos
no dia da ressurreição e da recompensa.

Perdoai-lhe os pecados,
para que alcance junto a Vós
a vida imortal no Reino eterno.
Por Jesus Cristo, Vosso Filho,
na unidade do Espírito Santo. Amém.

(Rezar Pai-Nosso e Ave-Maria)

Dai-lhes, Senhor, o repouso eterno e brilhe para eles a vossa luz! (3 vezes).

(Fotod: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

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