‘Joga fora no lixo’: a solução mais ineficaz para a gestão de resíduos sólidos

Arquivo Agência Brasil

“Produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos, muitos deles não biodegradáveis: resíduos domésticos e comerciais, detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrônicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e radioativos. A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo.” 

O alerta do Papa Francisco no parágrafo 21 da encíclica Laudato si’ (LS), de 2015, é também válido para o Brasil, onde a cada ano são produzidos 82,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos. Desse total, conforme o Panorama dos Resíduos Sólidos 2021, da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 45,3% é de lixo orgânico, 33,6% de materiais que poderiam ser reciclados – papel, plástico, vidro, alumínio, aço e embalagens – e 14,1% não são passíveis de reciclagem ou reaproveitamento. 

De todo este montante de resíduos, 40%, cerca de 30,3 milhões de toneladas, têm o destino adequado. O simples descarte do restante causa impactos imediatos no meio ambiente, quando o destino são os lixões ou custos adicionais para que seja gerido nos aterros controlados ou nos aterros sanitários, cuja vida útil é de cerca de 20 anos. 

Diante disso, o que fazer? Na Laudato si’, Francisco indica algumas ações, como evitar o uso de plástico e papel, diferenciar aquilo que irá para o lixo, cozinhar apenas o que razoavelmente se poderá comer, bem utilizar algo em vez de desperdiçá-lo rapidamente (cf. LS, 211), atitudes de responsabilidade do homem com o cuidado da Criação, uma vez que este é “chamado a exercer um governo responsável para conservar [a Criação], fazer frutificar e cultivar, encontrando os recursos necessários para uma existência digna de todos”, conforme destacou o Papa Bento XVI na audiência geral de 26 de agosto de 2009. 

Nesta edição do “Caderno Laudato si’ – por uma Ecologia Integral”, o jornal O SÃO PAULO discute o destino final do lixo, os impactos sobre as comunidades próximas a aterros e lixões e soluções para atenuar os efeitos nocivos do descarte de resíduos. 

EM BUSCA DE MUDANÇAS 

Embora proibidos no Brasil desde 1991, ainda há 2,5 mil lixões em operação no País, ou seja, ambientes a céu aberto nos quais todo tipo de lixo é jogado e não há qualquer forma de tratamento para que se reduza seu impacto no meio ambiente. Já os aterros controlados, geralmente próximos a lixões, recebem intervenções do poder público, como uma cobertura de solo, e controle do que é depositado, a fim de tentar amenizar os impactos ambientais. 

Diferente destes são os aterros sanitários, grande áreas tecnicamente preparadas para receber resíduos e com o devido monitoramento, evitando que o lixo fique exposto a céu aberto e que contamine o solo e o lençol freático. Trata-se, porém, de uma estrutura de alto custo para o poder público e que precisa ser monitorada por décadas após ser desativada. 

Sancionado em abril deste ano, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) – decreto 11.043/2022 – traz entre suas metas elevar para 48% até 2040 o percentual de reciclagem no Brasil – atualmente inferior a 4% – e pôr fim até o ano de 2024 a todos os lixões e aterros controlados. 

Também a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – lei 12.305/2010 – aponta que todos os envolvidos na produção dos resíduos – produtor, consumidor e gestor público – se responsabilizem pela sua destinação final ambientalmente adequada. A meta é que o resíduo que será enviado aos aterros sanitários contenha apenas aquilo que não possa ser reutilizado, reciclado, recuperado ou convertido em alguma forma de energia. 

A METRÓPOLE DE 12 MIL TONELADAS DE LIXO POR DIA 

Imagine toda a Avenida Paulista recoberta de lixo, a uma altura de 53 metros. Assim seria ao final de um ano se dia após dia as 12 mil toneladas de lixo geradas na cidade de São Paulo fossem para lá destinadas, totalizando 3,6 milhões de toneladas anuais. 

Mas o destino é outro para esse montante de resíduos domiciliares e os de varrição coletados. Eles vão para três aterros sanitários, dois deles privados e um funcionando em regime de concessão. Além disso, o poder público monitora aterros que já encerram suas atividades, caso do Aterro São João, na zona Leste, que funcionou até outubro de 2009, e do Aterro Bandeirantes, em Perus, na zona Noroeste, que recebeu resíduos até março de 2007. 

“Existe um monitoramento da área para evitar invasões e para que não vire ponto de descarte, além do monitoramento das questões ambientais que é feito pela Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo]. O monitoramento continuará a ser feito até que o material que está depositado lá deixe de existir”, explicou, ao O SÃO PAULO, Mauro Haddad Nieri, gerente de saneamento ambiental da SP Regula, agência da Prefeitura de São Paulo responsável pela regulação e fiscalização de serviços de coleta de lixo na cidade. Ele também assegurou que há constantes estudos de tecnologias para o tratamento e redução do envio de cargas orgânicas para os aterros sanitários. 

“O Plano Nacional de Resíduos Sólidos prioriza a não utilização de resíduos, o reúso, a reciclagem, a ampliação da coleta seletiva, bem como a logística reversa, o tratamento biológico do resíduo orgânico – por meio de estabilização, retirada de umidade, compostagem –, além de uma rota tecnológica para a recuperação energética daquilo que não foi tratado por estas outras tecnologias. A cidade de São Paulo, por meio do Planclima [Plano do Clima] prevê essa rota tecnológica, e temos essa visão da melhor segregação na fonte, para que se separe cada vez mais o resíduo seco do orgânico, a fim de que possamos, por meio de tecnologias, dar o tratamento adequado a cada uma dessas frações de resíduos”, prosseguiu o gerente da SP Regula. 

Ainda de acordo com Nieri, a Prefeitura tem buscado intensificar os trabalhos de educação ambiental nas escolas, ampliando os locais para o recebimento de recicláveis e de descarte dos itens, como os ecopontos, além de cobrar dos grandes geradores de resíduos – aqueles que produzem mais de 200 quilos de lixo por dia – que façam a coleta e destinação de seus resíduos. 

Outra frente de ação é a de que a cadeia produtiva realize a logística reversa, ou seja, se responsabilize para que os itens que produz ou comercialize voltem ao seu setor de origem a fim de serem reaproveitados ou descartados corretamente. “Por exemplo, quando alguém precisa de um pneu novo para o carro, aquele usado fica na borracharia ou na loja especializada para que haja o destino correto. Além disso, há uma parceria com o Governo federal para localmente recolhermos eletrônicos, e temos conversado com o setor de embalagens para que entre efetivamente na logística reversa. A meta é sempre evitar que o item vá para um aterro, ou que haja o descarte irregular”, concluiu Nieri. 

CONFIRA O CADERNO ‘LAUDATO SI’ NA ÍNTEGRA

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