Escolas públicas em todo o país não poderão adquirir mais do que 15% destes alimentos com recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação; em 2026, limite será de 10%
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Uma recente mudança nos limites percentuais de alimentos processados e ultraprocessados na merenda escolar deve assegurar uma alimentação mais saudável a 40 milhões de crianças e jovens, matriculados em 150 mil escolas públicas em todo o Brasil.
No dia 11, foi publicada a Resolução 3/2025 do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), estabelecendo que, no mínimo, 80% dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) sejam usados para a compra de alimentos in natura e minimamente processados destinados à merenda escolar. Em 2026, este percentual saltará para 85%. Do total de recursos, 5% serão para a aquisição de ingredientes culinários processados. Na prática, portanto, agora na merenda escolar pode haver apenas 15% de alimentos processados ou ultraprocessados – que têm alto teor de sal, gordura, sódio e corantes – e a partir de 2026 o limite será de 10%. Anteriormente, esse percentual poderia chegar a 20%.
Além disso, o cardápio precisa ser composto de, ao menos, 50 diferentes tipos de alimentos in natura, e do total de aquisições, 30% devem ser provenientes da agricultura familiar. “Nós sabemos dos impactos desses alimentos [processados e ultraprocessados] na alimentação dessas crianças, o problema da obesidade que temos hoje; então, essa medida é um enfrentamento a isso”, declarou Camilo Santana, ministro da Educação, ao anunciar a medida. Conforme dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional 2023, do Ministério da Saúde, a cada sete crianças brasileiras com até 5 anos de idade, uma está com excesso de peso ou obesidade, 14,2% do total, percentual acima da média global, de 5,6%. Entre os adolescentes, o índice nacional está em 33%.
OS GANHOS EM TER MENOS ULTRAPROCESSADOS NO CARDÁPIO
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“Alguns estudantes fazem até cinco refeições diárias no ambiente escolar. Assim, ao se reduzir a exposição dessas crianças – especialmente na primeira infância, até 5 anos – aos ultraprocessados, se protegerá uma geração toda. É uma atitude extremamente necessária”, avaliou, ao O SÃO PAULO, a pediatra e nutróloga Maria Paula Albuquerque, gerente-geral clínica do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren). A especialista apontou, ainda, que a resolução fará com que as crianças e adolescentes tenham contato com mais alimentos in natura e minimamente processados, já que, por exemplo, a retirada do cardápio de um suco industrializado proporcionará que ao longo do ano sejam feitos sucos a partir de diferentes frutas, conforme a disponibilidade e os hábitos locais. “A criança estará mais exposta a outros sabores e haverá a redução do consumo de açúcar, sal e gordura. Isso, por si só, levará ao melhor controle de peso, menos resistência insulínica, menos dislipidemias – aumentos de gorduras no sangue como colesterol, triglicérides – e outras doenças relacionadas ao alto consumo de ultraprocessados”, prosseguiu a nutróloga, recordando, ainda, as vantagens dessa mudança para o meio ambiente, uma vez que a produção de alimentos ultraprocessados resulta na emissão de gases de efeito estufa e, após consumidos, no descarte de embalagens.
DA LEI À VIDA PRÁTICA
Maria Paula Albuquerque observou, porém, que para a efetiva aplicação da Resolução 3/2025 será preciso o empenho dos gestores municipais, assim como da sociedade civil organizada, estando presente em estruturas como os conselhos de alimentação escolar. “Esses conselhos são compostos de famílias, agricultores, professores e gestores, como um espaço democrático de diálogo. Mas não é o suficiente. Eu diria até que é ingênuo pensar que a escolha da qualidade da alimentação está nas mãos da família ou da escola. Deve haver uma política pública que induza essa mudança efetivamente”, ressaltou a gerente-geral clínica do Cren, instituição que na capital paulista é centro de referência para onde são encaminhadas as crianças com desnutrição ou obesidade graves pela Secretaria Municipal de Saúde. “Devemos lembrar que no Brasil há mais de 5,5 mil municípios, de realidades muito diversas. Temos, portanto, de ser realistas e pensar sobre como essa medida vai chegar, aterrizar e ser executada em cada local, quais serão os mecanismos de acompanhamento e monitoramento”, concluiu a nutróloga.
Nas escolas de SP, alimentos in natura e minimamente processados predominam
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Diante da entrada em vigor da nova resolução, a reportagem do O SÃO PAULO questionou as secretarias municipal e estadual de Educação sobre os percentuais dos grupos de alimentos na merenda escolar ofertadas aos estudantes das escolas públicas da capital paulista e do estado de São Paulo.
Em nota, a Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que em 2024 foram adquiridos aproximadamente 9,1% de alimentos processados e ultraprocessados com recursos do PNAE – índice melhor que os 15% estabelecidos com a nova resolução; e que se atingiu o percentual de 53,9% de utilização dos repasses federais na compra de alimentos da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar Rural, superando a meta de 30% prevista na lei federal 11.947/2009.
A SME também destacou que a Rede Municipal de Ensino “trabalha com o Currículo da Educação Alimentar e Nutricional para estimular hábitos alimentares saudáveis nas unidades educacionais. Além disso, o cardápio disponível nas escolas é elaborado por nutricionistas, priorizando a oferta de alimentos in natura e minimamente processados, além da aquisição de itens da agricultura familiar, conforme as diretrizes nutricionais do PNAE”.
Também a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo assegurou que a alimentação escolar fornecida nas escolas estaduais é baseada no consumo de alimentos in natura e minimamente processados: “O cardápio passa por avaliação de nutricionistas e tem uma variação diária – contendo fonte proteica, arroz, feijão ou macarrão, entre outros”. Além disso, desde 2021, em razão da lei estadual 17.340, “alimentos ultraprocessados, como mistura para bolos, tortas, entre outras opções, foram substituídos por alimentos com alto teor nutricional”
ENTENDA AS DIFERENÇAS DOS GRUPOS DE ALIMENTOS
In natura: são obtidos de plantas (sementes, frutas e
folhas), ovos ou proteína animal (carnes), adquiridos
para consumo sem terem sofrido processamento.
Minimamente processados: são os alimentos in natura
que sofreram alterações mínimas na indústria,
como moagem, secagem e pasteurização. Exemplos:
cereais, farinhas, suco de frutas, leite, iogurte, chá,
café e massas fescas.
Processados: são fabricados com a adição de sal,
açúcar, óleo ou vinagre e outros itens que prolongam
sua duração e lhes dão características sensoriais mais
atrativas. Exemplos: frutas em calda, queijos, extratos
ou concentrados de tomate.
Ultraprocessados: apresentam formulação industrial,
com diversos tipos de aditivos químicos. São pobres
nutricionalmente e ricos em calorias, açúcar, gorduras,
sal, com sabor realçado e maior prazo de validade.
Exemplos: nuggets, salsichas, salgadinhos, biscoitos,
sorvetes, macarrão instantâneo, refrigerantes,
bebidas energéticas, maionese, hambúrguer.
Fonte: Ministério da Saúde - Guia Alimentar para a População Brasileira