É o que relata o Diácono seminarista Dêvisson Luan Oliveira Dias, que está em missão nesta Igreja particular que abrange quatro municípios do Acre e quatro do Amazonas

“Como é lindo vivenciar o mistério da missão, que nos faz uma só família, apesar de tamanhas diferenças culturais, históricas, geográficas, linguísticas…”. Há um mês em missão na Diocese de Cruzeiro do Sul, no Regional Noroeste da CNBB, o Diácono seminarista Dêvisson Luan Oliviera Dias, 35, está positivamente impactado com os testemunhos de fé e resiliência da comunidade católica local.
Ordenado diácono em dezembro do ano passado pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, Dêvisson vivenciará, até 2 de setembro nas comunidades do Alto Rio Juruá, na fronteira com o Peru, esta etapa pastoral final antes de receber a ordenação sacerdotal na Arquidiocese de São Paulo.

UMA DIOCESE AMAZÔNICA
A Diocese de Cruzeiro do Sul, cuja sede está no município de mesmo nome, no estado do Acre, abrange oito cidades acreanas e quatro do Amazonas, entre as quais Ipixuna, onde se localiza a Paróquia Nossa Senhora das Dores, em Ipixuna.
“Ela vive os ciclos hidrológicos com muita intensidade já que nove rios são forças vivas no território diocesano: o rio Moa, o Juruá Mirim, o Tejo, o Valparaíso, o Gregório, o Tarauacá, o Muru, o Envira e o rio Juruá. Este último, é o rio que a banha e em suas margens fica situada a Paróquia Nossa Senhora das Dores, no município de Ipixuna, onde estou realizando a missão”, detalhou o Diácono seminarista.
Esta Igreja particular possui 14 paróquias e duas áreas missionárias – quase todas com dezenas de comunidades distantes geograficamente entre si –, atendidas por dois diáconos seminaristas e 32 padres, metade dos quais do clero local, e outros de congregações religiosas, como os Redentoristas, e de Igrejas irmãs, como da Arquidiocese de São José do Rio Preto (SP).

A presença da Igreja nestas terras se iniciou com os padres franceses da Congregação do Espírito Santo (Espiritanos), que realizaram missões junto aos povos indígenas e os seringueiros.
“A população é em sua maioria católica, mas em muitas regiões ribeirinhas, muito distantes, existem apenas igrejas evangélicas. A vida religiosa pauta-se pela força da fé, na devoção e piedade popular”, detalhou.
“As distâncias enfrentadas com dias de barco, horas de lancha ou canoa e no enfretamento de muitos desafios relacionados ao fluxo do rio, tornam muitas regiões isoladas. Isso dificulta a missão e a vida pastoral dos padres; o que os auxilia é a presença dos leigos bem formados e atuantes nas comunidades: ministros leigos da Palavra, Ministros extraordinários da Eucaristia e das Exéquias”, detalhou o Diácono seminarista.

RESILIÊNCIA NA FÉ
O futuro sacerdote destaca intensa vivência devocional do povo, mas aponta que a falta de ministros ordenados faz com que o povo viva majoritariamente da devoção e da piedade popular: “Na cidade onde estou, há o cuidado em formar lideranças para que haja celebrações e momentos de vivência sacramental, um ponto forte, almejado e quisto pela comunidade. Assim, nas comunidades o povo espera pelo padre, que visita os enfermos, celebra, batiza e atende as confissões”.
Na Paróquia em que está, por exemplo, são celebrados, em média, dez batizados de crianças a cada mês e há intensa participação dos jovens: “Eles estão em grupos jovens, de oração, ministérios de música, nas comunidades como servidores do altar ou sendo preparados para ministérios leigos. São fortes colaboradores na comunidade, deixando-a mais dinâmica”.
“O povo viaja longas distâncias para participar de encontros e de formações emnível diocesano, paroquial e comunitário. Eles possuem um compromisso com a missão que é, ao mesmo tempo, comovedor e constrangedor. Não medem esforços, são sedentos de formação e de conhecimento do Evangelho”, detalha.

RELIGIOSIDADE
Com grande parte da população de origem nordestina, a comunidade local herdou a tradição devocional típica daquela região do Brasil: “Eles vivem os ciclos anuais, praticamente em torno da festa do padroeiro e do copadroeiros (a)diocesano, paroquial e das comunidades. A festa de Nossa Senhora da Glória, a padroeira diocesana, por exemplo, tem a partição de mais de 50 mil fiéis, no dia 15 de agosto”.
Na Paróquia Nossa Senhora das Dores, em Ipixuna (AM), por exemplo, é comum que se realize o novenário em preparação à festa do padroeiro: “Muitas pessoas que não participam semanalmente da missa ou vivem a comunidade durante todo o ano, aparecem neste período e fazem as suas devoções pessoais. Existe o costume de vivenciarem o chamado pré-novenário, um mês antes do início do novenário, com as festas chamadas ‘caipira’, com danças típicas (quadrilhas) e as comidas de quermesse, leilões de animais e prendas, entre outras coisas”.
“Um povo de extrema acolhida e de alta sensibilidade humana. São pessoas de muita oração e devoção, possuem um fervor profundo pelas coisas sagradas e um respeito profundo pelos ministros da Igreja”, acrescenta o Diácono seminarista.

“É impressionante a força humana e, consequentemente, a força das comunidades. Contra toda desesperança, é um povo piedoso e caloroso, interessado e disposto a vivenciar as alegrias do Evangelho. Percebo na Paróquia Nossa Senhora das Dores uma vitalidade das comunidades missionárias”.
Dêvisson conta já ter participado de celebrações com os membros da Rede Mundial de Oração do Papa, celebrado batizados, pregado e rezado em encontros para a Legião de Maria na Cúria Rosa Mística, lá composta por seis praesidiuns [nome dos grupos do movimento]. “Também preguei e rezei no Terço dos Jovens, o Terço dos Homens, celebrei em todas as comunidades do meio urbano e maioria do meio rural. Tenho uma palestra marcada no núcleo da Universidade Estadual do Amazonas. Estive em reuniões com a CPP paroquial, na qual marcamos e elaboramos um retiro paroquial. Visitarei a rádio do município e devo participar de alguns programas falando do Ano Santo da Esperança”, detalhou.
Ele ressalta que as pastorais existentes são muito ativas: “A catequese, por exemplo, é muito dinâmica e tem uma estrita ligação com a Infância e Adolescência Missionária”.

ASPECTOS A SEREM APRIMORADOS
Na avaliação do Diácono seminarista, um dos aspectos a serem aprimorados na Diocese de Cruzeiro do Sul é a formação de novos ministros da Palavra, extraordinários da Sagrada Comunhão e das Exéquias.
“O tempo dos sacerdotes é escasso e participar dos encontros diocesanos. Em determinadas épocas do ano é inviável, devido à locomoção. Na primeira formação que participei, uma senhora, animadora de comunidade, de 65 anos disse que era a primeira vez na vida que ela participava de uma formação! Algo que me emocionou muito”.
Para viabilizar formações, a Paróquia foi setorizada: no meio urbano, as formações são semanais “e seguindo o Rio Juruá, vamos ao seu afluente o Rio Liberdade (cinco horas e meia de transporte fluvial, neste período em que o rio não está muito vazio), e na comunidade Santa Catarina, reunimos para a formação. As comunidades Nossa Senhora de Guadalupe, São Vicente, São José, se reúnem para um final de semana intenso de formação. Existem comunidades que navegam por cerca de quatro horas de canoa no rio da liberdade, cheio de troncos de arvores gigantescas (uma senhora recém-operada fez este percurso para a última formação, algo que me tocou profundamente)”.

“No Pernambuco (duas horas de barco), na comunidade São José (Pernambuco), reunimos as comunidades Nossa Senhora Aparecida (Comunidade Poeira) e Santa Luzia (Comunidade Bom Lugar), onde realizamos as formações ao final de semana”.
O Diácono seminarista também avalia ser necessário desenvolver melhor na paróquia as pastorais sociais, dadas a situações que são vivenciadas diariamente. “Pela cidade, existem muitos indígenas nas ruas, em situação de alcoolismo ou mesmo sem possibilidade de retornarem para suas aldeias além de sofrerem diversas situações de exclusão. Talvez uma Pastoral da Educação, em colaboração com colégios e a própria Universidade Estadual do Amazonas, seria muito importante, pois muitos jovens e adolescentes, sobretudo os que estão afastados da comunidade religiosa, são imersos em um mundo desesperançoso e sem perspectivas”.
APRENDIZADOS PARA TODA A VIDA DE PADRE
O Diácono seminarista Dêvisson ressalta a proximidade que há entre o clero local. “Sem dúvidas, isso é fundamental, algo que já aponta o Papa Leão XIV e que a formação inicial sempre nos pediu: ‘Viver uma fraternidade efetiva e afetiva entre nós’. O clero daqui é pequeno, muitos se veem duas, três vezes por ano no máximo, mas eles são fraternos e muito próximos por meio de vínculos de contato via celular ou estando próximo do padre da paróquia vizinha, feitos com cuidado fraterno. Há, portanto, uma diferença entre estar distante e fazer-se distante. São realidades diametralmente opostas. Claro, falando de distâncias, antes e em primeiro lugar estar próximo de Deus, do Bispo, entre os irmãos presbíteros e do povo”.

Da experiência de missão vivenciada até agora, Dêvisson assegura que levará para si o valor das coisas simples, “certamente é o lugar da manifestação de Deus. Faço uma releitura das minhas raízes e me aproximo do primeiro amor que me chamou. Guardo também a dinâmica da fé, de que é possível sempre ir mais adiante, enfrentando nossos medos e os novos desafios. Ir com medo, mas sobretudo com fé. Não somos fim na missão, apenas ajudamos a acordar as sementes já semeadas por tantos missionários e por Deus mesmo, na força de sua Palavra que já mora em nós”.
O futuro padre diz que deseja ser sinal do Cristo Servo, fazer-se próximo do povo e com ele aprender e ser evangelizado, “sobretudo pelo testemunho de amor e de doação que eles oferecem a Deus e aos irmãos. Eu sou apenas um mensageiro, em primeiro lugar um anunciador, não de mim mesmo ou dos meus ideais, mas com a Igreja e em nome da Igreja, pois é esta a missão da comunidade eclesial: propaga a Boa nova do Evangelho, esta era exatamente a missão de Jesus, que nós levamos adiante”.
“Encarregado a anunciar e a propor o encontro com o Senhor, como futuro presbítero, quero ajudar a formação dos cristãos, a sentirem amados e instigar neles o desejo de serem discípulos que amam e vivem com o mestre Jesus”, conclui.
(Colaborou: Fernando Arthur)