Na luta pelo pão de cada dia

Pessoas que trabalham por conta própria tendo um CNPJ ou que realizam atividades informais representam 16% do total da população brasileira, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mulher vende máscaras em ponto de ônibus (Luciney Martins/O SÃO PAULO)

São ao menos 38 milhões de brasileiros – cerca de 41% das pessoas com alguma ocupação profissional no País – que dependem apenas dos próprios esforços para obter renda e que tendem a ser os mais prejudicados financeiramente diante da atual pandemia do novo coronavírus e as restrições de mobilidade e de atividades comerciais e de prestação de serviço.

A lista de ocupações é extensa e entre estas estão as diaristas, que representam 45% do total de empregadas domésticas no País, segundo informações da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad).

Rosa, 57, é uma delas. Antes do começo da pandemia, ela conta que tinha serviços por fazer todos os dias, às vezes até aos domingos. “Caiu em 80% a quantidade de diárias. Estou tentando me virar, já entrei com o pedido pra receber o auxílio emergencial do governo, mas ainda está em análise. Andei conversando com algumas colegas, e elas falaram que está difícil mesmo conseguir algo”, contou a diarista ao O SÃO PAULO.

Rosa, que prefere não ter seu sobrenome identificado, é diabética e usa medicamentos para combater um desgaste ósseo. “Não sei o que vou fazer para comprar meu remédio este mês. Custa R$ 200,00. Estou até diminuindo a dose para controlar e conseguir tomar pelo menos um pouquinho por dia”, confidenciou.

Dispensa por patroas de longa data

Há quatro anos, Rosa está cadastrada em um aplicativo que oferece os serviços de diaristas e tem percebido a diminuição na quantidade de chamadas.

“Essa semana, eu fiz duas diárias. Na semana passada, foram três. No aplicativo, o maior valor que pagam é R$ 120,00. Recentemente, fiz uma no valor de R$ 60,00 e outra de R$ 80,00. Em casa, somos em quatro pessoas. Minha renda caiu muito. Antes dessa pandemia, eu chegava a tirar entre R$ 500,00 e R$ 600,00 por semana”, detalhou.

Diaristas estão com oportunidades reduzidas de trabalho

A perda de renda tem sido uma realidade vivida por outras pessoas em São Paulo. No dia 5, foi divulgada uma pesquisa feita pelo Ibope Inteligência, a pedido da Rede Nossa São Paulo, indicando que 64% dos moradores da cidade já perderam renda desde o início da pandemia.

Esse cenário trouxe outro impacto para Rosa: a perda de clientes fixas. “Trabalhava para uma senhora de 75 anos, ela já cancelou meus serviços. Uma outra idosa fez a mesma coisa e também uma mulher para quem eu trabalhava como diarista há 20 anos. Essas particulares foram as primeiras a cancelar”, lamentou.

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, divulgada em abril, indicou que desde o início da pandemia, 39% dos que contratavam diaristas dispensaram seus serviços e deixaram de fazer o pagamento das diárias.

À procura de alternativas

Com a redução na entrada de receitas, muitos trabalhadores informais tentam complementar renda oferecendo outros serviços na informalidade, como a venda de bolos, salgados e máscaras ou a revenda de roupas e perfumes, por exemplo. Partir para esses novos negócios, porém, requer cautela e o mínimo de planejamento, conforme observa Fábio Gerlach, gerente regional em São Paulo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

“É preciso fazer o simples primeiro, aquilo que se domina, para depois pensar em coisas mais elaboradas, que podem render mais, porém, demandarão um investimento maior. Ao fazer algo mais elaborado, assume-se um risco maior e talvez a pessoa não tenha fôlego financeiro para manter isso”, alertou. “É preciso pensar, também, nos canais de escoamento: o primeiro é a entrega, mas ao pensar na entrega pontual há as limitações dos riscos que a própria pandemia coloca; e existe a oportunidade de fazer parceria com algum estabelecimento que continua aberto”, complementou Gerlach.

O gerente do Sebrae-SP lembra que desde o começo da pandemia, aproximadamente 5% dos estabelecimentos de Micro Empreeendedores Individuais (MEIs), micro empresas e empresas de pequeno porte encerram atividades, quase 60% interromperam o funcionamento temporariamente, 30% mudaram a forma de fazer negócio e 5% permaneceram como antes.

“Todo mundo foi impactado de alguma forma. Quem está no mercado tem buscado alcançar novos clientes, o que não é fácil agora. Nem sempre eles estão nas ruas, disponíveis, e nisso tem crescido as operações on-line. Muitos também estão tentando sobreviver equacionando seus custos operacionais”, afirmou Gerlach, alertando para as dificuldades de se obter crédito neste momento: “Muitos não estão conseguindo, seja por restrições, seja pelas filas. As instituições financeiras não têm conseguido dar vazão a tudo que está acontecendo e o crédito não chega a quem têm buscado”.

Quando as vendas e os serviços param

Após anos trabalhando no ramo de confeitaria, Angela Ferreira, 51, moradora da cidade de Santo André (SP), passou a revender roupas. O negócio evoluiu bem até dezembro do ano passado, com a conquista de novos clientes e investimentos para aquisição de estoques. Em janeiro deste ano, porém, a retração nas vendas começou e só tem se intensificado.

Angela Ferreira não tem conseguido vender peças de roupa

“As pessoas tem medo de vim ver as roupas, eu não consigo comprar novas, o preço das confecções para a entrega em casa aumentou muito e eu não posso sair para comprar e renovar o estoque. As pessoas não estão pensando em roupas. Elas estão preocupadas em conseguir comida”, afirmou.

Angela diz que tem tentado se adaptar à realidade de vendas pela internet – algo que ela não fazia antes – e que está usando as reservas financeiras do negócio para manter os gastos domésticos. “O que eu tinha para adquirir roupas, eu acabei usando para comprar coisas para colocar dentro de casa. Era uma reserva que hoje não tenho mais. Mudamos até de plano de saúde. Fomos para um em que pagamos metade do valor de antes”, detalhou.

“Estou tentando vender, colocando imagens no Facebook, no Instagram, ligo para as amigas, mando fotos dos produtos, insisto, mas está difícil. Não acho que a situação se normalize antes de dezembro”, opinou.

Quem também está pouco otimista é José Edvaldo dos Santos, 70, que trabalha como instalador de gesso residencial. “Depois dessa crise, acho que todo mundo vai ficar receoso com quem entra em casa, a situação tende a complicar. As pessoas estão se reservando. Eu parei alguns serviços pela metade. Há 20 dias, deixei de trabalhar para não me expor tanto aos riscos da doença”, afirmou à reportagem o aposentado morador da Brasilândia, um dos distritos que lidera o número de mortos por COVID-19 na cidade de São Paulo.

Segundo Fábio Gerlach, os negócios relacionados a alimentação e os profissionais que já realizavam comércio on-line estão conseguindo resistir melhor a este momento de instabilidade da economia, assim como aqueles que têm oferecido produtos como máscaras e demais itens de proteção individual.

Por outro lado, quem atua com serviços a pessoas ou depende de público está sentido os maiores impactos. “Os bares noturnos, por exemplo, foram muito impactados, porque geralmente não têm uma operação para fazer entrega delivery; também aqueles que fazem serviços pessoais, de atendimento direto foram afetados, como os dentistas e cabelereiros, devido ao fechamento de seus estabelecimentos”, detalhou.

Versatilidade e retoques

Desde o começo da pandemia, a manicure e cabeleira Thalita Cruzeiro, 30, percebeu uma redução de 30% em sua renda. Em razão da obrigatoriedade do fechamento dos comércios em São Paulo, seu salão de beleza está de portas fechadas, mas ela segue atendendo as clientes, muitas delas idosas, com hora marcada, em intervalos mais espaçados para poder higienizar o ambiente e os materiais de trabalho. “Eu tenho avisado sobre essas mudanças para as clientes para que se sintam mais seguras. Todas têm vindo de máscara para que elas e eu estejamos protegidas”, detalhou.

Após a pandemia, Thalita iniciou atendimentos também a domicílio

Thalita também passou a atender em domicílio. “Eu não fazia isso antes da quarentena. Sigo atendendo até de domingo e segunda-feira, nos dias que as clientes querem”.

Há um ano, a manicure concluiu um curso de micropigmentadora de sobrancelha, um procedimento estético mais rentável que os outros que ela trabalha. “Ter feito esse curso no ano passado está fazendo toda a diferença agora, além de outro curso sobre alongamento de gel de unha. Estou conseguindo uma renda a mais graças a isso”.

Mãe solteira, Thalita recebe o auxílio emergencial do Governo Federal no valor de R$ 1.200,00 e a renda familiar é completada pela aposentadoria de sua mãe. Receosa sobre o futuro, a manicure tem preferido saldar todas as suas contas e adiou investimentos que faria no próprio negócio.

“Este ano, pretendia trocar os móveis do salão, mas não vai ser possível. Tenho medo do pós-pandemia, pois muitas clientes estão perdendo o emprego e as que ainda estão empregadas estão com medo de ser dispensadas. Isso vai impactar no meu trabalho, pois não é um serviço essencial para as pessoas. Tenho clientes de muitos anos, mas se elas não tiverem dinheiro, sei que não virão mais”, analisou.

PRECIOSAS DICAS

Para iniciar um novo empreendimento agora:

* Transmita aos clientes a certeza que seu processo de produção é feito com higiene e que há todo o cuidado para que o produto esteja livre do novo coronavírus.

* Tenha bem definido para quem você vai ofertar este produto (público alvo) e pense em qual pode ser seu diferencial.

* Dialogue com quem já está neste negócio ou que tenha expertise para auxiliá-lo, como o Sebrae

Para quem enfrenta dificuldades para se manter:

* Converse outros empreendedores, mesmo que sejam de outro segmento.

* Se for um empreendedor formal, converse com a sua associação de classe ou o Sebrae para a procura de alternativas.

* Analise os recursos que precisará para se manter neste período de incertezas.

* Renegocie contratos e faça acordos com credores.

(A partir da entrevista com Fábio Gerlach, gerente regional em Sebrae-SP).

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