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No Brasil, menos de 60% das crianças são alfabetizadas na idade certa

Dado é do segundo semestre de 2024. Legislação nacional recém-sancionada busca melhorar esta realidade

Secretaria de Ensino de Piracicaba

Escrever o próprio nome e ler as pri­meiras palavras é, sem dúvida, um dos momentos mais significativos no proces­so de desenvolvimento de uma criança. Por sua importância, o Brasil celebra em 14 de novembro o Dia Nacional da Alfa­betização, data instituída em 1966 para evidenciar o valor da aprendizagem, da leitura e da escrita.

A idade recomendável para uma criança ser alfabetizada é a partir dos 6 anos, devendo o processo ser concluído até os 8 anos, ou até o 2º ano do ensino fundamental.

Mesmo com os avanços registrados nos últimos anos, a taxa de analfabetis­mo entre a população com 15 anos ou mais chegou a 5,3% em 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Es­tatística (IBGE). Esse é o menor índi­ce desde o início da série histórica, em 2016, quando a taxa era de 6,7%. Em 2023, o percentual havia caído para 5,4%.

CENÁRIO NACIONAL

De acordo com o Ministério da Edu­cação (MEC), o Brasil registrou, em 2024, 59,2% de crianças alfabetizadas até o fim do 2º ano do ensino fundamental na rede pública.

O número foi inferior à meta alme­jada pelo Governo Federal, que, a partir do Compromisso Nacional Criança Al­fabetizada, pretendia alcançar 60% dos estudantes alfabetizados nessa etapa de ensino.

O resultado foi obtido a partir das avaliações aplicadas pelos estados entre 2023 e 2024, com a participação de 2 milhões de alunos, em 42 mil escolas de 5.450 municípios.

Somente 11 estados atingiram a meta. O melhor foi o Ceará (85,3%), se­guido de Goiás (72,7%), Minas Gerais (72,1%), Espírito Santo (71,7%) e Paraná (70,4%). Já oito estados registraram índi­ces inferiores a 50%: Amazonas (49,2%), Alagoas (48,6%), Pará (48,2%), Amapá (46,6%), Rio Grande do Sul (44,7%), Rio Grande do Norte (39,3%), Sergipe (38,4%) e Bahia (36%).

ALFABETIZAR NA IDADE CORRETA

Com o objetivo de reduzir ainda mais o analfabetismo, o Governo Fede­ral sancionou, em 3 de novembro, a Lei nº 15.247/2025, que instituiu o Compro­misso Nacional Criança Alfabetizada.

A iniciativa, firmada em 2023 por meio do Decreto nº 11.556, agora trans­formada em lei, propõe a articulação entre União, estados e municípios para garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até o final do 2º ano do en­sino fundamental.

Caberá à União coordenar as ações do programa, oferecendo assistência técnica e financeira adequada aos entes federa­tivos. O compromisso tem como pilares os processos de ensino-aprendizagem, as necessidades das escolas e uma política estratégica de formação para professores, técnicos e gestores educacionais.

Entre os objetivos centrais da lei estão:

Implementar políticas e programas que assegurem a alfabetização de to­das as crianças brasileiras até o térmi­no do 2º ano do ensino fundamental;

Promover ações de recomposição das aprendizagens, com foco na leitura e na escrita, ampliando e aprofundan­do as competências linguísticas das crianças matriculadas na rede pública, especialmente aquelas que ainda não atingiram os níveis adequados de al­fabetização.

AVANÇOS

Cláudia Costin, presidente do Insti­tuto Equidade.info, plataforma especia­lizada em produzir dados sobre a Edu­cação Básica no Brasil, recordou que em 2016, quando a meta era alfabetizar até o 3º ano do ensino fundamental, 55% das crianças ainda não sabiam ler nem escre­ver adequadamente.

A especialista enfatizou que os novos dados demonstram um avanço signifi­cativo, sobretudo considerando que, em 2024, as enchentes no Rio Grande do Sul reduziram pela metade o número de alu­nos alfabetizados no estado.

Contudo, Cláudia alertou que o Bra­sil se vale de um método de alfabetiza­ção já em desuso no restante do mundo, baseado na ideia de que ler é algo na­tural ao cérebro humano. Ela explicou que, diferentemente da fala, a leitura não é inata e exige o domínio do código letrado.

A especialista destacou o município de Sobral (CE) como exemplo bem-su­cedido de alfabetização, onde o processo começa ainda na pré-escola, de forma lúdica, com atividades de consciência fo­nológica, a partir do ensino do nome e do som das letras.

PONTOS DE ATENÇÃO

Cláudia frisou a importância da for­mação dos professores alfabetizadores, lembrando que, atualmente, sete em cada dez docentes cursam a graduação totalmente a distância.

Para ela, é preciso retomar modelos formativos que unam teoria e prática, como os antigos cursos de magistério, e investir mais em formação continuada e mentoria entre professores.

“Quando o Brasil formava alfabeti­zadores no ensino médio profissionali­zante, no antigo magistério, havia muito mais diálogo entre teoria e prática. O professor era formado como um médico: observando procedimentos e assumindo aos poucos a sala de aula. Alfabetizar de­manda experiência”, enfatizou.

DINAMISMO E SENSIBILIDADE

Na avaliação da pedagoga Glaucia de Gouveia Teixeira, especialista em alfabe­tização e psicopedagogia, o sucesso na alfabetização depende de um conjunto de estratégias que envolvem a escola, a família e o ambiente ao redor da criança. Entre as metodologias que ela utiliza em seu trabalho, está o agrupamento produ­tivo, em que crianças de níveis próximos de leitura e escrita trabalham em pares.

Outro ponto essencial, segundo Glaucia, é o ambiente alfabetizador. Em sala de aula, ela busca manter um espa­ço com alfabeto, silabário, varal e canti­nho de leitura, além de fantoches e livros acessíveis. E o envolvimento da família é essencial: “Quando a família propor­ciona um ambiente letrado, valorizan­do um espaço leitor também em casa, estudar deixa de ser um sofrimento e passa a ser um momento de exploração e descobertas”.

Para Glaucia, o processo de alfabeti­zação desenvolve não apenas o domínio da escrita, mas também habilidades so­cioemocionais como empatia, coopera­ção e responsabilidade. “O Dia Nacional da Alfabetização nos lembra de que, ape­sar de ser uma tarefa árdua, alfabetizar é uma fase extraordinária na vida de uma criança. É lindo poder acompanhar o quanto o domínio da leitura e da escri­ta impulsiona a autonomia de cada uma delas”, concluiu.

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