No Brasil, mais de 5,2 mil crianças e adolescentes aguardam por uma família, ainda que existam cerca de 34 mil pessoas que desejam adotar, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Celebrado em 25 de maio, o Dia Nacional da Adoção busca sensibilizar a sociedade sobre o direito das crianças e adolescentes à convivência familiar. Para entender os trâmites e a dinâmica de todo o processo de adoção, o jornal O SÃO PAULO conversou com o advogado José Paulo Militão de Araujo.

Entre 1996 e 2014, o advogado autônomo – que também é mediador judicial e extrajudicial – atuou em procedimentos de adoção nacional e internacional de crianças e adolescentes brasileiros, representando a agência italiana Fondazione AVSI, registrada junto ao Ministério da Justiça do Brasil, Polícia Federal e Tribunais de Justiça nos estados nos quais a agência atuava. Ele também é pai adotivo.
POR ONDE COMEÇAR?
Seja para aqueles que já se decidiram pela adoção, seja para os que estão amadurecendo a ideia, a primeira ação é – no caso dos que vivem em São Paulo – acessar a página específica do Tribunal de Justiça de São Paulo, na qual há todo o passo a passo, requisitos mínimos, documentos necessários, relação de grupos de apoio para a adoção e o link de acesso ao endereço da Vara de Infância e da Juventude do município ou região onde a pessoa reside e para a qual deve se dirigir para fazer os devidos trâmites.
Depois, é fundamental realizar o cadastro no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), etapa que visa a assegurar uma abordagem organizada e eficiente para conectar pais e mães adotivos e crianças e adolescentes que esperam por um lar.
QUAIS DOCUMENTOS SÃO EXIGIDOS?
Inicialmente, os documentos de identificação pessoal (RG, CPF, certidão de nascimento ou de casamento), comprovante de residência e demonstrativo de rendimentos. “Aqui não significa que se restrinja a adoção pelo critério de renda familiar. O que se busca é assegurar que não se retirará a criança de uma situação de risco para colocá-la em uma família que não tenha renda para mantê-la”, explicou Militão de Araujo. Também é solicitado um atestado de sanidade física e mental e a certidão de antecedentes criminais. “Todos estes trâmites são pensados para resguardar a criança”, detalhou.
POR QUE O NÚMERO DE PESSOAS APTAS A ADOTAR É BEM MAIOR DO QUE O DE CRIANÇAS?
“A conta não fecha porque há mais crianças disponíveis com uma faixa etária maior, porém, a maioria dos que pretendem adotar preferem as de até 3 meses, de 3 meses a 1 ano, que são a minoria à espera de adoção”, explicou o advogado. “Das mais de 34 mil pessoas aptas a adotar, a maior parte quer uma criança branca, de até 3 meses de vida e menina, mas a disponibilidade é exatamente o contrário: crianças maiores de 3 anos, negras e a maioria é de meninos”, complementou.

E COMO SE DÁ O ANDAMENTO DA FILA DE ADOÇÃO?
A pessoa ou casal habilitado pela Vara da Infância e Juventude é inserido no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). O sistema faz a procura da criança ou adolescente por meio do perfil indicado no momento da habilitação, conforme a ordem de cadastro, até que se encontre um pretendente de acordo com o perfil da criança. “Além da questão da idade, há casais que colocam restrições a crianças geradas em decorrência de estupro, que tenham pais biológicos drogaditos, que tenham algum tipo de doença pré-existente. Muitas vezes, se faz o contato com um casal explicando, por exemplo, que das condicionantes listadas, uma criança tem 70% do perfil desejado. Nesse caso, é comum perguntar se o casal desejaria pensar na possibilidade de ampliar a sua disponibilidade, mas não há a obrigação de fazê-lo”, detalhou Militão de Araujo.
O QUE É AVALIADO ATÉ QUE SE EFETIVE A ADOÇÃO?
Depois de entregue toda a documentação necessária, feitas as primeiras entrevistas e o curso preparatório, acontece a etapa da avaliação psicossocial. “É algo importante porque, muitas vezes, a motivação inicial da pessoa é mais emocional, e essa avaliação é para tentar entender se o casal ou a pessoa tem disponibilidade e uma efetiva abertura para adotar. O tribunal não está buscando uma criança para aquela família, mas sim uma família para as crianças que estão disponíveis. Muitas vezes, a pessoa ou o casal precisa de um período a mais para fazer com que a adoção não seja apenas um desejo, mas uma realidade. Nesse percurso, a pessoa precisa de grande paciência e tem de se perguntar: ‘Por qual motivo eu parti para esse caminho da adoção?’ E é somente com o tempo que o casal ou a pessoa amadurece e passa do ‘filho ideal’ ao ‘filho real’”, ressaltou o advogado.
QUAL TIPO DE SUPORTE AS FAMÍLIAS ENCONTRAM NESTE PERCURSO?
Segundo Militão de Araujo, não há muitos grupos de apoio que acompanhem as pessoas e casais que ingressam em um processo de adoção, e são poucas as famílias que já adotaram e que estejam disponíveis para conversar com quem ainda está na fila. “Também o tribunal não faz este network. Seria um bom auxílio aos casais que estão na fila da adoção poder conversar e se encontrar com outras famílias que já fizeram o percurso e que acabaram mudando um pouco a sua disponibilidade, porque foram amadurecendo a ideia. Geralmente, a pessoa ou casal que quer adotar fica como que um número, a criança também, e vive esta espera de forma angustiante, sozinho, muitas vezes até escondido, porque tem vergonha de falar que está fazendo o processo de adoção. Nós ainda temos um percurso muito grande a ser feito aqui no Brasil com o tema da adoção”, disse o advogado.
EXPERIÊNCIA PESSOAL José Paulo Militão de Araujo e a esposa, Carla Andréa Soares de Araujo – socióloga, Doutora em Educação e professora universitária -, decidiram-se pela adoção após um processo de discernimento que envolveu também a escuta aos dois filhos biológicos. Após todos os trâmites do processo, Maria Vitória ingressou em definitivo na família em outubro de 2011, próxima de completar 8 anos de idade. Nascida no interior do estado do Espírito Santo, ela chegava com o histórico de ser deixada pela mãe biológica e de convivências que não deram certo em outras famílias, e com as consequentes idas e vindas a abrigos. “Nós aceitamos a Maria Vitória desde a primeira vez, e rezamos a Deus para que se ela tivesse de ser nossa filha, o Senhor a encaminhasse. Para nós que somos católicos, rezar é um percurso importante, ou seja, a adoção não é só uma decisão moral ou ética”, concluiu Militão de Araujo. Maria Vitória hoje está com 21 anos de idade. |