‘O seu plano está cancelado’: operadoras de saúde rompem contratos e prejudicam clientes

Operadoras de saúde têm feito o cancelamento de contratos coletivos por adesão, em alguns casos de clientes em tratamento permanente ou com doenças raras

Agências Brasil e Pará

Nas últimas semanas, seja nas redes sociais, seja nos portais de avaliação de serviços, têm sido cada vez mais comum encontrar relatos como estes: “Recebi um comunicado via e-mail informando que meu plano seria cancelado, dando apenas 30 dias de tempo hábil para encontrar e aderir a um novo plano de saúde”; “Ao fazer login no site, sou recebido com a mensagem curta e grossa de que meu plano está cancelado. Isso sem nenhuma informação ou explicação adicional”.

Entre abril e maio deste ano, o Procon de São Paulo constatou aumento de 85% nas reclamações de consumidores em relação a cancelamentos unilaterais por parte das operadoras de saúde dos contratos de planos coletivos por adesão, na maioria dos casos envolvendo idosos, pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou clientes com doenças raras.

PRÁTICA ILEGAL?

No Brasil, existem basicamente dois tipos de contratos de planos de saúde: o modelo individual ou familiar, em que o contratante é a própria pessoa e o cancelamento unilateral é proibido por lei, exceto se houver falta de pagamento ou fraude; e os planos coletivos – firmados pelas empresas com as operadoras ou estabelecidos entre estas e as associações de profissionais ou sindicatos – nos quais o cancelamento unilateral é permitido após 12 meses da contratação.

“O plano de saúde somente poderá romper unilateralmente a prestação do serviço em se tratando de contratos coletivos; mas, ainda assim, deve ocorrer notificação prévia de 60 dias. Importante destacar que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), esse cancelamento unilateral somente poderá ocorrer se o beneficiário não estiver internado ou em tratamento, hipótese em que o contrato deve ser mantido, desde que o beneficiário esteja em dia com as mensalidades”, explicou, ao O SÃO PAULO, Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito do Consumidor e Saúde, graduado em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).

Nos comunicados sobre os cancelamentos, algumas operadoras alegam que tais contratos têm gerado prejuízos acumulados. De acordo com Ferri, porém, não é plausível juridicamente justificar o rompimento de contrato com base neste argumento.

“A atividade exercida pelas operadoras de saúde envolve o direito de acesso à saúde, previsto na Constituição federal. Portanto, a integridade física dos beneficiários deve prevalecer sobre o equilíbrio econômico de determinado contrato”, comentou o advogado, recomendando que o consumidor que se depare com um cancelamento ilegal busque o Poder Judiciário para pleitear a manutenção do contrato e eventual indenização por danos morais.

‘TENTARAM ME RASGAR, ME RESCINDIR’

A família de Rita Ephrem precisou acionar a Justiça para obter uma liminar que garantisse a continuidade do tratamento da jovem, cliente da Amil Assistência Médica Internacional S.A., e que está internada em um hospital de São Paulo.

Ritinha, como é mais conhecida nas redes sociais (@juntoscomaritinha), tem uma síndrome ultrarrara que afeta seu sistema imunológico e a deixa vulnerável a infecções gravíssimas.

“Tentaram me rasgar, me rescindir, me cortar em pedaços, assim como fazem com uma folha de papel. Tentaram me descartar, me jogar como um papel que se joga no lixo”, postou a jovem em suas redes sociais. “Mas nós vencemos! Meu plano não será cancelado”, disse.

EM BUSCA DE MAIOR SEGURANÇA AOS CLIENTES

Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei que prevê mudanças na Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98), entre as quais a proibição de que haja rescisão unilateral dos contratos de planos coletivos, já está pronto para ser votado no plenário, mas a entrada na pauta de votação depende do presidente da casa, o deputado Arthur Lira.

Em 28 de maio, o parlamentar se reuniu com representantes das maiores operadoras de planos de saúde do País, e elas se comprometeram a suspender os cancelamentos praticados até então nos planos coletivos por adesão. Também já se discute na Câmara a criação de uma CPI para investigar as práticas do setor de saúde suplementar.

Ao menos duas audiências públicas foram realizadas recentemente acerca do tema: uma em 15 de maio, na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara; outra no último dia 4, na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Em ambas, representantes de entidades e organismos de defesa do consumidor, bem como de associações de usuários, defenderam que haja uma regulação mais protetiva aos clientes dos planos coletivos de saúde assim como já existe para os de planos individuais e familiares.

Já Marcos Novais, da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), argumentou nas duas audiências que as operadoras têm feito o cancelamento dos planos coletivos por adesão para assegurar a manutenção de seus serviços, já que o aumento das despesas tem sido maior do que é arrecadado com o total das mensalidades.

‘O CANCELAMENTO E O DESCREDENCIAMENTO ANDAM JUNTOS’

Letícia Fantinatti de Mello tem participado das audiências públicas. Em 2021, a cliente da Amil precisou de atendimento médico em razão dos baixos níveis de potássio em seu organismo, mas não foi atendida nos hospitais que procurou, uma vez que fora descredenciada, sem aviso, pela operadora em seu plano na modalidade individual.

Ela e outras pessoas que passaram por situações similares à época fundaram a Associação Vítimas a Mil e obtiveram liminares na Justiça para a manutenção dos contratos. Entretanto, Letícia diz que ainda assim tem encontrado resistências para ser atendida e menos opções, já que a operadora descredenciou alguns locais de atendimento.

“Não basta que se olhe para a questão do cancelamento do plano. O cancelamento e o descredenciamento andam juntos. Hoje, a Justiça tem dado parecer favorável para que os clientes voltem ao plano de adesão, mas as operadoras estão descredenciando o atendimento. Onde estas pessoas irão se tratar? Vão enfrentar a mesma situação que eu”, disse.

Letícia destaca, ainda, que nos comunicados de cancelamento as operadoras não têm dado todas as informações referentes à portabilidade, uma garantia para que o cliente troque de plano sem ter de cumprir algumas exigências, como o período de carência de procedimentos.

O QUE DIZ A AMIL?

Em seu site, a Amil Assistência Médica Internacional S.A explica que a decisão de cancelar alguns planos coletivos por adesão deve-se ao fato “de que tais contratos, negociados por administradoras de benefícios diretamente com entidades de classe, com intermediação de corretoras, apresentam há vários anos situação de desequilíbrio extremo entre receita e despesa, a ponto de não vermos a possibilidade de reajuste exequível para corrigir esse grave problema”.

A operadora assegura, porém, que beneficiários que estejam internados ou tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física “continuarão recebendo cobertura da Amil para os cuidados assistenciais prescritos até a efetiva alta, conforme os critérios e normativas estabelecidos”.

COMO PROCEDER SE O SEU PLANO DE SAÚDE POR ADESÃO FOR CANCELADO:

  • Certifique-se de que você tem uma comunicação acerca do cancelamento (carta, e-mail ou mensagem de WhatsApp);
  • Reúna documentos, relatórios e prescrições médicas;
  • Busque um advogado especializado ou a Defensoria Pública para ingressar na Justiça com um pedido de liminar para a continuidade do contrato;
  • Em posse da liminar – uma decisão antecipada e provisória que o juiz da causa profere com urgência – o paciente pode voltar a ter acesso imediato aos serviços de saúde que lhes foram negados pela operadora;
  • É possível abrir no site da ANS (www.gov.br/ans) uma Notificação de Intermediação Preliminar (NIP) para tentar sanar o problema.
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