Em 24 de maio, a Encíclica Laudato si’ completou cinco anos. A data ficou um pouco ofuscada pelo centenário do nascimento de São João Paulo II (18 de maio) e pela COVID-19 – ainda que a encíclica seja um dos documentos mais interessantes para se rever à luz da atual pandemia. Transcorrido esse tempo, quais lições ficam para o mundo e, particularmente, para nós, brasileiros?
O texto de Francisco não deixa dúvida de seu alinhamento com a polêmica sobre as alterações climáticas: defende a necessidade de mudanças profundas em nossa relação com a natureza e a sociedade para enfrentar o aquecimento global. Toma tal posição seguindo as indicações da comunidade científica internacional (Capítulo I), fazendo a espiritualidade cristã dialogar com a racionalidade científica.
Muitos criticaram – e ainda criticam – essa posição do Papa, alegando que existe um alarmismo em relação aos perigos do aquecimento global e do impacto humano sobre o meio ambiente.
Se olhamos, contudo, para o quadro mundial diante da COVID-19, percebemos o quanto vivíamos numa falsa sensação de segurança e poder diante da natureza. Sabíamos que tsunâmis, terremotos e enchentes podiam causar grandes estragos em pouco tempo, que as doenças infectocontagiosas matavam milhares anualmente. Acreditávamos, porém, que essas eram apenas tragédias localizadas, que acabariam superadas pelo progresso.
Com a COVID-19, aprendemos que não é bem assim… As reações ao coronavírus vão desde o alarmismo até o negacionismo; no entanto, para quase todos está claro que a pandemia é uma grande ameaça global, que não pode ser subestimada ou minimizada. De modo similar, as ameaças climáticas também são reais e os alertas da comunidade científica precisam ser considerados, para evitar desgraças maiores, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista econômico.
A crise sanitária e econômica está nos mostrando, por outro lado, a necessidade de uma nova postura por parte das pessoas, dos grupos econômicos e dos governos. A solidariedade mostra-se cada vez mais como necessidade e não como filantropia. Precisamos agir em colaboração se quisermos superar essa situação o mais depressa possível.
A quarentena e a insegurança, que afetam em maior ou menor escala a todos, obrigam-nos a repensar a nossa postura humana. A “tristeza individualista” (Evangelii gaudium, 2) do mundo atual mostra todo o seu mal. Nessa época, a falta de uma vida espiritual sadia (Capítulo VI) corrói ainda mais os ânimos e os relacionamentos.
Em tudo isso, no entanto, teremos aprendido a ficar do lado dos mais pobres, dos que mais sofrem e da própria natureza? Afinal, essa é a mensagem que Francisco sublinha em sua encíclica: quem se sente amado por Deus tende a amar aquilo que Deus ama – e Ele ama (ainda que de formas diferentes) a todas as suas criaturas, particularmente os seres humanos e os que mais sofrem.
Por fim, a grande lição do Papa para o enfrentamento de qualquer crise: a via do diálogo (Capítulo V). Francisco insiste na necessidade de um diálogo amplo, entre grupos sociais, entre as esferas de governo, entre o Estado e a população, entre a Ciência e os demais saberes… E, infelizmente, diálogo construtivo – mesmo que crítico – é o que mais falta no enfrentamento da COVID-19 no Brasil…