Pandemia gera impactos aos ciclistas entregadores de aplicativo

Diariamente, Alexandre (nome fictício) pedala por 18km entre o bairro de Aricanduva, na zona Leste, e o centro da cidade, esperando que um dos aplicativos de entrega com os quais trabalha – Rappi, Uber Eats e iFood – toque para algum pedido. Isso, porém, raramente tem acontecido ao longo do trajeto percorrido em aproximadamente 70 minutos.

“As pessoas estão com receio de fazer pedidos por causa do novo coronavírus. Os chamados diminuíram e os valores cobrados para os clientes subiram. Pagando mais caro do que antes, elas desistem de pedir”, diz Alexandre ao O SÃO PAULO.

O ciclista recordou que na semana passada atendeu uma encomenda de supermercado e ganhou pelos 5km rodados e os 15kg carregados o valor de R$ 6,50. “Foi bem menos do que recebia antes. As empresas simplesmente reduziram os valores e não avisaram nada”, conta.

Percepção parecida tem o entregador William (nome fictício). Morador do Grajaú, na zona Sul de São Paulo, ele faz entregas com bicicletas em dias alternados nos bairros do Itaim Bibi, Moema, Vila Olímpia, Vila Nova Conceição e Brooklin.

“A quantidade de pedidos diminuiu, pois vários restaurantes fecharam, e as pessoas também passaram a cozinhar em casa. Além disso, os aplicativos adotaram um sistema no qual quem tem mais pontuação fica na frente para receber pedidos. Antes não era assim. Hoje, se você está do lado de um cara que tem pontuação alta, chega pedido pra ele entregar, mas não chega pra você”, relata William, que trabalha com os aplicativos Rappi e Uber Eats.

William também comenta sobre a redução dos valores pagos. “Antes, por exemplo, numa entrega de 3km, eu recebia R$ 7,00. Hoje, tenho feito por R$ 3,80, isso contando o percurso do restaurante até a casa do cliente, pois não é considerado o trajeto de onde você está no momento em que recebe o pedido até o local que você vai retirá-lo”, detalha.

Peso no orçamento

Alexandre conta que desde o início das medidas de isolamento social tem lucrado menos com as entregas: “Antes, somente em um aplicativo, o iFood, eu tirava por semana, trabalhando todo dia, entre R$ 600 e R$ 700. Hoje, seu eu conseguir R$ 120, R$ 200 é sorte”.

Recentemente, ele e outros quatro funcionários do comércio onde também atua como autônomo no centro de São Paulo foram dispensados, com a promessa de retomar os postos de trabalhos quando houver o fim do isolamento social. “Agora, só conto com esse pouco que estou ganhando nos aplicativos. Tento economizar o máximo possível para pagar as contas. Eu estou pedindo a ajuda de Deus, pois não sei mais o que fazer”, revela.

William, embora siga em outro emprego fixo, diz que a baixa nos pedidos pelo aplicativo afetaram sua renda em cerca de 60%. “Num dia de entrega, eu conseguia lucrar quase R$ 150. Hoje, pra fazer R$ 50 é um sacrifício. Antes, eram de 15 a 20 entregas. Ontem, por exemplo, só fiz três. Caiu drasticamente”, contou. “Não consegui pagar minha conta de luz nos últimos meses, também estou com contas de água em atraso, é uma situação complicada”, relata.

É possível ser proteger do novo coronavírus?

De acordo com os entregadores ouvidos pela reportagem, as três principais empresas de delivery tem adotado políticas diferentes para que os entregadores possam se proteger do novo coronavírus e evitar o contágio dos clientes.

Alexandre conta a que o iFood fornece álcool em gel para os entregadores. “Eu pego e coloco em um recipiente de spray pequeno. Toda a vez que chego no cliente, abro as duas partes da bag [mochila], tiro o spray, passo o álcool em gel na minha mão, pego o pedido e entrego pra ele”, explica.

De acordo com os dois entregadores, Rappi e Uber não fazem essa entrega direta do item de higiene. “É a gente que tem que conseguir. A Uber, no entanto, deixa você comprar o álcool em gel até o valor de R$ 20 e depois reembolsa. Já a Rappi somente fala sobre métodos de higiene, mas nada de oferecer pra gente um frasco de álcool ou valores”, assegura William. Ela relata que consome, em média, um frasco de álcool em gel por semana.

A polêmica entrega no chão

E um dos protocolos da Rappi em tempos de pandemia do novo coronavírus tem gerado polêmica: a chamada “Entrega sem contato”.

“A orientação é que você pegue a comida na bag, coloque a entrega no chão, na porta do cliente, e espere que ele chegue para depois você ir embora. Não tem cabimento, isso! Desde quando o chão é mais limpo que a gente?”, critica Alexandre.

“Claro que eu nunca segui isso! Colocar a comida no chão? Isso é falta de higiene! E se alguém espirrou ali? Como vou deixar a entrega no chão? Jamais! Eu tenho um frasco de álcool em gel. Passo na minha mão, ofereço para passar na mão do cliente e ai, sim, entrego o produto pra ele, isso quando faço a entrega direta”, conta William. 

Questionada pela reportagem, a Rappi, por meio de sua assessoria de imprensa, explicou que a medida “tem como objetivo preservar a segurança do entregador e do cliente e está de acordo com as recomendações das organizações competentes. O Ministério da Saúde, por exemplo, recomenda manter uma distância de 2 metros de outras pessoas para que você não seja atingido por possíveis gotículas que saem da boca das pessoas enquanto elas falam, por exemplo”.

A opção de “Entrega sem contato” também é encontrada nos dois outros aplicativos. No Uber Eats, o cliente tem opção de enviar uma instrução ao entregador pedindo que deixe a encomenda na porta. No iFood, o entregador é avisado quando chega no local de entrega se essa opção sem contato é um desejo do cliente.

O QUE DIZEM AS EMPRESAS?

Queda na quantidade de pedidos

Rappi: Assegurou que tem havido “um aumento significativo no número de pedidos em algumas verticais, o que acreditamos ser uma resposta dos usuários preocupados com o tema incerto e medidas de quarentena sendo tomadas em diferentes cidades”, e que “as categorias que registraram um maior aumento foram farmácias, restaurantes e supermercados”.

iFood: Embora não tenha respondido à pergunta diretamente, afirma em seu site que “ainda é prematuro dimensionar o impacto do COVID-19 no mercado de food delivery brasileiro”

Uber Eats: Respondeu que por ser uma empresa de capital aberto, não pode “comentar dados especulativos”.

Redução nos valores pagos aos entregadores

Rappi: Informou que continua “aplicando os mesmos critérios no valor do frete, que varia de acordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido. Além disso, a Rappi possibilita que os clientes deem gorjeta aos entregadores por meio do aplicativo”.

iFood: Não respondeu ao questionamento de modo específico, mas informou que “após o pedido ser entregue e finalizado, os usuários da plataforma podem oferecer gorjetas que são integralmente repassadas aos entregadores”.

Uber Eats: Assegurou que “não houve redução no valor pago por entrega/viagem”.

Materiais de higienização e protocolo de entregas

Rappi: Entre os protocolos que foram adotados estão a compra de álcool em gel e máscaras para entregadores parceiros; a adoção da prática “Entrega sem contato”; e o incentivo ao pagamento via app, para evitar o contato com cédulas de dinheiro.

iFood: Informou que distribui álcool em gel aos entregadores. Desde 6 de abril, a distribuição tem sido feita em 18 cidades, incluindo São Paulo. “Os kits de álcool em gel e material informativo serão entregues por meio de vans itinerantes em diversos pontos das cidades. O entregador receberá um chamado para ir até a van como se fosse coletar um pedido. Esta combinação de veículos espalhados pelas cidades e os chamados individuais evitará aglomerações e grandes deslocamentos dos entregadores”

Uber Eats: Não respondeu diretamente aos questionamentos, mas informou que “nos últimos dias, os parceiros foram informados que, além do álcool em gel, poderão solicitar reembolso para outros itens de proteção individual, como máscaras e luvas”.

Auxílio a quem está infectado ou tem maior risco para a COVID-19

Rappi: “Criamos um fundo que apoiará financeiramente os entregadores parceiros com sintomas ou confirmação da COVID-19 pelo período de 14 dias em que precisarão cumprir a quarentena. No Brasil, o fundo está sendo gerido pela Cruz Vermelha Brasileira”. Além disso, no próprio aplicativo, o entregador pode notificar a Rappi “caso apresente sintomas compatíveis com COVID-19 ou confirme o diagnóstico, para que deixe de prestar serviços no aplicativo e seja imediatamente orientado”.

iFood: Afirmou ter criado dois fundos solidários para os entregadores, um no valor de R$ 1 milhão para dar suporte àqueles que necessitem permanecer em quarentena. “O entregador receberá do fundo um valor baseado na média dos seus repasses nos últimos 30 dias, proporcional aos 14 dias de quarentena… Após abrir um chamado para reportar um diagnóstico positivo para COVID-19, o entregador terá a sua conta automaticamente inativada por 14 dias e terá até 30 dias para enviar todas as evidências necessárias para receber o valor do Fundo”. O outro fundo solidário, também no valor de R$ 1 milhão, é voltado a entregadores com mais de 65 anos ou em condições de risco, como doenças pulmonares, doenças cardíacas, imunossupressão (incluindo HIV), obesidade mórbida, diabetes descompensada, insuficiência renal crônica e cirrose.

Uber Eats: A empresa informou que vai “ampliar a cobertura da política de assistência financeira, incluindo o acesso de quem pertence a grupos de risco”. Além disso, “qualquer motorista ou entregador parceiro diagnosticado com o COVID‑19 ou que tiver isolamento solicitado por suspeita ou risco de contágio de coronavírus receberá assistência financeira por até 14 dias”.

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