Em muitas das visitas que realizavam nas casas na década de 1990, os líderes voluntários da Pastoral da Criança também se deparavam com a precariedade de vida dos idosos. Essa realidade não passou despercebida pela médica pediatra e sanitarista Zilda Arns Neumann (1934-2010), fundadora da Pastoral, que em conversa com o geriatra João Batista Lima Filho viabilizou, em 1994, o lançamento do manual “De Bem com a Vida”, com conteúdo científico sobre envelhecimento e cuidados para as pessoas idosas.
Ao final daquela década, a temática sobre o envelhecimento ganhou ainda maior destaque com a celebração do Ano Internacional da Pessoa Idosa, em 1999, por iniciativa da ONU, e a publicação da Carta aos Anciãos, por São João Paulo II. Em 2003, a Campanha da Fraternidade chamou a atenção para a vida, dignidade e esperança dos idosos, e foi publicado o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei 10.741). À época, 14,5 milhões de brasileiros – 8,6% da população – tinham 60 anos ou mais, conforme dados do Censo 2000.
Duas décadas depois, de acordo com o Censo 2022, o Brasil tem 32,1 milhões de pessoas com 60 anos ou mais – 15,6% da população –, o que mostra que a criação da Pastoral da Pessoa Idosa, em novembro de 2004, por iniciativa da doutora Zilda, foi uma ação providente tanto para aquele momento quanto para os anos que se seguiriam, diante do aumento da quantidde de idosos no País.
DESAFIOS E CONQUISTAS
Em novembro, a Pastoral da Pessoa Idosa (PPI) completou 20 anos, somando mais de 18 milhões de visitas domiciliares. Atualmente, 20 mil agentes voluntários se dedicam a esta Pastoral, estando próximos a 100 mil idosos mensalmente, em 1.080 municípios.
“Nestes 20 anos de missão, nós tivemos muitos desafios. O principal é o de sensibilizar a sociedade para a questão do envelhecimento porque ainda há a cultura de não se valorizar aquele que já não produz mais, ou seja, a cultura do descarte. Por outro lado, percebemos que a Pastoral alcançou uma metodologia consolidada e que é referência mundial no cuidado e na valorização da pessoa idosa”, ressalta, em entrevista ao O SÃO PAULO, Sandra Regina Capana Michellim, coordenadora nacional da PPI.
DE CASA EM CASA
Nas visitas mensais às casas, os agentes da PPI não apenas transmitem a esperança cristã aos idosos e se colocam à disposição para escutá-los, mas também fornecem a eles e a seus familiares informações sobre cuidados com a saúde, qualidade de vida e acesso a direitos.
“Os líderes não somente levam os afetos de Deus em nome da Igreja à pessoa idosa, mas também informações. Para isso, eles passam por momentos de capacitação, em sete etapas, nas quais se trabalham questões de alimentação, ingestão de líquidos, dependências, vacinas e a própria espiritualidade do líder. Nessa capacitação, o líder também conhece as redes de apoio para os idosos. Por exemplo, se alguma pessoa idosa estiver precisando de alimentação, ele saberá orientá-la sobre onde ir para suprir essa necessidade específica”, detalha Sandra Regina.
Ao longo das visitas, os líderes também fornecem orientações práticas a partir do mapeamento das realidades aferidas em diversas partes do Brasil. “Nós já traçamos, por meio dos acompanhamentos em nosso sistema, estratégias para a redução do número de quedas de idosos. Hoje, quando um agente visita uma casa, ele olha e orienta – ‘este tapete pode levar a uma queda’, ‘O fio deste jeito pode ser perigoso’, ‘este móvel está mal colocado’. A visita mensal também cria vínculos, a ponto de a pessoa idosa, muitas vezes, contar para o líder coisas que não tem coragem de falar para a família”, comenta Sandra Regina, destacando que essa metodologia da PPI já recebeu menções positivas do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida.
Desde 2020, os líderes podem cadastrar os dados das visitas em tempo real por meio do aplicativo PPI Mobile, dando mais celeridade a um processo que antes era feito com o preenchimento por escrito da Folha de Acompanhamento Domiciliar da Pessoa Idosa (Fadopi), posteriormente enviada ao banco de dados da coordenação nacional da Pastoral.
A COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS
Em novembro, três atividades marcaram as comemorações das duas décadas da Pastoral da Pessoa Idosa: no dia 5, uma missa em ação de graças no Santuário Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba (PR), presidida por Dom José Antonio Peruzzo, Arcebispo de Curitiba e Presidente da PPI, tendo como concelebrante o Padre Reginaldo Manzotti, embaixador da Pastoral; no dia 16, no Parque Barigui, também na capital paranaense, a festa dos 20 anos; e no dia 25, uma sessão especial do Senado, em Brasília (DF).
“A Pastoral é uma força silenciosa que tem transformado vidas, levando dignidade às comunidades mais carentes e reforçando os laços de solidariedade”, ressaltou o senador Flávio Arns, sobrinho da doutora Zilda, e requerente da sessão no Senado.
Na ocasião, Dom José Peruzzo agradeceu o empenho dos líderes da PPI em todo o Brasil, destacando que eles “oferecem dias preciosos de suas vidas para os idosos viverem melhor” e o fazem com “o coração na ponta dos dedos, pois tudo o que tocam tem um componente de encanto, de ternura e de gratuidade”.
COMO COMEÇAR A PPI EM UMA PARÓQUIA?
Apesar de presente em todos os estados do Brasil, a PPI ainda não está instalada em todas as paróquias. Segundo Sandra Regina, o ideal para iniciar um grupo é ter ao menos dez pessoas disponíveis, mas já havendo cinco pessoas e o apoio do padre, é possível começar essa ação pastoral.
“É fundamental que o padre queira ter a Pastoral da Pessoa Idosa em sua paróquia, que acolha a todos que desejam participar, sensibilize mais voluntários. Se houver pessoas interessadas, a PPI desloca um facilitador para fazer a capacitação, na qual nós também apresentamos um vídeo institucional que mostra como é o trabalho, pois muitos ainda acham que ao ingressar na Pastoral terão de dar banho no idoso, levá-lo ao médico, dar remédio. E não é nada disso. O trabalho consiste nas visitas mensais, levando orientação e dicas aos idosos”, ressalta Sandra Regina.
O agente da PPI deve morar na mesma comunidade na qual irá realizar a ação pastoral, fazer as formações necessárias e ter disponibilidade para as visitas domiciliares, com espírito missionário a serviço da vida e da esperança. Outros detalhes podem ser vistos pelo site https://ppi.org.br/lideres-voluntarios.
Sandra Regina enfatiza que não basta que as pessoas tenham “pena” ao ver um idoso em dificuldade; é preciso que sintam compaixão. “Ter compaixão é colocar-se no lugar da pessoa e se questionar: ‘Eu gostaria de estar passando por essa situação? Gostaria que alguém estivesse olhando por mim?’ Colocando-se no lugar da pessoa vulnerável, você irá entender que precisa fazer algo, partir para a ação, e não ficar apenas no ‘ai que pena, que coitadinho’”, diz a coordenadora nacional da PPI. “A atual cultura do descarte, que o Papa Francisco tanto tem alertado, precisa ser substituída pela cultura do cuidado e da valorização. Que nós possamos atingir toda a sociedade para que o cuidado com a pessoa idosa aconteça”, conclui.