
Nesta quarta-feira, 23 de abril, foi lançado o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024”, durante evento realizado na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, com transmissão ao vivo pelo canal da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no YouTube. O documento, que já é uma referência de pesquisa sobre a violência no campo brasileiro, trouxe à tona dados alarmantes, embora com uma leve diminuição no número total de conflitos, quando comparado a 2023, um ano que registrou os maiores índices da série histórica.
Apesar da queda no número geral de conflitos, a realidade permanece desafiadora, com a violência por terra e água permanecendo entre os maiores da história do relatório. O Maranhão segue sendo o estado com maior concentração de conflitos, especialmente em razão da contaminação por agrotóxicos nas comunidades tradicionais. Embora os homicídios tenham diminuído (de 31 para 13), as tentativas de assassinato e ameaças de morte aumentaram, refletindo a intensificação da violência contra as pessoas, principalmente em regiões afetadas por grandes projetos de infraestrutura e pelo avanço do agronegócio.
Um apelo à visibilidade dos invisíveis
Durante o lançamento, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispo do Brasil (CNBB), Dom Ricardo Hoepers, fez uma reflexão profunda sobre a importância de dar visibilidade aos povos e comunidades que sofrem os impactos dessas violências. Ele destacou a missão da Igreja em acolher as questões mais urgentes da sociedade, lembrando que o Papa Francisco sempre enfatizou a necessidade de cuidar das “periferias existenciais e geográficas” e de enfrentar os desafios mais difíceis da humanidade.
Dom Ricardo fez também uma ligação com os ensinamentos do Papa Francisco, particularmente a questão da “globalização da indiferença”, termo cunhado por ele após a visita a Lampedusa, onde mais de 200 pessoas haviam morrido em um naufrágio.
O prelado reforçou que o relatório da CPT é uma resposta a essa indiferença, buscando não deixar ninguém invisibilizado, dando nomes e biografias às vítimas dos conflitos no campo.
O bispo ainda ressaltou a conexão do relatório com a Campanha da Fraternidade deste ano, lembrando os 10 anos da encíclica Laudato Si’, que trata da defesa do planeta e dos direitos das gerações futuras. Segundo dom Ricardo, o cuidado com a terra, com as pessoas e com a criação de Deus deve ser central no compromisso de todos.
Violência persiste, mas há esperança

Ao portal da CNBB, o presidente da CPT, Dom José Ionilton, também comentou sobre os dados revelados no relatório, destacando que, embora o número de mortes tenha diminuído, a violência no campo persiste, especialmente contra povos indígenas e quilombolas, cujos territórios estão sendo invadidos e ameaçados por interesses ligados ao agronegócio e a grandes projetos de infraestrutura.
Para ele, a “lei do Marco Temporal”, que tem gerado insegurança nas terras indígenas, é uma das principais responsáveis por essa escalada de violência. Além disso, comentou que a liberalização do porte de armas durante o governo anterior também contribuiu para o aumento da violência armada, criando um cenário de impunidade e insegurança para aqueles que lutam para defender seus direitos.
“Apesar de algumas vitórias, como a redução das mortes, os conflitos seguem intensos. O avanço do agronegócio, do garimpo ilegal e dos grandes projetos de infraestrutura têm gerado conflitos que afetam principalmente as comunidades da Amazônia e do Norte do Brasil. A violência ainda é um problema a ser enfrentado com urgência.”
40 anos de luta pela justiça no campo

O relatório também celebra uma marca significativa para a CPT: seus 40 anos de atuação no monitoramento dos conflitos no campo, desde a criação de seu setor de documentação em 1985. Em 2025, a Comissão Pastoral da Terra completa 50 anos, e o lançamento do relatório Conflitos no Campo Brasil 2024 é, portanto, uma oportunidade para refletir sobre a história de resistência e luta pelos direitos dos trabalhadores rurais e das comunidades tradicionais.
O lançamento do relatório também foi uma oportunidade para lembrar o legado do Padre Mário Aldighieri, que iniciou o trabalho de documentação da CPT e faleceu recentemente, aos 88 anos. Sua visão e dedicação contribuíram para a criação de uma estrutura que segue sendo vital para a compreensão da violência no campo.
Esse momento de celebração, ao mesmo tempo que denuncia, também lembra a importância de manter vivos os legados de quem lutou pela justiça social e pelos direitos humanos no Brasil.
Fonte: CNBB