
Na semana em que se celebra o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, em 3 de dezembro, o jornal O SÃO PAULO entrevista Rosali Villa Real da Costa Bastos, que já dedicou 35 dos seus 75 anos de vida à promoção da Catequese Diferenciada na Arquidiocese do Rio de Janeiro, pela qual é assegurada a preparação de todas as pessoas com deficiências físicas, cognitivas, sensoriais ou psíquicas para que recebam os sacramentos da iniciação à vida cristã.
O SÃO PAULO - O que levou a senhora a iniciar os trabalhos da Catequese Diferenciada?
Rosali Bastos – Quando eu me formei professora, em 1969, crianças com deficiências cognitivas eram chamadas de ‘A turma dos Maluquinhos’, e aquilo me incomodava demais. A minha primeira turma em sala de aula, em 1971, foi daqueles “que ninguém quer”. Por 20 anos, eu trabalhei no Instituto Helena Antipoff, o centro de referência em educação especial aqui do Rio de Janeiro. Em 1981, nasceu meu filho, o Nielsen. Ele nasceu bem, mas teve uma infecção grave que ocasionou uma perda cognitiva e motora sendo, de algum modo, trabalhado por mim e profissionais da área. Em 1990, fui convidada para ser catequista, e em 1993 fui ser a catequista do meu filho, pois abriram um núcleo de Catequese Especial na minha paróquia. Em 2023, eu ousei mudar o nome para Catequese Diferenciada, para, principalmente, também acolher pessoas com outras deficiências e transtornos que não eram contempladas em nenhum grupo de catequese. No começo, era específica para quem tinha deficiência, seja cognitiva, seja motora, seja sensorial, em separado da catequese regular, mas com o tempo abriu-se para que a pessoa com qualquer deficiência fosse incluída nos núcleos de catequese regular. Nosso lema é “Catequese Diferenciada: Vinde a mim todos vós”, pois Deus quer todo mundo para Ele.
Como está estruturada essa catequese?
Nós damos formações para as catequistas nos Vicariatos da Arquidiocese para que seja possível que em todas as paróquias possa acontecer a inclusão destes catequizandos, de três a cinco, em um dos grupos de catequese regular. Portanto, não é um simples ‘bota lá dentro’. Primeiro, há a preparação das catequistas e depois do grupo que vai ser inserido e do grupo que vai receber estes catequizandos. O ‘bota lá dentro’ seria deixar esta criança no cantinho da sala, com o papel e o lápis para ela não incomodar as demais. Não, não se pode falar em inclusão assim. Portanto, esses catequizandos passam por um período de adaptação, ao mesmo tempo em que fazemos a observação dos núcleos grandes para saber como estão se preparando para recebê-los.
Em que consiste esta etapa de adaptação?
Quando uma família procura uma paróquia para inscrever seu filho na catequese e informa que ele é neuroatípico, por exemplo, a inscrição é feita e essa pessoa inicia em um grupo menor, no qual fazemos um processo de observação de três a cinco meses para melhor incluí-la na catequese regular. Acontece, porém, que muitos pais matriculam a criança na catequese e não contam que ela é neuroatípica, mas com o tempo a catequista, já experiente, percebe que a criança não consegue acompanhar os encontros como as demais, tem dificuldades. Nesses casos, nós chamamos a família para conversar e explicamos que a criança precisa de um período de adaptação antes de voltar a uma turma de catequese regular.

Como se dá na prática a Catequese Diferenciada?
A primeira preocupação é com o tamanho do grupo. Em uma catequese regular com 24 catequizandos, por exemplo, serão de dois a cinco inclusos, e há uma catequista de apoio, bem treinada, que vai aplicar o nosso método. Geralmente, não fazemos a leitura da Bíblia, pois eles não são alfabetizados ainda. Essa catequista faz a interpretação do texto que se leu no encontro. Para esse catequizando, a permanência é de 50 minutos. Buscamos sempre fazer um encontro alegre: nada de um sentado atrás do outro ou só olhando para o quadro como em uma sala de aula. Todos participam, vibram, se abraçam. Toda a metodologia é voltada para uma conquista e uma aceitação das nossas limitações.
E como é possível atestar quando o catequizando está pronto para receber o sacramento?
Durante os anos da catequese, nós frequentamos em grupo algumas celebrações, como batismos e casamentos. Também vamos mostrando a eles a caminhada da paróquia, falamos de Nossa Senhora, explicamos que Jesus tem uma casa, uma mãe, um pai, ou seja, todas as ideias apresentadas são concretizadas, vivenciadas com eles. Também os preparamos para a Confissão, mostrando que é igual a um filtro, e de como o coração fica limpo quando a gente conversa com o padre. Mostramos que Jesus é o nosso grande amigo. Concretizamos as ideias também por meio de filminhos, desenhos, músicas e tudo mais que esteja a nosso alcance. Ao final, eles sabem que vão receber Jesus. Lembro-me de um dos meus catequizandos que teve uma encefalite e uma perda muito grande de seu cognitivo, impactando suas atitudes. Ele ficou com a gente durante quatro anos se preparando. Até hoje, ele participa da missa na porta da igreja, jamais se senta no banco. Na hora de receber a Eucaristia, ele atravessa o corredor principal, falando: ‘Vou receber Jesus, vou receber Jesus’; e depois de comungar, volta dizendo, ‘Já recebi Jesus! Já recebi Jesus!’. Há alguma dúvida de que ele sabe quem é Jesus? De que ele está catequizado?

De quais formas uma paróquia pode melhor acolher as pessoas neuroatípicas?
Elas têm de ser aceitas, respeitadas e convidadas a fazer parte da Igreja. Fez a primeira Eucaristia? Vai perseverar, vai para a Crisma! Vamos também fazê-las soldados de Cristo. Elas podem estar nas equipes de acolhida, ser acólitas, coroinhas, estar com os Vicentinos. Também é importante que na paróquia haja uma cultura de observação, que se busque saber se há famílias na região com pessoas neuroatípicas. Infelizmente, há muitas realidades cruéis ainda, famílias que têm vergonha de seus filhos, que não levam essa criança, esse adolescente, para a igreja, porque quando vão, algumas pessoas perguntam: ‘O que ele tem?’, mudam de banco ou ficam olhando esquisito. Nós, da Catequese Diferenciada, e todos que amamos Jesus, temos que observar o outro, temos de ampliar o nosso horizonte de observação para incluir todas as pessoas na comunidade. As pessoas neuroatípicas estão no meio de nós. Fingir não vê-las ou tratá-las como coitadinhas não é legal, eu até acho que isso é um contratestemunho.
A senhora se emocionou ao saber que a reportagem do O SÃO PAULO sobre Catequese Inclusiva, que menciona a Catequese Diferenciada, publicada em 2023, foi premiada na 55ª edição dos Prêmios de Comunicação da CNBB. Por quê?
Eu sempre tive a certeza de que Deus me deu uma missão. Tanto que no meu primeiro ano de professora eu escolhi dar aulas às crianças que ninguém queria. Depois, Deus me deu um filho especial. Além disso, hoje sou a coordenadora da Catequese Diferenciada na Arquidiocese do Rio de Janeiro. Tenho certeza de que eu estou cumprindo bem a missão que Ele me deu e só posso ficar feliz quando vem uma resposta Dele dizendo ‘você está certa, o caminho é este’, como foi o fato de a reportagem ser premiada. Eu estou muito feliz nisso que faço. Jesus veio para todo mundo e não só para os bonzinhos, os bonitinhos, os cheirosos. Tenho certeza de que o Papai do Céu está contente com o meu trabalho e sou muito feliz por isso, e é muito vibrante perceber como as catequistas, após passarem pela formação, veem que é possível catequizar crianças, jovens e adultos neuroatípicos.






