Os devotos de São Francisco de Assis puderam venerar no início deste mês uma relíquia do Santo que passou pelo Santuário de São Francisco das Chagas, em Canindé (CE), Santuário Frei Galvão, em Guaratinguetá (SP) e, por fim, pelo Convento e Santuário São Francisco, na capital paulista, na manhã da terça-feira, 8.
A relíquia foi trazida ao Brasil pelos Freis Giuseppe Caro e Martino Chiaramonte, da Província Toscana de São Francisco Estigmatizado, localizada no Monte Alverne, na Itália, onde, há 800 anos, em 14 setembro de 1224, São Francisco recebeu os estigmas nas mãos e nos pés, assim como as chagas de Jesus crucificado. O Santo foi a primeira pessoa a ter os estigmas de Cristo.
A relíquia é um pedaço do hábito com as marcas de sangue que São Francisco usava no dia em que recebeu os estigmas.
“Nós quisemos dar ao maior número de pessoas a oportunidade de fazer uma experiência com a relíquia. Quando organizamos esta peregrinação, pensamos no tema – ‘Das feridas à vida nova’. Cada um de nós, em nosso corpo, na nossa carne, na nossa alma, bem como nossos amigos e parentes, temos feridas, carregamos feridas. Francisco está hoje aqui para nos dizer que o mal não tem a última palavra. Se na nossa vida nós damos espaço para Deus, assim como fez São Francisco, lá no Monte Alverne, também nas nossas feridas e nas feridas do mundo pode nascer uma vida nova”, disse Frei Martino, em uma das missas realizadas em Guaratinguetá.
PASSAGEM PELA CAPITAL PAULISTA
No Convento e Santuário São Francisco, a programação com as relíquias na terça-feira, 8, começou com oração das Laudes, às 7h10; seguida de missa. Depois, às 10h, outra celebração foi presidida por Dom Rogério Augusto das Neves, Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Sé. A missa de encerramento ocorreu às 12h, na Igreja das Chagas de São Francisco, da Ordem Franciscana Secular.
“Entre as missas, realizamos um momento devocional a São Francisco, com orações, cânticos e a ladainha de São Francisco. As pessoas também puderam venerar São Francisco, tocar a relíquia e receber a bênção dos frades italianos que são os guardiães da relíquia”, detalhou, ao O SÃO PAULO, Frei Mário Luiz Tagliari, OFM, Reitor do Convento e Santuário São Francisco.
Frei Mário lembrou que os estigmas de São Francisco foram descobertos apenas após a morte do Santo, em 1226. “Somente dois frades que estavam junto com ele no Monte Alverne sabiam dessas chagas, mas quando ele morreu e tiraram-lhe o hábito para preparar o corpo, encontraram as chagas e todos ficaram muito admirados. São Francisco não queria que as chagas que trazia fossem motivo de alguma glória para si, por isso as escondia a todo custo”, explicou o Frade.
IR AO ENCONTRO DOS ‘ESTIGMATIZADOS’
Por ocasião dos 800 anos dos estigmas de São Francisco, o Papa Francisco recebeu em audiência no Vaticano, em abril, um grupo de Frades Menores da Província da Toscana e do Santuário de La Verna. Na ocasião, o Pontífice lembrou que, a exemplo do Santo de Assis, todo cristão é chamado a ir ao encontro dos “estigmatizados”, aqueles “‘marcados’ pela vida, que carregam as cicatrizes do sofrimento e da injustiça sofrida ou dos erros cometidos. E, nessa missão, o Santo de La Verna é um companheiro de viagem, apoiando-os e ajudando-os a não se deixarem esmagar pelas dificuldades, pelos medos e pelas contradições, próprias e alheias”, afirmou.
Segundo Frei Mário, ter contato com a relíquia que peregrinou ao Brasil proporcionou aos frades franciscanos “encontrar-se com a fonte, com a origem, com o Cristo que continua sendo crucificado. São Francisco chorava pelos vales, fora dos muros de Assis, e perguntavam para ele: ‘Por que choras?’, ao que ele dizia ‘Choro porque o Amor não é amado’. Diante dessa relíquia, nós podemos perceber que o Amor, o Cristo, continua não sendo amado por todos. E temos aqui no nosso entorno um desafio tão grande, com milhares de pessoas ao relento, sem uma vida digna. Portanto, encontrar-se com essa relíquia é, mais do que tudo, um compromisso para nós também abraçarmos não a cruz, mas o Cristo crucificado”.
O Reitor do Convento e Santuário destacou que a peregrinação das relíquias se insere tanto nas comemorações dos oito séculos dos estigmas de São Francisco quanto nos festejos dos 800 anos do presépio de Greccio (idealizado por Francisco em 1223), da Regra de Vida dos Franciscanos (aprovada definitivamente pelo Papa Honório III em 1223), da composição do Cântico das Criaturas (1225) e da morte do Santo (1226).
UMA HISTÓRIA DE CONVERSÃO
Nascido em uma família rica, Francisco viveu uma juventude despreocupada, mas aos 20 anos de idade lutou na guerra entre Assis e Perugia, e, depois, nas Cruzadas. Ele regressou das batalhas doente e abalado.
Em 1206, após um chamado divino e um profundo momento de oração e discernimento, Francisco abandonou tudo e passou a viver de modo simples e cuidando dos pobres e enfermos, em especial dos leprosos. Em um momento de oração diante de um crucifixo bizantino na igrejinha abandonada de São Damião, ele ouviu a voz do Senhor: “Francisco, vai e restaura a minha Igreja, que, como vês, está em ruína”. Não se tratava, porém, de reconstruir a pequena capelinha, mas sim de renovar, em espírito de obediência, a Igreja, o que o levou a fundar, em 1209, a Ordem dos Franciscanos, formulando suas regras de vida posteriormente, alicerçadas nos conselhos evangélicos da pobreza, obediência e castidade.
“O mesmo Crucificado que ele encontrou na igreja em ruínas em São Damião, também o encontra quando abraça e beija o leproso. E São Francisco, em seu testamento, revela o quanto para ele foi difícil ir até o leproso. Ele, inicialmente, tinha nojo. Mas ao encontrar-se com o leproso, ele se encontra com o Cristo crucificado. São Francisco, portanto, se encontrou com os crucificados do seu tempo, os beijou, os abraçou, cuidou deles. E isso para nós, frades, permanece como um desafio. Quem são os crucificados de hoje? Onde encontramos o Cristo crucificado, precisando ser abraçado por nós?”, refletiu Frei Mário.
São Francisco faleceu em 3 de outubro de 1226, aos 44 anos de idade. Ele foi canonizado em 1228 pelo Papa Gregório IX. A memória litúrgica do Padroeiro dos Animais, como também é conhecido, é celebrada em 4 de outubro