Eucaristia: alimento dos Peregrinos de Esperança

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Na Solenidade do Santíssimo Sacra­mento do Corpo e Sangue de Cristo, popularmente conhecida como Corpus Christi, na quinta-feira, 19, a Igreja Ca­tólica reafirma sua fé no sacramento da Eucaristia, fonte e ápice da vida cristã, e testemunha publicamente sua convic­ção da presença real de Jesus Cristo nas espécies do pão e do vinho consagra­dos na Santa Missa.

Em 2025, essa celebração aconte­ce no contexto do Jubileu, cujo tema “Peregrinos de Esperança” oferece uma chave espiritual para compreender a Eucaristia como alimento no caminho e sinal da plenitude futura.

A Eucaristia é inseparável da es­perança cristã. Conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica (CIC), “cada vez que se celebra este mistério, realiza-se a obra da nossa redenção” (CIC 1405), sendo a missa celebrada “na expectativa da sua vinda glorio­sa” (CIC 1326). Para os cristãos, par­ticipar da Mesa do Senhor é também antecipar o banquete eterno. “Na Eu­caristia, nós já nos unimos à liturgia do céu” (CIC 1326).

Essa dimensão escatológica é des­tacada pelo Papa Bento XVI na exor­tação apostólica Sacramentum ca­ritatis. Ele afirma que, ao celebrar a Eucaristia, “a Igreja experimenta já a plenitude da vida eterna”, sendo este sacramento o que “alimenta a espe­rança dos cristãos no encontro defi­nitivo com o Senhor”.

PENHOR DA GLÓRIA

A mesma ideia é aprofundada por São João Paulo II na encíclica Ecclesia de Eucharistia, na qual ensina que “A Eucaristia é tensão para a meta, ante­gozo da alegria plena prometida por Cristo (cf. Jo 15,11); de certa forma, é a antecipação do Paraíso, ‘penhor da futura glória’”. Assim, quem comunga o faz como peregrino em direção à vida plena junto de Deus.

Essa espiritualidade do “já e ainda não” encontra expressão concreta nas orações litúrgicas da missa. A Oração Eucarística III, por exemplo, implora que os fiéis “alcancem a herança eterna no vosso Reino”, e na fórmula da comu­nhão, ao responder “Amém” ao “Corpo de Cristo”, o fiel professa tanto a fé na presença real quanto a esperança na ressurreição.

Essa concepção, embora atual, re­monta aos primeiros séculos da Igreja. O mártir e bispo Santo Inácio de Antio­quia, no início do século II, já definia a Eucaristia como “remédio de imortali­dade e antídoto contra a morte”, refor­çando a fé na ressurreição alimentada pelo Corpo e Sangue do Senhor.

BANQUETE CELESTE

O Jubileu 2025 reforça, portanto, essa dimensão da Eucaristia como ali­mento da esperança, pois coloca os fiéis em comunhão com Aquele que é a esperança: Jesus Cristo. A cada mis­sa, o fiel é alimentado para a jornada terrena, mas já vislumbra a morada definitiva. Como resume o Catecismo, “a participação no banquete eucarísti­co prefigura a comunhão celeste com Deus” (CIC 1402).

Assim, o Corpo de Cristo adorado no altar e levado em procissão pelas ruas se revela como o pão dos peregri­nos e a certeza de que a esperança cristã “não decepciona” (cf. Rm 5,5).

Mistério da fé

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Instituída por Jesus Cristo na Últi­ma Ceia, a Eucaristia perpetua o mis­tério da Paixão e Morte e Ressurreição de Jesus. Por estar vivo e ressuscitado é que Cristo pode se tornar “pão da vida” (Jo 6,35.48). Tal verdade de fé era proclamada pelos padres e dou­tores dos primórdios da Igreja. Santo Ambrósio lembrava aos cristãos re­cém-batizados: “Se hoje Cristo é teu, Ele ressuscita para ti cada dia”. Já São Cirilo de Alexandria sublinhava que a participação na Eucaristia “é uma ver­dadeira confissão e recordação de que o Senhor morreu e voltou à vida por nós e em nosso favor”.

O principal fruto da comunhão eucarística é a união íntima com Cristo Jesus. “De fato, o Senhor diz: ‘Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele’ (Jo 6,56). A vida em Cristo tem o seu fundamento no banquete eucarístico: ‘Assim como o Pai, que vive, me enviou, e Eu vivo pelo Pai, também o que comer a minha carne viverá por Mim’ (Jo 6,57)”, recorda o Cate­cismo (CIC 1391), que enfatiza, ainda, que a comunhão da carne de Cristo Ressuscitado conserva, aumenta e renova a vida da graça recebida no Batismo.

A Comunhão também afasta o fiel do pecado. “O corpo de Cris­to que recebemos na Comunhão é ‘entregue por nós’ e o sangue que nós bebemos é ‘derramado pela multidão, para a remissão dos pe­cados’. É por isso que a Eucaristia não pode nos unir a Cristo sem nos purificar, ao mesmo tempo, dos pecados cometidos, e nos preservar dos pecados futuros”, reforça o Catecismo (CIC 1393).

EFEITOS

Os que recebem a Eucaristia ficam mais estreitamente unidos a Cristo, que une todos os fiéis em um só corpo: a Igreja. Como afirma o apóstolo São Paulo: “O cálice da bênção, que abençoamos, não é co­munhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, por­que participamos desse único pão” (1Cor 10,16-17).

Santo Tomás de Aquino afirmou que “o efeito típico da Eucaristia é a transformação do homem em Cris­to”. Já São Leão Magno destacou: “A participação do corpo e sangue de Cristo não faz outra coisa senão nos transformar no alimento que tomamos”.

Santo Agostinho pôs na boca de Jesus estas palavras: “Não és tu que me transformarás em ti, como se dá com o alimento da tua carne, mas tu serás transformado em Mim”. E Cirilo de Jerusalém enfatizou que, por meio da Eucaristia, “nos torna­mos concorpóreos e consanguíne­os com Cristo”.

ADORAÇÃO

A presença de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento não se res­tringe à celebração da missa, mas permanece na reserva eucarística. No princípio, o sacrário ou taber­náculo era destinado a guardar a Eucaristia de maneira digna para ser levada aos enfermos e aos fiéis ausentes da missa por razões gra­ves. Com o aprofundamento da fé na presença real de Cristo na sua Eucaristia, a Igreja tomou consci­ência do sentido da adoração si­lenciosa do Senhor, presente sob as espécies sagradas.

A visita ao Santíssimo Sacra­mento presente nos sacrários das igrejas permite o encontro pessoal de cada fiel com Jesus e o coloca em comunhão com toda a Igreja, que se reúne em torno da Eucaristia. Por isso, além de convidar cada um dos fiéis a encontrar pessoalmente tempo para se demorar em oração diante do sacramento do altar, a Igreja motiva as paróquias, comu­nidades e grupos eclesiais a pro­moverem momentos de adoração comunitária.

Como se preparar para a comunhão eucarística?

Como ensina São Paulo, para rece­ber o corpo e o sangue de Cristo é ne­cessária a devida preparação. “Quem comer o pão ou beber do cálice do Se­nhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, cada qual a si mesmo e, então, coma deste pão e beba deste cálice; pois quem come e bebe, sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação” (1Cor 11,27-29).

Nesse sentido, a Igreja exorta os que tiverem consciência de um pecado gra­ve a receber o sacramento da Reconci­liação antes de se aproximarem da Sa­grada Comunhão, com o fim de evitar um sacrilégio e usufruir das graças infi­nitas de tão admirável dom.

Prevê-se, ainda, que o fiel que rece­be a Comunhão seja católico, batizado e cultive cotidianamente a sua fé, por meio da participação da vida eclesial, especialmente dos sacramentos, da oração, da escuta da Palavra e da práti­ca das obras de misericórdia. Também é imprescindível que a pessoa creia vivamente que irá receber o corpo e o sangue de Cristo.

Como forma de preparar o cor­po e a alma para receber bem a santa Comunhão, a Igreja prescreve o jejum eucarístico, isto é, abster-se de qual­quer alimento ou bebida (exceto água ou remédios) antes de comungar. Por meio deste gesto penitencial, o cristão expressa a sua fé e reverência ao Santís­simo Sacramento e manifesta o desejo de recebê-lo como o mais importante alimento da vida.

A Igreja também prescreve aos seus fiéis a obrigação de “participar na divi­na liturgia nos domingos e dias de festa” e de receber a Eucaristia ao menos uma vez em cada ano, se possível no tempo pascal, preparados pelo sacramento da Reconciliação. “Mas recomenda-lhes vivamente que recebam a Santa Euca­ristia aos domingos e dias de festa, ou ainda mais vezes, mesmo todos os dias”, reforça o Catecismo

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