A Igreja Católica, no mês de novembro, recorda os falecidos, sempre de forma especial: no dia 1º é celebrada a Solenidade de Todos os Santos e, no dia 2, a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos.
Já no tempo do Advento, além de nos preparar para a solenidade da natividade de Jesus, a liturgia nos recorda sobre a segunda vinda de Cristo, o fim dos tempos e o juízo universal.
E por mais que essas celebrações já estejam consolidadas na fé de todos os católicos, muitos ainda possuem questões quanto à realidade das “últimas coisas”, também chamadas de “Novíssimos”. Por isso, neste artigo, esclarecemos alguns pontos doutrinários relacionados a esses tópicos, a fim de que os fiéis possam melhor se preparar e viver este novo tempo que se aproxima.
A morte

Dentre os Novíssimos, o primeiro que cada pessoa terá de viver é justamente a morte. Em linhas gerais, pode-se defini-la como a separação da alma e do corpo, fazendo com que nossa matéria caia paulatinamente na corrupção enquanto nosso espírito vai ao encontro de Deus. Ela é uma realidade decorrida do pecado original e cumprimento da pena que Ele havia imposto caso Adão e Eva comessem da árvore proibida: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não deves comer, porque, no dia em que dele comeres, com certeza morrerás” (Gn 2,17). Dessa forma, como destacado na Quarta-Feira de Cinzas, impõe-se as palavras “porque tu és pó e ao pó hás de voltar” (Gn 3,19).
Para muitos, a morte é causa de muito temor, pesadelos e desesperança. Ao longo dos séculos, filósofos de diferentes linhas a utilizaram para desenvolver suas próprias doutrinas, como o hedonismo ou niilismo. Não são essas, contudo, as ideias que católicos devem seguir. A morte, inerente a todo ser humano, é algo para a qual devemos nos preparar e, estando preparados, ser motivo de uma grande felicidade: finalmente iremos nos encontrar com Deus! Diferentemente do que muitas pessoas pensam, nós não iremos ganhar uma “nova” vida; sendo sempiterna, nossa vida passará apenas ao seu estado final e então fruirá por todos os séculos dos séculos do amor divino, conforme o amor terreno com que amou a Deus.
O juízo particular
Para isso, no entanto, precisamos primeiramente passar pelo juízo particular. Ele pode ser definido como o julgamento individual que cada pessoa terá após morrer, “em função de suas obras e de sua fé” (CIC,1021). Este julgamento, que ocorre imediatamente após a morte, já determina de forma definitiva o destino de cada pessoa: ou ela será eternamente condenada ou será eternamente salva. Aqui vale ressaltar que, por mais que Deus seja infinita misericórdia, o tempo da misericórdia é o de nossa vida terrena; após morrermos, não há mais espaço para arrependimento ou pedido de perdão. Tudo o que fizemos será julgado “sobre o amor” e então nosso destino será selado para sempre.
Para as almas condenadas, seu destino final é o Inferno. O Inferno não é algo querido por Deus nem sequer criado por Ele – assim como o pecado, esta é uma realidade permitida pelo Senhor, mas com origem nos anjos rebeldes ao se rebelarem contra seu Criador. Deus, sendo infinita bondade, não obriga aqueles que O rejeitam a permanecer com Ele. Sendo assim, o Inferno nada mais é do que “um estado de autoexclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados” (CIC,1034).
Já as almas salvas, contudo, podem percorrer dois diferentes “caminhos”. O primeiro deles, reservado às almas já purificadas de seus pecados, é o de ir diretamente ao Céu. É lá que teremos a plena comunhão com a Santíssima Trindade, com a Virgem Maria e todos os outros bem-aventurados. Também no céu poderemos contemplar Deus em sua glória celeste, o que chamamos de visão beatífica, fonte de infinita felicidade.
O segundo caminho, reservado àqueles que morreram em amizade com Deus – também conhecido como estado de graça –, mas que não pagaram em vida as penas de seus pecados por meio de penitências, é o do Purgatório. É aqui que, “embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do céu” (CIC,1030). Essa realidade é necessária, pois sombra alguma de pecado pode estar em comunhão com a Santíssima Trindade, motivo pelo qual é necessário que sejam todos purgados previamente antes de habitar no Paraíso.
Observe que o sentido de nossas vidas se dá, paradoxalmente, tendo sempre em mente o momento de nossa morte. Sabendo que ela de fato vai chegar — como diria Santo Afonso Maria Ligório, “a morte é certa; seu momento é incerto” — devemos viver com o máximo de amor a Deus e ao próximo para que ela seja de fato um momento de infinita felicidade. Por isso temos a urgente necessidade de formação de uma boa consciência, a fim de direcionarmos nossos pensamentos e ações a tudo aquilo que é Bom, Belo e Verdadeiro e a que nos aproxima de Deus. Nesse sentido, as melhores ferramentas para garantirmos estarmos seguindo a “direção correta” são o exame de consciência diário e as confissões frequentes.
O juízo final

Onde então o Juízo Final entra na história? Ao lermos sobre o juízo particular pode parecer-nos que nele já há tudo o que é necessário saber sobre a Vida após a morte. Entretanto, para que seja plenamente perfeita a justiça divina, é necessário ter um último julgamento no fim dos tempos. Isso se deve a quatro razões diferentes, que iremos ver abaixo.
Ressurreição dos corpos
A natureza dos homens, diferentemente da dos anjos e outros seres celestiais, abrange corpo e alma: em nossa vida terrena, agimos e operamos tanto através de nossa realidade imaterial quanto de nossa realidade material. Sendo assim, faz parte da justiça de Deus que nossos corpos sigam o mesmo destino de nossa alma. Portanto, para que possamos viver a eternidade segundo nossa natureza — corpo e alma — seremos primeiramente ressuscitados para então sermos apresentados a Jesus Cristo juiz: “a santíssima Igreja romana crê e confessa firmemente que, no dia do juízo, todos os homens comparecerão com seu próprio corpo diante do tribunal de Cristo para prestar contas de seus próprios atos” (CIC,1059). Com isso, no Juízo Final, “todos os que estão no túmulo ouvirão sua voz, e sairão. Aqueles que fizeram o bem ressuscitarão para a vida; e aqueles que praticaram o mal, ressuscitarão para a condenação” (Jo 5,28-29).
Julgamento da consequência de nossos atos
“O que fazemos em vida ecoa na eternidade”. Podemos utilizar esta frase de Marco Aurélio, popularizada por Russel Crowe no filme Gladiador, para tentar entender o próximo motivo pelo qual é preciso que haja um julgamento final. Enquanto em nosso julgamento particular somos julgados por nossas “obras e fé”, quando a história do mundo estiver completa vamos também ser julgados pelas consequências de nossos atos. O rastro bom ou mau que tivermos deixado para além de nosso tempo terreno também será levado a juízo: “O juízo final há de revelar, até as últimas consequências, o que alguém tiver feito de bem ou deixado de fazer durante a vida terrestre” (CIC,1039).
Para exemplificar, vejamos o caso de um filósofo que tenha sido autor de uma ideologia nociva às almas. Por mais que ele já tenha morrido há muito tempo, suas ideias podem continuar a influenciar inúmeras pessoas. As pessoas que ele segue influenciando são as consequências dos atos que ele fez em vida e esses atos serão julgados também no dia do Juízo Final. Da mesma forma, as boas ideias de um bom pensador, que conduziram gerações ao céu, também serão motivos de glória ainda maior quando esse dia chegar.
Entretanto, não somente pessoas “influentes” terão suas ações levadas a juízo. Um exemplo comum, apesar de não ser o único, possível de se mencionar é o da maledicência. No caso desse pecado, é incalculável para nós o mal que ele pode fazer conforme é espalhado por mais e mais pessoas e que poderia ser evitado se nós não o tivéssemos cometido em primeiro lugar. Similarmente, o caso de um pai que quando criança não foi educado na fé, mas se converteu e desde cedo se propõe a passar valores e virtudes a seus filhos, pode muito bem ser o princípio de várias gerações santas. Também essas consequências serão levadas a juízo e aumentarão sua glória.
Reabilitação das reputações
Como seres humanos, especialmente depois do pecado original, somos sujeitos ao erro e à manipulação. Não é de se estranhar, portanto, que ao longo da história cometêssemos infinitos erros com relação ao caráter das pessoas, fazendo-as morrer com uma imerecida má fama. Analogamente, também são muitos aqueles que vivem uma vida depravada, cheia de maus exemplos e escândalos, mas que, mesmo assim, seguem sendo falsamente reconhecidos como pessoas virtuosas após sua morte. Nos dois casos o dia do Juízo Final haverá de reabilitar as reputações de cada um conforme a verdade de sua conduta: “Serão então revelados a conduta de cada um e o segredo dos corações” (CIC,678) e “Diante de Cristo – que é a Verdade – será definitivamente desvendada a verdade sobre a relação de cada homem com Deus” (CIC,1039). Os justos difamados serão, então, publicamente reconhecidos como bons e os injustos admirados receberão publicamente a merecida vergonha e ignomínia.
Bondade da Providência
Por mais que possamos ser católicos fiéis, confiantes na Divina Providência e confortados pela paternidade divina, frequentemente nos pegamos nos perguntando o porquê de algumas coisas acontecerem. “Como pode Deus permitir que aquela criança tenha uma doença tão horrível? Por que Deus deixa que ideologias tão maléficas triunfem nas mais diversas nações? Como é possível que as pessoas más não recebam punição alguma por todos os males que causam”? Sem dúvida essas questões já passaram pela cabeça de todos em algum momento e a verdade é que, de fato, nunca temos uma resposta concreta para dar a não ser a da Fé.
No dia do Juízo Final, contudo, todas essas dúvidas serão esclarecidas. Este será o dia em que veremos como a bondosa mão do Senhor guiava todos os nossos passos e permitia até as coisas mais aparentemente nefastas unicamente para o nosso bem. Tudo aquilo que nos confunde, tenta a nossa fé e nos desmotiva ficará transparente à Verdade de Deus. Ali, “conheceremos o sentido último de toda a obra da criação e de toda a economia da salvação, compreenderemos os caminhos admiráveis pelos quais sua Providência terá conduzido tudo para seu fim último. O juízo final revelará que a justiça de Deus triunfa de todas as injustiças cometidas por suas criaturas e que seu amor é mais forte do que a morte” (CIC,1040).
NADA SERÁ EM VÃO
Vivamos, portanto, com fé, esperança e caridade, sabendo que todas as nossas boas ações, orações e sacrifícios não serão em vão. A realidade dos Novíssimos faz-nos indescritivelmente felizes: saber que nossa história não acaba aqui, que este mundo de sofrimento não é o fim é motivo de extrema alegria! Que nós persigamos todos os dias cumprir a vontade de Deus com amor sincero espelhando-nos sempre no exemplo da santíssima Virgem Maria, que não apenas realizou em tudo a vontade de Deus — “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38) —, como também ensina a Igreja inteira a fazer o mesmo: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).







