Na perspectiva do humanismo cristão, a pessoa existe e se realiza sempre em sociedade. Toda pessoa tende, por natureza, à doação e à participação, de modo a estar, por sua essência, orientada para o outro e para a sociedade. De fato, muitas vezes quando vemos outras pessoas que estão em uma situação pior do que a nossa, sentimo-nos impelidos a ajudá-las, compartilhando algo que é nosso.
Assim, as pessoas se organizam na sociedade em grupos dentro de um contexto de comunhão e afinidades, para responder às necessidades profundas na realidade; esses grupos nascem de uma atenção e consideração ao outro. A despeito do individualismo e egoísmo existentes, o ser humano é capaz de ser altruísta e mesmo de não ficar apenas nas atitudes pontuais ou em um sentimento de compaixão vago, mas ter um compromisso permanente de ser solidário. Claro que essas organizações sociais não são lugares idílicos, livres do erro ou do egoísmo. Elas podem ser, porém, espaços em que uma educação contínua ajuda todos a crescer, a alcançar uma percepção de si mesmo e da realidade, defendendo-o contra a mentalidade egoísta e individualista.
A amizade social, expressão cara ao Papa Francisco e tema da Campanha da Fraternidade 2024 – “Fraternidade e amizade social” – indica “uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente da sua proximidade”, superando os limites de geografia e espaço (Fratelli tutti, FT 1). É assim que seremos realmente “uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e que cuidam uns dos outros.” (FT 96) por meio de ações e projetos, sejam individuais, sejam coletivos.
Entretanto, para a consolidação dessa amizade social é necessário mais do que propor ou executar ações benéficas pontuais. A Doutrina Social da Igreja nos ajuda a entender mais sobre isso, principalmente como o protagonismo das pessoas e das organizações sociais pode ser importante para uma solidariedade e fraternidade eficazes na vida social.
É a consciência de destino comum que torna possível a solidariedade e a fraternidade. Cada um de nós cresce em valor e dignidade quando investe as suas capacidades na promoção do outro. A solidariedade e fraternidade implicam que aqueles que têm mais devem ser responsáveis pelos mais fracos e estar dispostos a compartilhar com eles o que possuem. Por seu lado, os mais fracos não devem adotar um atitude meramente passiva ou destrutiva do tecido social; mas fazer o que lhes compete para o bem de todos. É uma responsabilidade de todos para com todos, defendendo o protagonismo também dos mais necessitados, para que eles sejam autossuficientes.
Por essa razão, a amizade social acontece, de fato, quando o protagonismo das pessoas na resolução dos problemas sociais é respeitado. Cada pessoa ou organização social deve ter autonomia, criatividade e liberdade para decidir e atuar na realidade de acordo com seus valores e crenças, construindo o bem comum. Significa, enfim, reconhecer a capacidade de cada ser humano e sua comunidade de ser sujeito de sua própria história.
Assim, para que possamos caminhar rumo à amizade social, é imprescindível, portanto, que todos reconheçamos o valor do ser humano (FT 106-108) e levemos em conta o bem maior, baseado na benevolência, isto é, no “querer bem” ao outro (FT 112-113). A amizade social implica acolher a todos, incluindo os pobres, os abandonados, os doentes e os últimos da sociedade, sempre alimentada pelo senso de justiça, do cuidado do bem comum e da construção de uma cultura do diálogo, da reconciliação e da paz – mas sempre levando em consideração o fazer com, mais do que o fazer para.