A caridade social e os deveres do Estado

A ‘caridade social’ tem implicações políticas inevitáveis, ao mesmo tempo que tem sua especificidade como tarefa da Igreja, conforme mostra Bento XVI nas passagens a seguir da Deus caritas est (DCE 28-29).

“O amor — caritas — será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do humano como humano. Sempre haverá sofrimento que necesita de consolação e ajuda. Haverá sempre solidão. Existirão sempre também situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo. Um Estado que queira prover tudo e tudo açambarque, torna-se no fim de contas uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor – todo o homem – tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda. A Igreja é uma destas forças vivas: nela pulsa a dinâmica do amor suscitado pelo Espírito de Cristo. Este amor não oferece aos homens apenas uma ajuda material, mas também refrigério e cuidado para a alma – ajuda esta muitas vezes mais necessária do que o apoio material. A afirmação de que as estruturas justas tornariam supérfluas as obras de caridade esconde, de fato, uma concepção materialista do homem: o preconceito segundo o qual o homem viveria ‘só de pão’ (Mt 4, 4; cf. Dt 8, 3) – convicção que humilha o homem e ignora precisamente aquilo que é mais especificamente humano […]

A formação de estruturas justas não é imediatamente um dever da Igreja, mas pertence à esfera da política […] É missão dos fiéis leigos configurar retamente a vida social, respeitando a sua legítima autonomia e cooperando, segundo a respectiva competência e sob própria responsabilidade, com os outros cidadãos. Embora as manifestações específicas da caridade eclesial nunca possam confundir-se com a atividade do Estado, no entanto a verdade é que a caridade deve animar a existência inteira dos fiéis leigos e, consequentemente, também a sua atividade política vivida como ‘caridade social’.

Caso diverso são as organizações caritativas da Igreja, que constituem em seu opus proprium, um dever que lhe é congênito, no qual ela não se limita a colaborar colateralmente, mas atua como sujeito diretamente responsável, realizando o que corresponde à sua natureza. A Igreja nunca poderá ser dispensada da prática da caridade como atividade organizada dos crentes, como aliás nunca haverá uma situação em que não seja preciso a caridade de cada um dos indivíduos cristãos, porque o homem, além da justiça, tem e terá sempre necessidade do amor”.

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