A defesa da vida e o desejo no nosso coração 

O que o ser humano mais deseja, no fundo de seu coração, é uma acolhida à vida, cheia de ternura. Mas, nos momentos mais difíceis e sofridos, como esse desejo pode se manifestar?

Picasso, Mãe e criança (1902)

Se uma mulher muito querida de nossa família, uma filha, irmã, esposa…, sofresse um estupro e engravidasse, o que desejaríamos para ela? Nos debates que acontecem na sociedade, são ofertadas duas opções, abortar ou não abortar, quando muito uma terceira opção no caso de dar ou não a criança para adoção. Objetivamente, são estas as opções. Todas elas, porém, nos deixam com um gosto amargo na boca: nenhuma delas parece corresponder plenamente às exigências mais profundas de nosso coração. Queremos algo mais, procuramos um bem maior, mas qual seria?

Para um justo discernimento sobre aquilo que verdadeiramente nos faz felizes, que verdadeiramente nos realiza, temos que aprender a comparar tudo com as exigências mais profundas de nosso ser, com aqueles grandes desejos que nascem do mais íntimo de nosso coração. Na prática, não costumamos fazer essa comparação. Por comodismo, medo da desilusão, atração por objetivos mais palpáveis, influência da mídia, nos conformamos com a satisfação de desejos imediatos e parciais – que podem até ser bons e justos, mas não correspondem à sede de amor e plenitude que se aninha em nosso ser. Nos momentos mais dramáticos da vida, contudo, só nossas exigências mais fundamentais parecem fazer sentido, ainda que nós muitas vezes, desorientados pela banalidade do cotidiano, não saibamos nem mesmo formulá-las.

Essa confusão, essa desorientação, é a responsável pela indefinição da resposta à pergunta acima formulada. O que desejaríamos para aquela mulher tão amada, tão profundamente ferida? No fundo de nosso ser, o que desejaríamos é a possibilidade de superação de toda dor, que o dia fatídico pudesse ser apagado da história do mundo ou, algo aparentemente tão impossível quanto isso: que do mal pudesse nascer o bem, que a ressurreição pudesse vir após a cruz, que a ternura de um amor maior fosse capaz de preencher totalmente o coração ferido daquela mulher e o futuro incerto de sua criança.

Bento XVI, perguntado sobre o direito ao aborto, respondeu que a grande questão era a capacidade de fazer renascer a esperança no futuro e a consciência da beleza da vida – e que essa era a mensagem importante dada pela Igreja (cf. entrevista na volta de sua viagem ao Brasil para a Conferência de Aparecida). Na Gaudium et spes (GS 22) é dito que só Cristo nos revela plenamente a nós mesmos. Aqui temos um exemplo claro disso: diante de uma situação dramática, nosso coração anseia por um amor infinito e reparador, algo realmente impossível para a capacidade humana, uma exigência que só conseguimos formular à luz de uma Presença que experimentamos de maneira concreta, ainda que misteriosa, e que nos corresponde plenamente.

Esse verdadeiro milagre não acontece como passe de mágica ou êxtase intimista. Mesmo que se manifeste de forma surpreende, inesperada, ele acontece por meio de uma companhia humana, por meio da qual Deus nos acolhe e nos ensina a descobrir Sua presença, nos sinais concretos que Ele nos dá cotidianamente. A vida em comunidade é o espaço óbvio para esse aprendizado, mas a radical acolhida daqueles que sofrem, daqueles que precisam ser amados de forma prática e concreta, é o locus da lição mais radical e profunda desse aprendizado.

Em muitas obras sociais se realiza essa acolhida cheia de amor para com a gestante e seu filho. Aqueles que passam por essa experiência, acolhendo ou sendo acolhidos, podem testemunhar como o fato de ser amado e acolhido permitiu a muitas mães a possibilidade de terem seus filhos, nas condições mais dolorosas e difíceis, e serem felizes porque na dor encontraram esse Amor maior.

As legislações em defesa da vida são justas e necessárias, mas precisamos de mais, se queremos encontrar as formas mais humanas de defender a vida. Matar o nascituro não responde ao desejo mais profundo do coração da mãe e daqueles que a amam, mas ela precisa encontrar um amor que a acolha, que a ajude a superar as dificuldades, as suas imensas dores e sofrimentos, tenham essas a origem que tiverem, para poder manter essa gravidez até o fim, com esperança e confiança na beleza da vida. O respeito a uma justa norma ética (a defesa da vida em todas as condições) acarreta um necessário anúncio do amor que acolhe tanto no plano material quanto no afetivo e no espiritual.

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