No coração de todo ser humano existe um desejo de Infinito, uma exigência de bem, de felicidade, de realização e liberdade que só encontra sua devida posição no encontro com Deus. Longe dessa postura, deturpa-se em amores egoístas, projetos de poder, frustrações e ambiguidades de quem não consegue aceitar a própria natureza humana. Do mesmo modo, intuímos em nós uma “dignidade infinita”, que a Igreja anuncia apesar de todo limite, toda incapacidade e de todo pecado que possa existir em nós. Uma dignidade que nos faz afirmar que a vida de toda pessoa é sagrada e a nos comprometermos com o seu bem.
O magistério cristão, à luz da Revelação, apresenta a dignidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus e redimida em Cristo Jesus, como ontológica, isto é, constitutiva e inalienável de sua natureza (cf. declaração Dignitas infinita, DI 1). Essa não é uma constatação apenas confessional: a razão humana, por si mesma, é capaz de descobrir essa dignidade constitutiva da pessoa (DI 6), ainda que exista uma progressiva tomada de consciência de sua importância ao longo da história (DI 10ss). Não faltam, contudo, em nossos tempos, tanto omissões quanto incompreensões em relação à plena realização dessa dignidade na vida social (DI 7, 24 e 25).
Cabe, portanto, por ocasião da publicação desta declaração, a pergunta: o que a própria comunidade católica pode aprender, em suas lutas na defesa da dignidade da pessoa humana, neste período que Norberto Bobbio denominou “época dos direitos”, supostamente marcado pela crescente consciência dessa dignidade? Sem desejar esgotar o tema, podemos constatar que se torna cada vez mais evidente a afirmação da Gaudium et spes: “O mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente” (GS 22). Nas palavras do Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI): “ao descobrir-se amado por Deus, o homem compreende a própria dignidade transcendente, aprende a não se contentar de si e a encontrar o outro, em uma rede de relações cada vez mais autenticamente humana” (CDSI 4).
A dignidade é um dado ontológico, isso não significa que seja óbvia, instintiva, imediatamente compreensível em todas as suas implicações. Descobrimos nossa própria dignidade ao nos percebermos amados e importantes para um outro. À luz desse amor, vamos nos dando conta dos vários aspectos dessa dignidade, aprendemos a conciliar direitos e deveres, entendemos que existe aquilo que nos convém e aquilo que não nos convém (mesmo que seja possível). Crescendo nesse amor, desenvolvemos nossa empatia pelo outro, percebemos que o desrespeito à sua dignidade fere também a nós, nos damos conta da falsidade por trás dos argumentos ideológicos que procuram legitimar as injustas desigualdades entre as pessoas.
Além disso, as polarizações políticas e as tentativas de instrumentalização ideológica que sofrem as comunidades cristãs mostram a urgência de uma percepção integral das implicações da dignidade inalienável da pessoa humana. Ainda que a militância sociopolítica implique, forçosamente, um empenho maior em um campo ou outro, os cristãos são chamados sempre a se comprometer com todas as implicações dessa dignidade. O anúncio perde sua força e se deixa manipular ideologicamente toda vez que se reduz a apenas uma de suas justas dimensões, seja a defesa da vida do nascituro, seja a luta contra a pobreza ou a denúncia do uso inadequado das redes sociais. Por isso, 26 dos 66 tópicos de Dignitatis infinita são dedicados a explicitar 13 graves violações à dignidade da pessoa em nossos tempos. Não se trata de uma lista exaustiva, mas nos ajuda a ter uma visão integral do tema.
Vivemos em um tempo em que muito se fala do amor, em que todos professam a liberdade para amar, mas no qual pouco se sabe sobre o verdadeiro amor. Por isso, o anúncio do amor gratuito de Deus por cada um de nós, não como afirmação apriorística abstrata, mas como experiência viva de uma imensa ternura que envolve a cada um, é fundamental para uma justa compreensão do que é a dignidade ontológica da pessoa. Por mais necessárias que sejam as explicitações racionais, de caráter universal e normativo, elas não serão credíveis sem o anúncio e o testemunho de um Amor que transcende os nossos próprios limites.
A força da proclamação da dignidade da pessoa humana, tal como anunciada pelo magistério católico, se torna incompreensível, nesses nossos tempos, sem um gesto prévio de amor, um abraço que acolhe a fragilidade, as incoerências e os limites da condição humana, seja no plano material, seja no afetivo-espiritual. É esse gesto de amor que tanto permite a compreensão do que é a verdadeira dignidade, em todas as suas dimensões, quanto confere a autoridade moral para denunciar as graves violações sofridas por essa dignidade em nossos tempos.