Cerca de sessenta anos depois da publicação da Pace in terris, em 2022, o número de conflitos bélicos no mundo foi o maior desde a Segunda Guerra Mundial. Na maioria, são conflitos internos aos países, envolvendo diferenças étnicas e religiosas, quase sempre associadas ao desrespeito pelos direitos das minorias e/ou à pobreza e à disputa por recursos materiais escassos. Em 2008, 29 países vivenciavam esses conflitos. Em 2022, eram 38. A Organização das Nações Unidas estima que, atualmente, dois bilhões de pessoas, ou um quarto da população mundial, vivem em áreas afetadas por conflitos. O número de deslocados forçados em todo o mundo aumentou de 31 milhões em 2008 para mais de 88 milhões em 2022. Estima-se que cerca de 274 milhões de pessoas precisam ou virão a precisar em breve de assistência humanitária devido a conflitos. Existem 17 países nos quais pelo menos 5% da população está refugiada ou deslocada. O Sudão do Sul tem mais de 35% de sua população deslocada, enquanto a Somália e a República Centro-Africana têm mais de 20%.
Estima-se que, em 2021, no mundo todo, o custo da violência (inclui guerras e ameaças à segurança individual) foi de US$ 16,5 trilhões, ou 10,9% do PIB global, cerca de US$ 2.117 por pessoa. Esse cálculo incluindo tanto as perdas e os gastos com conflitos bélicos, armamentos e despesas militares (cerca de 76% do total) quanto com a violência interpessoal (assaltos, homicídios etc.) e sua contenção (prisões, segurança privada etc.). Os gastos com segurança e despesas militares totalizaram cerca de US$ 12 trilhões, ou seja, US$ 1.540 por pessoa.
A gritante desigualdade. Para os dez países mais afetados pela violência e pela guerra, o impacto econômico médio da violência foi equivalente a 34% do PIB, ante 3,6% nos países menos afetados. Desde 2008, os 25 países menos pacíficos pioraram de situação, enquanto os 25 países mais pacíficos melhoraram.
A maioria dos conflitos acontece na Ásia e na África. Nesses dois continentes, são cerca de uma centena de conflitos armados ocorrendo atualmente, a grande maioria interno aos países, apesar de frequentemente sofrerem com intervenções de potenciais estrangeiras. No conjunto, essas regiões correspondem também às áreas onde existem mais perseguições e a liberdade religiosa está mais ameaçada no mundo. Alguns conflitos são bem noticiados, como os da Síria, um dos países mais afetados no mundo, mas outros passam quase despercebidos, como o de Mianmar e o da Etiópia.
Os principais conflitos armados da América Latina ocorrem no México e na Colômbia. Um dado significativo, em nosso continente, é a estreita associação entre tais conflitos, grupos criminosos organizados e cartéis do narcotráfico. Alguns analistas colocam também o Brasil no mapa dos conflitos internacionais, por causa dos embates entre organizações criminosas, tanto nas disputas por espaço quanto nas chacinas cometidas em prisões.
A Europa e a América do Norte são os continentes mais pacíficos da atualidade. Mesmo assim, o maior conflito armado internacional de hoje é europeu: a guerra entre Rússia e Ucrânia. É, de longe, aquele que mais vem afetando as economias do mundo, em função do bloqueio econômico à Rússia e da carência de produtos exportados pelos dois países.
O desenvolvimento e a paz. Esse quadro internacional mostra a íntima relação entre paz e desenvolvimento humano integral, tema de uma encíclica que sucedeu à Pace in terris, a Populorum progressio (PP, de 1967), de São Paulo VI. Não se trata apenas de uma questão econômica, de combate à pobreza material. Esse combate, sem dúvida, é um dos pilares da construção da paz, pois populações em situações de carência serão muito mais facilmente arrastadas para conflitos justificados por questões étnicas ou religiosas, mas que, na verdade, são disputas cruéis por recursos escassos. Contudo, a questão socioeconômica, por si só, é insuficiente para a realização da paz. O desenvolvimento humano deve incluir uma cultura do encontro e do diálogo entre diferentes, uma participação política justa e democrática – deve atender, todas as pessoas, na totalidade de suas dimensões (PP 14), para que o desenvolvimento possa ser realmente o nome da paz (cf. PP 76ss).
Stephen M. Walt, professor de relações internacionais na Universidade de Harvard, observou que existe uma relação recíproca entre paz e desenvolvimento. É verdade que países pobres têm maior probabilidade de enfrentar conflitos, mas também é verdade que a paz cria condições adequadas para o desenvolvimento das nações. Por outro lado, lembra Walt, é cada vez mais incerto que um país agressor tenha ganhos significativos com uma guerra. Mesmo grandes potências militares, como Rússia e Estados Unidos, tendem a se ver em lodaçais intermináveis, com perdas de vidas, gastos elevados, descrédito político e criação de novos conflitos. Tem sido assim no Vietnã, no Oriente Médio e agora na Ucrânia.
O mundo contemporâneo, com sua rapidez de comunicação e de relacionamentos políticos e econômicos entre as nações, a atuação dos organismos internacionais, o custo e o risco crescente da corrida armamentista, a facilidade crescente de organização de grupos insurgentes e de novas estratégias de combate, tem mais recursos e mais consciência da necessidade de construir a paz. Contudo, isso não torna o apelo da Pacem in terris menos atual ou menos urgente.