A organização da caridade, desde a paróquia até a diocese e a Igreja universal

Nos gestos e obras que nascem da caridade, cada cristão tem a possibilidade de descobrir que o sentido da vida de cada um, tanto sua quanto daqueles que são assistidos, é o próprio Cristo e seu amor por nós. Assim, na comunhão eclesial, cada um é continuamente chamado a praticar a caridade, seja individualmente, seja em comunidade, indo das ações mais simples e imediatas às obras mais complexas, com alcance mundial.

Luciney Martins/O SÃO PAULO

A globalização vem tornando as pessoas mais próximas e interdependentes, sem suscitar, entretanto, uma interação ética, em que prevaleça a fraternidade e a solidariedade entre os diversos grupos de interesses ou carências. Inúmeros sofrimentos e dramas sociais ao redor do mundo – e ao nosso lado – que poderiam ser atenuados com tanto progresso, tornaram-se ainda mais dramáticos.

Como consequência da crescente assimetria social no mundo todo, “a multidão de famintos, composta de crianças, mulheres, anciãos, migrantes, deslocados, desempregados, dirige-nos o seu grito de dor. Imploram-nos, esperando ser ouvidos. (João Paulo II, Mensagem para a Quaresma, 1996). Mais ainda, esses que vivem mais duramente as desventuras e misérias da vida, desamparados, desprotegidos ou ameaçados, são vistos e tidos como um fardo. Assim, será o outro suficientemente importante para que por ele eu sinta compaixão? A forma como cada um, na sua intimidade, responde a essa pergunta, determina a grandeza da humanidade. Na essência da resposta está a capacidade de reconhecer e respeitar a eminente dignidade de si próprio e de todas as outras pessoas. O bom samaritano indicou o critério da medida da universalidade da “caridade operosa”, ao inclinar-se para prestar a uma pessoa desconhecida o socorro que ela precisava naquele momento (cf. Lc 10,31). Lembrando Bento XVI, “não há desenvolvimento pleno nem bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua totalidade de alma e corpo.” (Caritas in veritate, CV 76).

A caridade organizada. Em contraponto, é um imenso alento saber que incontáveis pessoas, de todos os campos de atividade, demonstram perseverança cotidiana para colaborar com a construção do bem comum; que tantas instituições estão envolvidas no acolhimento ou promoção às parcelas mais carentes da sociedade.

É da natureza íntima da Igreja Católica viver o testemunho da caridade, em vista da justiça, paz e desenvolvimento, concretizadas em obras com atenção especial ao bem integral da pessoa humana. Sua relação com toda a sociedade acontece por meio de sua estrutura eclesial, somada às muitas entidades caritativas católicas e com a fundamental participação laboriosa dos leigos. A Doutrina Social da Igreja traz o embasamento para um discernimento espiritual e moral, para fazer leitura cristã e aproximação pastoral à realidade humana. Porém, para evitar dispersão ou redundância de recursos humanos, materiais ou financeiros, é necessária uma organização articulada do serviço caritativo.

Estrutura eclesial da caridade organizada. Cabe primariamente à diocese, presidida pelo bispo, a missão de organizar, acompanhar e dinamizar as iniciativas de caridade social ligadas à Igreja Católica. O projeto pastoral da diocese envolve a participação de suas paróquias, das entidades dedicadas a variadas demandas da sociedade, de movimentos ou associações cristãos, além da colaboração de leigos voluntários, sempre com o compromisso de otimizar e conseguir a melhor efetividade para os resultados planejados. No seu esforço, precisa enfrentar o desafio de se manter como um corpo único, incentivando o testemunho envolvente da caridade. Nesse sentido, destaca-se sua responsabilidade precípua de ser um “observatório” da sociedade civil e do poder público, com liberdade e força para denunciar as carências sociais e aquilo que poderia estar impedindo (ou desvirtuando) a promoção da justiça social, mas sem prejuízo de se manter presente, com criatividade pastoral e independência de partidos políticos e ideologias, nas ações políticas, sociais e econômicas em favor do desenvolvimento sustentável, para a sociedade inteira.

Já as paróquias são a Igreja visível para a população. Paróquia provém do grego: “casa ao lado”; com o sentido de proximidade, ao lado da casa (da Igreja, de Deus). Nela, mais concretamente, a Igreja se mostra “casa e escola de comunhão” (cf. Documento de Aparecida, DAp 158).

Nessa “casa”, cada pessoa deve se sentir verdadeiramente acolhida, confortável para expor suas necessidades, ofertas ou ambições, com a segurança de que encontrará um ambiente em que será considerada pessoa real e preciosa, independentemente de sua ideologia, cultura ou condição sócio-econômica. Como casa, também é o lugar do diálogo sincero, onde o pároco se coloca com disponibilidade para ouvir, com solicitude cordial, as ideias, experiências e os sentimentos das pessoas. Essa partilha é uma ocasião preciosa para o testemunho evangélico, ao mesmo tempo em que se colhe demandas da comunidade.

Evangelizar também implica testemunhar o amor de Jesus Cristo por meio do envolvimento pessoal com a comunidade, em projetos e ações transformadoras, que lhes propiciem maior justiça e sirvam de estímulo para toda a sociedade. Com a luz da Doutrina Social da Igreja, a comunidade deve levar em conta a complexidade pessoal e social de cada um e, valorando o bem individual, planejar o caminho de crescimento de todos.

No seio de todo o trabalho caritativo, vale destacar o papel dos voluntários leigos cristãos. Sua presença transpassa toda estrutura eclesial e é uma importante expressão de apostolado da Igreja. A pessoa empenhada no trabalho de voluntariado, ao conjugar sua capacidade profissional e seu tempo com a solicitude de um amor generoso e gratuito, dá a si próprio. A dedicação ao voluntariado torna-se uma “escola de realismo duro da vida”, por isso se pode dizer que “educar na caridade é ajudar a pessoa a ser ela mesma”.

A caridade organizada no mundo

A Igreja Católica é o maior provedor não governamental de educação e serviços médicos do mundo. No campo da educação e da formação em 2021, a Igreja administrava:

  • 74.368 jardins de infância em todo o mundo, frequentados por 7.565.095 alunos;
  • 100.939 escolas primárias para 34.699.835 alunos;
  • 49.868 escolas secundárias para 19.485.023 alunos;
  • Acompanhava 2.483.406 alunos de ensino médio e 3.925.325 estudantes universitários.

As instituições de saúde, caridade e assistência administradas pela Igreja Católica no mundo incluíam:

  • 5.405 hospitais;
  • 14.205 ambulatórios;
  • 567 hospitais de hanseníase;
  • 15.276 lares para idosos, doentes crônicos e deficientes;
  • 9.703 orfanatos;
  • 10.567 creches;
  • 10.604 centros de aconselhamento matrimonial;
  • 3.287 centros de educação ou reeducação social;
  • 35.529 outros tipos de institutos sociais.

(Fonte: Anuário Estatístico da Igreja, em VaticanNews)

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