Ao longo da história, inúmeros cristãos dedicaram-se a contruir obras para aliviar o sofrimento dos que viviam na pobreza, defendê-los e promovê-los. Em 1891, particularmente provocada pela situação dos trabalhadores que viviam em situação de “miséria imerecida” devido aos efeitos da revolução industrial, a Igreja daria início a uma reflexão sistemática sobre a realidade social, com a Rerum Novarum, de Leão XIII. A preocupação com a pobreza esteve presente nos magistérios de Pio XI, Pio XII e João XXIII, bem como nos documentos do Concílio Vaticano II, em especial a Gaudium et Spes (1965), e a Populorum Progressio (1967), de São Paulo VI.
São João Paulo II, em suas várias encíclicas sociais, aprofundou a compreensão dos sistemas econômicos e políticos, de tal forma que a Doutrina Social, sem ignorar a responsabilidade moral de cada pessoa, foi incorporando também a análise das consequências das “estruturas de pecado”, aquelas situações e contextos sociais injustos e que aviltam a dignidade da pessoa humana (Sollicitudo Rei Socialis, SRS 36-40; CDSI 119). Na Evangelium vitae (EV), obra maior da defesa da vida, ele escreveu: “Como não pensar na violência causada à vida de milhões de seres humanos, especialmente crianças, constrangidos à miséria, à subnutrição e à fome, por causa da iníqua distribuição das riquezas entre os povos e entre as classes sociais?” (EV 10).
Com as mudanças econômicas, as revoluções políticas e o desenvolvimento tecnológico, a pobreza adquiriu novas formas. Em resposta aos novos desafios, a Igreja continuou a denunciar a pobreza extrema, questionando os mecanismos econômicos geradores de exclusão e propondo a reformulação dos sistemas vigen- tes por meio de ações concretas de solidariedade, como fez Bento XVI na Caritas in Veritate (2009), reafirmando a opção preferencial pelos pobres “implícita na fé cristológica”.
Esta opção é uma forma de caridade fundada na Tradição da Igreja, como “imitação da vida de Cristo; mas aplica-se igualmente às nossas responsabilidades sociais, como acerca da propriedade e do uso dos bens” (SRS 42), cuja finalidade última é o bem comum, pois Deus destinou a terra para uso de todos, sem excluir ninguém (cf. CDSI 171).
O Papa Francisco lembra-nos que “o princípio do uso comum dos bens criados para todos é o ‘primeiro princípio de toda a ordem ético-social’, é um direito natural, primordial e prioritário” (Fratelli Tutti, FT 120). Traz à luz a situação de milhares de humanos invisíveis aos olhos de uma sociedade indiferente, vítimas de sistemas econômicos que promovem a exclusão e o descarte de bens e pessoas, acentuando a desigualdade.
Assim, não deve causar estranheza a indignação daqueles que, com realismo, denunciam a existência de pessoas sem acesso à alimentação. São Gregório Nazianzeno já conclamava os cristãos a irem além das palavras. Seu apelo era radical e direto: “Visitar a Cristo, servir Cristo, alimentar, vestir, recolher Cristo nas pessoas dos indigentes” (Sermão XIV, O amor aos pobres, 40).
O flagelo da fome, que condena milhares de pessoas a viver em condições subumanas, num mundo repleto de alimentos, bens e sofisticadas tecnologias, continua presente ainda hoje. Os problemas sociais tornaram-se mais complexos, mas a fome não espera e requer uma resposta urgente. Reconhecer Cristo nos pobres e sofredores e servi-Lo faz parte da missão da Igreja, desde o início (Lumen Gentium, LG 8). Nas primeiras comunidades cristãs, não havia lugar para a indiferença: todos partilhavam os bens (cf. At 4, 34-35) e com a instituição da diaconia organizou-se a assistência continua às viúvas, órfãos, doentes, presos e forasteiros (cf. At 6, 1-5). “O amor da Igreja pelos pobres inspira-se no Evangelho das bem-aventuranças, na pobreza de Jesus e na Sua atenção aos pobres, não só da pobreza material” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 184). Aos Padres da Igreja, a visão dos pobres, que perambulavam em situação de indigência ao lado daqueles que viviam com opulência, sempre gerou indignação. A desigualdade era tida como fruto do pecado individual e os ricos eram exortados a compartilharem seus bens, como administradores dos dons recebidos, ideia que viria a constituir um elemento essencial da Doutrina Social – a destinação universal dos bens (CDSI 182ss). |
ACESSE A ÍNTEGRA DO CADERNO FÉ E CIDADANIA