Adolfo Kolping e os testemunhos daqueles que põem em prática a Doutrina Social da Igreja

Quando acompanhamos a história de testemunhos dos cristãos comprometidos com a questão social, como foi o Beato Kolping, compreendemos as palavras de São João Paulo II: “A Igreja considera sua tarefa fazer com que sejam sempre tidos presentes a dignidade e os direitos dos homens do trabalho, estigmatizar as situações em que são violados e contribuir para orientar as aludidas mutações, para que se torne realidade um progresso autêntico do homem e da sociedade” (Laborem exercens, LE 1). Trata-se de um compromisso ético, pois “todos os compromissos decorrentes da doutrina social da Igreja derivam da caridade que é – como ensinou Jesus – a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36- 40)”, como lembra o Papa Francisco (Fratelli tutti, FT 181), citando Bento XVI (Caritas in veritate, CV 2).

Neste ano, a Obra Kolping, uma organização social católica fundada em 1849, na Alemanha, completa um século de presença no Brasil. Esse aniversário é uma boa ocasião para um pequeno mergulho na história da Doutrina Social da Igreja. Adolfo Kolping (1813-1865), beatificado por São João Paulo II em 1991, fundador da organização, foi um sacerdote alemão que se dedicou à questão social e, particularmente, à condição dos operários no contexto do capitalismo industrial do século XIX. Apesar (ou, talvez, exatamente em função) das imensas mudanças da economia, da política e das condições laborais desde esse período, podemos – nesse mergulho – nos dar conta daquilo que é perene no ensinamento social católico, tal como, esperamos, se torna claro nos artigos deste Caderno Fé e Cidadania.

Para começar, percebemos que a Doutrina Social da Igreja não é uma teoria abstrata, nascida de algumas mentes – quiçá até santas e geniais, mas descoladas do mundo real. Pelo contrário, é o fruto da experiência concreta de tantos cristãos que, ao longo da história, dão sua vida pelo bem dos irmãos, particularmente daqueles que mais sofrem, um diálogo entre a reflexão teológica e os desafios e experiências dos cristãos engajados na construção do bem comum. Vemos que, quando o Papa Leão XIII escreveu sua Rerum Novarum – sobre a condição dos operários (1891), estava já amparado por uma longa história de lutas sociais e reflexões levadas adiante pelos católicos, motivados pela difícil condição de vida dos trabalhadores daquela época.

Esses cristãos são “gente de Igreja”, não por viverem enfurnados nos templos e nas sacristias, mas, sim, porque, pelo contrário, estão o tempo todo no mundo, motivados pela experiência do encontro com Cristo que os leva a amar seus irmãos, lutar por justiça e construir o bem comum. Os princípios da Doutrina Social da Igreja não são confessionais. Uma pessoa não precisa ser católica para lutar pela justiça, defender a família, amparar os pobres e os fracos. Em teoria, todo ser humano tem esses anseios em seu coração e, se honesto consigo mesmo, se esforçará para realizá-los. Contudo, essa “gente da Igreja” se compromete a partir de seu encontro com Cristo, que lhes desperta aquilo que têm de mais profundo e verdadeiro – e isso se manifesta em algumas posições e em alguns momentos, não como pretensão ou sectarismo, mas como convite a uma humanidade mais alargada.

Entre essas posições “características” da experiência cristã, podemos salientar três, bem ilustradas pelo testemunho do Padre Kolping. Em primeiro lugar, a dedicação à promoção humana, pois os cristãos acreditam que a transformação das estruturas depende de pessoas preparadas e comprometidas com um futuro melhor para si e para toda a sociedade. Daí, em segundo lugar, o eterno retorno ao tema da família, fundamental para o desenvolvimento da pessoa. E, por último, a criação de obras sociais que permitam o desabrochar do novo a partir do protagonismo da pessoa e da comunidade em que está inserida.

O Papa Bento XVI, em pleno século XXI, observou: “Os atores e as causas tanto do subdesenvolvimento quanto do desenvolvimento são múltiplos, as culpas e os méritos são diferenciados. Este dado deveria induzir-nos a libertarmo-nos das ideologias que simplificam, de forma frequentemente artificiosa, a realidade, e levar-nos a examinar com objetividade a consistência humana dos problemas […] Continua ‘o escândalo de desproporções revoltantes’ (Populorum progressio, PP 9). Infelizmente, a corrupção e a ilegalidade estão presentes tanto no comportamento de sujeitos econômicos e políticos dos países ricos, antigos e novos, quanto nos próprios países pobres. No número de quantos não respeitam os direitos humanos dos trabalhadores, contam-se às vezes grandes empresas transnacionais e também grupos de produção local” (CV 22).

Que nós também possamos estar a altura do testemunho de pessoas como Adolfo Kolping, comprometendo-nos com a dignidade de nossos irmãos e com a construção do bem comum.

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