Bento XVI e Francisco explicam a esperança

Apresentamos, a seguir, trechos selecionados da encíclica Spe salvi (SS), de Bento XVI, e da bula Spes non confundit (SNC), de Francisco, para a proclamação do Jubileu de 2025. Esta seleção não quer resumir os documentos, mas apenas mostrar a relação que os papas traçam entre a esperança e nossos problemas no mundo de hoje.

A fé, a caridade e a esperança orientam o Bom Governo
Detalhe de obra Alegoria do Bom Governo de Ambrogio Lorenzetti, Florença – Itália

A ESPERANÇA EM NOSSO CORAÇÃO

Todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expectativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã. Porém, essa imprevisibilidade do futuro faz surgir sentimentos por vezes contrapostos: desde a confiança ao medo, da serenidade ao desânimo, da certeza à dúvida. Muitas vezes, encontramos pessoas desanimadas que olham, com ceticismo e pessimismo, para o futuro como se nada lhes pudesse proporcionar felicidade (SNC 1).

O ser humano, na sucessão dos dias, tem muitas esperanças – menores ou maiores – distintas nos diversos períodos da sua vida. Às vezes, pode parecer que uma dessas esperanças o satisfaça totalmente, sem ter necessidade de outras. Na juventude, pode ser a esperança do grande e terno amor; a esperança de uma certa posição na profissão, deste ou daquele sucesso determinante para o resto da vida. Mas quando essas esperanças se realizam, resulta com clareza que na realidade, isso não era a totalidade. Torna-se evidente que o homem necessita de uma esperança que vá mais além. Vê-se que só algo de infinito lhe pode bastar, algo que será sempre mais do que aquilo que ele alguma vez possa alcançar (SS 30).

A época moderna desenvolveu a esperança da instauração de um mundo perfeito que, graças aos conhecimentos da ciência e a uma política cientificamente fundada, parecia tornar-se realizável […] Esta parecia finalmente a esperança grande e realista de que o homem necessita. Estava em condições de mobilizar – por um certo tempo – todas as energias do homem; o grande objetivo parecia merecedor de todo o esforço. Mas, com o passar do tempo, fica claro que essa esperança escapa sempre para mais longe. Primeiro, deram-se conta de que esta era talvez uma esperança para os homens de amanhã, mas não uma esperança para si próprios. E, embora o elemento “para todos” faça parte da grande esperança – com efeito, não posso ser feliz contra e sem os demais – o certo é que uma esperança que não me diga respeito pessoalmente não é uma verdadeira esperança […] Apesar de ser necessário um contínuo esforço para melhorar o mundo, um amanhã melhor não pode ser o conteúdo próprio e suficiente da nossa esperança. E, sempre a este respeito: Quando é “melhor” o mundo? Com qual critério se pode avaliar o seu ser bom? E por quais caminhos se pode alcançar esta “bondade”? (SS 30).

A ESPERANÇA QUE NASCE DA FÉ

“Uma vez que fomos justificados pela fé, estamos em paz com Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo. Por Ele, tivemos acesso, na fé, a esta graça na qual nos encontramos firmemente e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus (…). Ora, a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 1-2.5) […] Com efeito, a esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do Coração de Jesus trespassado na cruz […] Na verdade, é o Espírito Santo, com a sua presença perene no caminho da Igreja, que irradia nos crentes a luz da esperança […] Com efeito, a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino […] Essa esperança não cede nas dificuldades: funda-se na fé e é alimentada pela caridade, permitindo, assim, avançar na vida (SNC 2-3).

Na Carta aos Hebreus (Hb 11, 1), encontra-se uma certa definição da fé que entrelaça estreitamente esta virtude com a esperança […] “A fé é hypostasis das coisas que se esperam; prova das coisas que não se veem”. Para os Padres e para os teólogos da Idade Média, era claro que a palavra grega hypostasis devia ser traduzida em latim pelo termo substantia […]. A fé é a “substância” das coisas que se esperam; a prova das coisas que não se veem […] uma predisposição constante do espírito, em virtude do qual a vida eterna tem início em nós e a razão é levada a consentir naquilo que não vê. [Pela fé] já estão presentes em nós as coisas que se esperam: a totalidade, a vida verdadeira. E precisamente porque a coisa em si já está presente, esta presença daquilo que há de vir cria também certeza: esta “coisa” que deve vir ainda não é visível no mundo externo (não “aparece”), mas, pelo fato de a trazermos, como realidade inicial e dinâmica dentro de nós, já agora temos uma certa percepção dela […] A fé não é só uma inclinação para realidades que hão de vir, mas estão ainda totalmente ausentes; ela dá-nos algo. Dá-nos já agora algo da realidade esperada, e esta realidade presente constitui para nós uma “prova” das coisas que ainda não se veem. Ela atrai o futuro para dentro do presente, de modo que aquele já não é o puro “ainda-não”. O fato de este futuro existir muda o presente; o presente é tocado pela realidade futura (SS 7).

ESPERANÇA E PACIÊNCIA

A nós, que desde sempre convivemos com o conceito cristão de Deus e a ele nos habituamos, a posse de uma tal esperança que provém do encontro real com Deus quase nos passa despercebida. [… Mas Jesus trouxe] o encontro com o Senhor de todos os senhores, o encontro com o Deus vivo e, deste modo, o encontro com uma esperança que […] transformava a partir de dentro a vida e o mundo […] Apesar de as estruturas externas permanecerem as mesmas, isso transformava a sociedade a partir de dentro. Se os cristãos não têm neste mundo uma morada permanente, mas procuram a futura (cf. Heb 11, 13-14; Fil 3,20), isso não significa o adiamento para uma perspectiva futura: a sociedade presente é reconhecida pelos cristãos como imprópria; eles pertencem a uma sociedade nova, rumo à qual caminham e que, na sua peregrinação, é antecipada (SS 3-4).

São Paulo sabe que a vida é feita de alegrias e sofrimentos, que o amor é posto à prova quando aumentam as dificuldades e a esperança parece desmoronar-se diante do sofrimento […] Mas em tais situações, por meio da escuridão, vislumbra-se uma luz: descobre-se que a evangelização é sustentada pela força que brota da cruz e da ressurreição de Cristo. Isso faz crescer uma virtude, parente próxima da esperança: a paciência [… Hoje em dia ela] foi posta em fuga pela pressa, causando grave dano às pessoas. Com efeito, sobrevêm a intolerância, o nervosismo e, por vezes, a violência gratuita, gerando insatisfação e isolamento […] Redescobrir a paciência faz bem a nós próprios e aos outros […] A paciência – fruto também ela do Espírito Santo – mantém viva a esperança e consolida-a como virtude e estilo de vida. Por isso, aprendamos a pedir muitas vezes a graça da paciência, que é filha da esperança e, ao mesmo tempo, seu suporte (SNC 4).

Detalhe de obra Alegoria do Bom Governo de Ambrogio Lorenzetti, Florença – Itália

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