Cuidar do outro e não se preocupar só consigo mesmo

As práticas de voluntariado, filantropia e caridade são todas muito boas. Constroem a pessoa que as realiza e a nação em que são realizadas. Todas as três, podemos dizer, são gestos de amizade, de quem cuida dos outros e não se preocupa só consigo mesmo. Há, porém, diferenças entre elas, expressas não só ao longo da história, mas, sobretudo, na sua motivação profunda.

Luciney Martins/O SÃO PAULO

A filantropia tem raízes profundas na história da humanidade e é definida como a prática de doar recursos, tempo e esforços para promover o bem-estar humano e melhorar as condições sociais. É um conceito antigo, cujo significado se modificou ao longo dos séculos. A expressão é formada por duas palavras gregas. A primeira é filos, que quer dizer ser amigo. E a segunda é antropo, que quer dizer homem, humanidade. Portanto, literalmente, filantropia é ‘amizade pela humanidade’. No decorrer do tempo, porém, passamos a entender filantropia como ‘ações realizadas em favor do próximo, ou do bem público’. Hoje o termo filantropia é mais empregado para designar a ação de filantropos. Em geral grandes milionários que criam fundações e doam bilhões, com motivações várias, muitas vezes fazendo doações estratégicas, alinhadas com sua atuação empresarial ou com públicos de interesse.

Mobilizando grande número de jovens e adultos, o voluntariado é hoje um instrumento de participação da sociedade civil nos mais diversos domínios de atividade. Esta prática não se restringe ao campo assistencial, mas alarga-se à cultura, educação, justiça, ambiente, desporto e a outras dimensões do nosso quotidiano e responde às questões que continuamente emergem do tecido social, econômico ou político. O Art.º 2.º da Lei n.º 71/98 define voluntariado como um: “conjunto de ações de interesse social e comunitário, realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade, desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas ou privadas”.

A caridade é um termo que nasce com o cristianismo e um modo de viver ao qual todo o cristão é chamado. A diferença entre ela, a filantropia e o voluntariado reside na sua motivação profunda, embora essa diferença não possa ser bem definida, pois a mesma motivação pode estar presente nas três práticas. No caso da filantropia, as doações nem sempre são espontâneas e por motivos apenas humanitários. Companhias e fundações muitas vezes fazem doações estratégicas, já alinhadas com sua atuação ou simpáticas a seus públicos de interesse. O voluntario, por sua vez, é um ator social se sente gratificado ao prestar serviços não remunerados à comunidade. Essas duas formas de cuidar tendem, assim, a ser mais circunstanciais, enquanto a caridade implica um modo de ser e agir em tudo o que se faz. Implica em amar o outro pelo fato dele existir, não porque ele lhe é útil ou lhe dá prazer. Mesmo que essas duas experiências possam estar presentes, elas não são a motivação última da caridade.

Mas como uma pessoa pode amar uma outra pelo simples fato dela existir e não pelos benefícios que ela pode trazer-lhe? Podemos ainda ser mais concretos: quem na história da humanidade amou assim, amou cada pessoa e, portanto, o mundo inteiro, ao ponto de entregar si mesmo totalmente por amor? Deus. O criador do cosmo e de tudo o que existe. Ele, que é amor trinitário, nunca só, mas amor entre três pessoas que se doam sempre. Deus amou tanto o mundo até entregar seu Filho, como gesto puro de amor, fazendo-o entrar na história, para ajudar e salvar quem quisesse se aproximar dele, gratuitamente. Ele é Deus-conosco, o nosso amigo por excelência. Só quem vive o relacionamento de amizade com Ele, pode transmitir a caridade cristã. O bem que fará ao outro, será fruto da experiência de ser amado por Jesus, um amor transbordante que não consegue não se comover com o outro, e mais ainda, com sua dor. Porque descobriu que Alguém se comoveu por ele.

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