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‘Dilexi te’: o amor de Deus pelo pobre e a missão dos cristãos

Com sua primeira exortação apostólica, Leão XIV confirma a continuidade da longa história que associou os pobres à Boa-Nova cristã, desde suas origens. Boa parte do documento é dedicado à recordação de como o amor aos pobres já está presente no Antigo Testamento, na vida de Jesus e nas primeiras comunidades cristãs, chegando, em uma corrente ininterrupta, até os nossos dias. Com isso, o Pontífice deixa claro que a “opção preferencial pelos pobres” não é um modismo ideológico de certo contexto eclesial, mas sim um elemento essencial da vida cristã.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

 O espírito que anima Dilexi te (DT) está bem sintetizado nesta passagem (DT 110): “A realidade é que, para os cristãos, os pobres não são uma categoria sociológica, mas a própria carne de Cristo. Com efeito, não basta limitar-se a enunciar de modo genérico a doutrina da encarnação de Deus. Para entrar verdadeiramente neste mistério, é preciso especificar que o Senhor se faz carne que tem fome e sede, que está doente e na prisão. ‘A Igreja pobre para os pobres começa pelo dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na carne de Cristo, começamos a compreender qualquer coisa, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isso não é fácil!’ (FRANCISCO, Vigília de Pentecostes com os movimentos eclesiais, 18/mai/2013)”.

Superando o ranço de polêmicas ideológicas que remetem ao século XX, encontramos um texto exigente, mas carregado de grande ternura, que nos convida a nos identificarmos cada vez mais com o amor de Cristo pela humanidade ferida, seja como coletividade em geral, seja como pessoas específicas. Existe um vínculo fundamental entre  esta exortação e Dilexit nos, a última encíclica do Papa Francisco, que é um comovente retrato do amor de Deus, expresso na imagem do coração de Jesus aberto em favor de cada um de nós. É este fundamento último, o amor de Deus que se estende a toda a humanidade e a cada ser humano em particular, que motiva o compromisso cristão com os pobres, sem qualquer conotação ideológica ou moralista. Contudo, permanece falha e ilusória toda declaração de amor a Deus que não se manifeste também como amor aos pobres, seja por comodismo pessoal, seja por preconceitos ideológicos ou mesmo um espiritualismo desencarnado. 

O texto apresenta inúmeras citações desta vinculação entre o amar a Deus e o amor ao próximo nos Evangelhos. Por exemplo: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25,40, em DT 5); “No início da sua vida pública, Jesus foi expulso  de Nazaré depois de ter anunciado na sinagoga que se cumpria Nele o ano da graça no qual os pobres se rejubilam” (cf. Lc 4,14-30)” (DT 19); “Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. E serás feliz por eles não terem com que te retribuir” (Lc 14,14, em DT 27).

O Papa também lembra este amor ao longo da história da Igreja: São Lourenço […] ao ser obrigado pelas autoridades romanas a entregar os tesouros da Igreja, trouxe consigo, no dia seguinte, os pobres. Quando lhe perguntaram onde estavam os tesouros que prometera, mostrou os pobres, dizendo: ‘Estes são os tesouros da Igreja’. Que melhores tesouros teria Cristo do que aqueles nos quais Ele mesmo disse que estava?” (DT 38); “São Basílio Magno, na sua Regra, não via contradição entre a vida  de oração e recolhimento dos monges e a ação em favor dos pobres […] Os monges, mesmo depois de terem deixado tudo para abraçar a pobreza, deveriam ajudar os mais pobres” (DT 53); “No século XIII […] o Espírito Santo suscitou na Igreja um novo tipo de consagração: as Ordens mendicantes […] como os Franciscanos, os Dominicanos, os Agostinianos e os Carmelitas […] O testemunho dos mendicantes desafiava tanto a opulência clerical quanto a frieza da sociedade urbana” (DT 63).

Os exemplos se repetem ao longo da história, chegando a Santa Teresa de Calcutá e Santa Dulce dos Pobres (DT 77, 78) Algumas citações dos papas recentes poderão até surpreender, por sua força e radicalidade: “São Paulo VI, na Audiência Geral de 11 de novembro de 1964, sublinhou que o pobre é representante de Cristo” (DT 85); “São João Paulo II recordava-nos de que ‘há na pessoa dos pobres uma especial presença de Cristo, obrigando a Igreja a uma opção preferencial por eles’ (Novo millennio ineunte, NMI 49)” (DT 79).

Nos tempos atuais, contudo, o aspecto mais polêmico do amor aos pobres é a necessidade de ir além de uma postura apenas assistencialista, assumindo que ela implica programas efetivos de promoção humana e, inclusive, em mudanças político-econômicas estruturais. Leão XIV não se detém diante destes aspectos. A exortação é firme em afirmar: “A caridade é uma força que muda a realidade, um autêntico poder histórico de transformação. Esta é a fonte da qual deve nutrir-se todo o compromisso para resolver as causas estruturais da pobreza e para o fazer com urgência” (DT 91); “Devemos empenhar-nos cada vez mais em resolver as causas estruturais da pobreza” (DT 94); “As estruturas de injustiça devem ser reconhecidas e destruídas com a força do bem, por meio da mudança de mentalidades e, também, com a ajuda da ciência e da técnica, por meio do desenvolvimento de políticas eficazes na transformação da sociedade” (DT 97).

Por meio dos pobres, Deus fala com a Igreja
Por Filipe Domingues
O amor aos pobres
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Os cinco capítulos da exortação apostólica Dilexi te, sobre o amor pelos pobres
Dilexit te
O amor aos pobres, dos tempos evangélicos à realidade latino-americana
Nos trechos selecionados da exortação apostólica Dilexi te, Leão XIV recapitula um pouco da história do amor aos pobres na vida da Igreja
A maior riqueza da Igreja
Dilexit te, nº 38
Sinal de caridade para o mundo
Dilexit te, nº 76-78
O amor aos pobres, a partir do amor de Deus
Selecionamos alguns trechos da Exortação Apostólica Dilexi te (DT), do Papa Leão XIV, que nos ajudam a entrar no espírito da obra.
Caminhos de superação da pobreza no mundo atual
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Estado, mercado e sociedade na superação da pobreza
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