E a linguagem de Monteiro Lobato não era inclusiva…

Quem leu as obras de Monteiro Lobato sabe que tanto a linguagem da boneca Emília era “politicamente incorreta” quanto a Tia Anastácia ocupava uma posição familiar e trabalhista ambígua aos nossos olhos de hoje. Pouco vale discutir até que ponto o autor, pessoalmente, era racista ou apenas refletia a mentalidade de seu tempo. A questão, emblemática no enfrentamento do racismo, está nos textos e na sua influência.

Pintura de Mestre Justino representando Tia Anastácia junto com personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Reprodução Museu Monteiro Lobato. Prefeitura de Taubaté

Muitos se chocam com a proposta de lançar versões modificadas da obra de Lobato, empregando a chamada linguagem inclusiva e até alterando aspectos da história. Essa, contudo, é uma prática amplamente difundida em nossa sociedade. Os contos de Grimm há muito vem sendo adulterados, para eliminar detalhes chocantes e/ou de violência explícita. Clássicos da literatura brasileira, como as obras de Machado de Assis e José de Alencar, foram adaptados simplesmente para se tornarem mais palatáveis ao gosto dos jovens de hoje. No cinema, é comum filmes serem lançados numa versão comercial e outra autoral, mais longa ou com cenas mais fortes. Versões adaptadas podem existir, desde que não levem à eliminação e ao esquecimento das originais, que também precisam continuar a ser publicadas, para manter viva tanto a memória quanto a crítica.

Outro problema é o que deve ser alterado, como e por quê. Entre crianças e jovens, expressões infelizes podem abrir espaço para o bullying e a discriminação; por isso, o cuidado com termos que aparecem numa obra para crianças – e sempre é a comunidade aviltada que deve se manifestar sobre o que é ou não adequado. Por outro lado, existem situações que talvez não devam ser alteradas, mas, sim, apresentadas com um enfoque mais crítico, capaz de gerar empatia.

Desafio peculiar, para a mentalidade atual, é o da boneca Emília. Lobato, intencionalmente, a fez irreverente e desbocada. Ela verbaliza o desejo, presente em todo jovem e só parcialmente contido nos adultos, de libertação das normas sociais. Com o tempo, porém, nem todas as suas rebeliões se mostraram aceitáveis. Hoje, temos claro que a linguagem depreciativa e a falta de empatia em relação à Tia Anastácia não podem ser consideradas manifestações de liberdade…

1 comentário em “E a linguagem de Monteiro Lobato não era inclusiva…”

  1. Por essa lógica poderiam em breve propor uma correção na Monalisa, nas sinfonias de Beethoven e J S Bach. Quem sabe até no livro do Deuteronômio, cá venhamos… ô livrinho homofóbico!

    E quem sabe a narrativa da paixão? Vamos reescrever? É muito violenta!

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