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E Leão XIII tinha razão

Quem é o Papa do qual Leão XIV quis ter o nome? Leão XIII é conhecido por sua encíclica Rerum Novarum, mas sua contribuição é muito maior. Em tempos de grandes mudanças, como os atuais, seu exemplo merece ser estudado e seguido. Neste Caderno Fé e Cidadania, recuperamos aspectos de sua figura e contribuição, particularmente profética ao observarmos a história do século XX. É importante recuperar o contexto de seu tempo para o adequado seguimento ao caminho por ele traçado. O mundo mudou muito, é importante nos voltarmos à essência de seus ensinamentos, orientados pela caridade e sabedoria cristã, sem nos prendermos a formas contextuais ultrapassadas.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

No final do século XIX, a Igreja Católica parecia encurralada diante do desenvolvimento da sociedade ocidental. Os Estados Pontifícios, que configuravam o poder temporal do papado, haviam desaparecido em 1870 com a unificação italiana. Os ideais liberais orientavam os Estado democráticos, tirando relevância dos nobres que apoiavam a Igreja. O operariado nascente se rebelava contra o tratamento injusto nas fábricas – e crescia a crítica à religião como “o ópio do povo”. O desenvolvimento científico parecia maravilhoso e o positivismo apresentava a religião como superstição…

Nesse contexto, após a morte de Pio IX, em 1878, despontou no Conclave o Cardeal Vincenzo Gioacchino Pecci, eleito Papa Leão XIII. Tinha 67 anos, era um intelectual refinado, reconhecido como diplomata habilidoso, capaz de bom diálogo com os governos anticlericais europeus, além de ter sido por 30 anos arcebispo em Perugia, destacando-se pelo trabalho pastoral e atenção às obras sociais em favor dos pobres.

Leão XIII manteve o confronto com o governo italiano, que a Santa Sé considerava ter usurpado  o território da Igreja ao ocupar os Estados Pontifícios, e uma posição crítica aos governos liberais. Contudo, não ficou determinado pelo enfrentamento político. Percebeu que era mais importante apontar respostas construtivas, iluminadas pela sabedoria católica, aos problemas de seu tempo. Assim, incentivou o diálogo entre fé e ciência e as organizações católicas atuantes na sociedade civil.

Sua contribuição mais conhecida foi a primeira sistematização da Doutrina Social da Igreja, na encíclica Rerum Novarum. Com distanciamento crítico das posições liberais e socialistas, apresentava um caminho para superação dos problemas sociais: não o confronto, mas a cooperação construtiva entre classes sociais, buscando o bem comum. Não era posição ingênua: denunciava explicitamente as injustiças praticadas pelos patrões, que implicava em uma ação do Estado em defesa dos trabalhadores; bem como os desvios ideológicos das lideranças sociais, que se valiam do justo descontentamento dos operários para propor soluções que trariam mais sofrimento.

A história do século XX mostrou que a via sugerida por Leão XIII era a mais eficiente e viável. Os países que lograram maior desenvolvimento humano, com crescimento econômico e melhor qualidade de vida, conseguiram isso com a harmonia entre expansão capitalista, respeito aos direitos dos trabalhadores e promoção humana. Na Europa, esse caminho foi conseguido pelos “Estados sociais”, que se responsabilizaram pelos retornos sociais da riqueza produzida. Nos Estados Unidos, os empresários desde o século XIX se deram conta de sua responsabilidade social, criando rede de iniciativas voltadas à promoção humana que melhoravam as condições de vida dos trabalhadores e subsidiavam o desenvolvimento capitalista. Mesmo a China atual, partindo de realidade comunista, teve de reconhecer que mercado e empresariado responsável eram necessários para o desenvolvimento econômico.

Todos os caminhos apontados corroboram que Leão XIII, na Rerum Novarum, tinha razão. Mas não é apenas isso! Ao promover o diálogo entre fé e ciência ou incentivar as organizações sociais católicas, traçou também o caminho mais adequado para a Igreja do século XX. O melhor do catolicismo atual, mais de 120 anos depois de sua morte, corrobora o acerto de suas intuições.

Leão XIII estabeleceu ainda o modelo do papado moderno como voz moral nos assuntos globais. Sua disposição de abordar questões sociais, culturais e políticas, combinada com habilidades diplomáticas e credibilidade intelectual, posicionou o papado como força significativa no discurso internacional sobre justiça, paz e dignidade humana.

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