E na política, de onde vem nossa esperança?

O povo brasileiro – e cada um de nós – vem se decepcionando continuamente com a política e com as suas lideranças, sejam políticos eleitos, magistrados, influenciadores… Se formos honestos com nós mesmos, veremos que as desilusões vêm de todas as posições do espectro ideológico-partidário. Em todas as partes, encontramos exemplos de pessoas que não corresponderam às expectativas e até traíram as promessas que fizeram. Essas decepções geram ressentimento, raiva e polarização. Tendemos a ver todos os males naqueles com os quais não concordamos e esquecer ou relativizar as falhas daqueles com os quais simpatizamos. Mas, desse modo, nos fechamos ao diálogo e à solidariedade, tornamos ainda mais improvável a construção de um caminho compartilhado rumo ao bem comum.

De onde pode vir uma esperança que não seja ilusória? Onde cada um de nós deposita a própria esperança diante dos desafios cotidianos? Por mais diferentes que sejam as situações, para cada um de nós, “a esperança que não decepciona” tem a mesma origem, seja na vida pessoal, seja na política nacional. Traímos a nós mesmos, à urgência de nosso desejo de realização, quando nos esquecemos de que foi no encontro com Cristo que descobrimos essa esperança… Num encontro que não seria possível sem a comunidade que primeiro nos acolheu e sem toda a Igreja, geradora dessa comunidade.

Evelyn de Morgan, “Esperança chega à prisão do desespero”

Nós nos movemos em função de uma expectativa positiva em relação ao futuro. Livremente, ninguém começa uma ação se supõe que seus resultados serão maus. A esperança está inserida no coração humano. Somos seres esperançosos, apesar de nos frustrarmos tantas vezes! Na política, não somos diferentes, mesmo quando as desilusões são até mais frequentes.

A esperança que quase sempre decepciona. Reconhecendo nosso pequeno poder pessoal, muitas vezes tendemos a esperar que um líder político, com o qual nos sentimos sintonizados, venha a realizar nossas expectativas. Mas esses líderes frequentemente nos decepcionam. Quando somos seus seguidores, tendemos a culpar a conjuntura e as forças adversárias pelas frustrações. Quando somos seus opositores, consideramos que as desilusões vêm da sua incapacidade e/ou desonestidade.

Seja como for, vamos nos decepcionando cada vez mais com os políticos e com sua atuação. Essa frustração gera ressentimento e raiva, dificultando nossa capacidade de tomar decisões racionais. Não queremos reconhecer que nossas escolhas se mostraram equivocadas, que nossas expectativas se frustraram, e tendemos a negar a realidade, para nos protegermos da desilusão, da tristeza, da impotência e da raiva.

Essas decepções não costumam nos tornar mais sábios, mais capazes de agir politicamente de forma construtiva, mas sim mais céticos e amargos, cada vez menos comprometidos com a política e mais individualistas, ou mais raivosos e irracionais, seguindo de forma extremada a líderes populistas. De um modo ou outro, acabamos por fazer uma “política pior”, nos afastando de Deus, que é amor e deseja nosso compromisso com o bem comum.

A esperança nos processos. Há quem, já ciente dos limites das lideranças humanas, procure apostar nos processos políticos. A construção de um povo mais consciente e comprometido com o bem comum sempre levará a um futuro melhor, mesmo que a realização demore para acontecer. Além disso, ao nos comprometermos em um processo de mudança, encontramos outros como nós, experimentamos a alegria da solidariedade e do trabalho compartilhado – um ganho já no presente, independentemente do resultado imediato.

Contudo, mesmo a aposta nos processos pode frustrar. Por mais solidário e frutuoso que seja um processo de reconstrução depois de uma catástrofe, não poderá trazer à vida os mortos na tragédia, ou recuperar a integridade dos bens materiais e espirituais daqueles que perderam tudo. Por mais que um processo político seja justo, democrático e respeitoso com a memória dos que se foram, não trará os pais para os órfãos e nem os filhos desaparecidos para seus pais. Nenhuma reparação, dada às gerações atuais, poderá reparar os sofrimentos daqueles que morreram escravizados…

Numa sociedade plural, na qual diferentes propostas políticas disputam a hegemonia, a aposta nos processos pode levar, novamente, à frustração e à raiva contra aqueles que defendem posições diferentes. Eles nos parecem ser não só pessoas com ideias diferentes, mas ameaças à nossa expectativa de um futuro melhor. Como perdoar quem, com suas vitórias, corrói nossa esperança?

Confiar numa Presença. A esperança cristã nasce do reconhecimento da ação de Deus em nossa vida. Nossa fé não é um fideísmo ilusório, na crença da força do “pensamento positivo” ou na expectativa por uma utopia futura que nunca se realiza. Temos esperança porque experimentamos o amor de Deus, muitas vezes surpreendente, nossa vida, aconteça o que acontecer.

O amor conjugal não resolve os desafios no trabalho ou os problemas da sociedade. Mas, quando verdadeiro e maduro, ajuda os cônjuges a enfrentar todas as dificuldades. A resiliência dos pais diante das dificuldades se ancora muitas vezes na memória da existência dos filhos, pelos quais se esforçam. De modo ainda mais radical, o amor de Deus – que já experimentamos – dá sentido à vida, força nas lutas e consolo nos sofrimentos. Não gera uma esperança utópica, mas sim a certeza de que aquilo que Ele já iniciou dará frutos no futuro.

Na política, a esperança cristã não nos diz que Deus “milagrosamente” irá resolver os problemas – mas nos coloca numa posição humana mais adequada para resolver qualquer problema. Confiantes no amor que já se manifestou em nossas vidas, temos melhores condições para escolher políticos confiáveis e investir em processos de construção do bem comum. As derrotas e decepções não deixarão de vir, mas não darão a última palavra. Podemos recomeçar e rever nossas posições com mais liberdade, estamos mais livres para amar até os adversários e discernir o que constrói o bem comum.

O verdadeiro perigo é termos nosso discernimento desorientado por influenciadores e demagogos, fazendo com que deixemos de esperar em Cristo, para acreditarmos e seguimos aos políticos e às ideologias. Ao fazermos isso, em vez de levarmos ao mundo uma esperança que não decepciona, levamos mais sectarismo e ressentimento.

Da esperança cristã à esperança humana. Nossas democracias são laicas. Não podemos, nem devemos, querer que todos professem a nossa mesma esperança. Contudo, onde estivermos, somos chamados a viver e testemunhar a experiência cristã – sem proselitismo ou arrogância, mas com verdadeiro espírito fraterno.

Qualquer pessoa se torna mais esperançosa quando interage com alguém que vive uma real esperança, alguém que não desanima, está aberto aos demais, se esforça sinceramente para construir um futuro melhor, superando preconceitos ideológicos e posições partidárias. O verdadeiro testemunho cristão, que não é a afirmação de uma posição política mais iluminada, mas sim um modo de ser e relacionar-se que nasce do saber-se amado por Deus, já é, por si só, razão de esperança e construção de uma “política melhor” para cristãos e não cristãos.

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Dener L. Silva
Dener L. Silva
1 mês atrás

Muito bom!! A arte de governar para o bem comum não é algo natural, ou que esperamos que ocorra espontaneamente. Contudo, há aqueles que o fazem, são pessoas excepcionais, que têm como meta não o bem próprio, mas o bem de todos! São traços de Deus.