O empreendedorismo nas periferias brasileiras representa uma das mais importantes forças de transformação social e econômica do país. Longe de ser apenas uma alternativa à falta de empregos formais, a atividade empreendedora nas áreas periféricas tem se consolidado como um verdadeiro ecossistema de inovação, resistência e desenvolvimento comunitário. Realiza o desenvolvimento humano integral, promovendo a dignidade da pessoa humana, fomentando a solidariedade e avançando o bem comum. Para os que se predispõem a empreender, não é um caminho fácil, trilhado frequentemente mais por necessidade do que por opção. Para as populações periféricas, expostas a graves vulnerabilidades sociais, implica grandes mudanças culturais, aquisição de novas capacidades e realocação de recursos. Um caminho que depende da solidariedade e do acesso a redes de apoio social e econômico. Entender esse empreendedorismo e seu “ecossistema” é fundamental para pensar nos modelos econômicos que o Brasil deve fortalecer no século XXI.

Nenhum fenômeno social é tão frequente e mal compreendido no Brasil como o empreendedorismo entre populações de baixa renda. Cerca de 34,5% da população adulta gostaria de empreender e 30,1% já empreende – mais da metade da população brasileira quer o próprio negócio. Contudo, a taxa de sucesso é menor: apenas 13,2% da população tem negócio estabelecido há mais de 3,5 anos (dados do Monitor Global de Empreendedorismo). Para muitos, o sonho se torna pesadelo – aqueles que trilham esse caminho sabem disso, começando frequentemente a empreender mais por necessidade, em momentos de dificuldade, do que por opção.
Mas a “ilusão” do empreendedorismo deve ser revista conceitualmente. São João Paulo II, na Laborem exercens, lembrava que o trabalho tem sentido “subjetivo”: a pessoa se realiza por meio dele, cria realidade nova correspondente ao desejo de bem e beleza. No trabalho alienado da sociedade moderna, o trabalhador raramente expressa sua subjetividade, apenas troca tempo de vida pelo sustento familiar – ainda que algumas vezes com salário elevado. O empreendedorismo não é forçosamente ilusão, nem apenas desejo de “se ver livre do patrão”, mas busca de realização pessoal por meio do trabalho.
É universo em que pululam preconceitos. Para alguns, quem deseja empreender é um alienado que não se reconhece como trabalhador entre trabalhadores, sujeito às injustiças do sistema. Outros os discriminam por raça ou origem socioeconômica. Com tais preconceitos, uns e outros deixam de perceber a riqueza social e a possibilidade de novos caminhos em economias cada vez mais complexas e automatizadas.
As favelas representam parte dessa realidade periférica (26% da população abaixo da linha da pobreza vive em favelas), mas ilustram bem o potencial deste empreendedorismo. Pesquisa do Instituto Data Favela, de julho de 2025, indica que as favelas brasileiras geram R$ 300 bilhões anuais. Esse valor supera o PIB de 22 estados brasileiros e de países como Paraguai e Bolívia, refletindo a renda de 17,2 milhões de pessoas em 12,3 mil favelas, que abrigam 8% das moradias do país.
A criatividade e inovação são elementos fundamentais nesse universo. A escassez de recursos como crédito bancário, infraestrutura ou redes de contatos empresariais obriga ao desenvolvimento de uma cultura empreendedora única, baseada na capacidade de reinventar soluções e criar oportunidades a partir das limitações, com soluções simples, de baixo custo e alta efetividade.
A criatividade periférica liga-se intimamente à cultura local e necessidades comunitárias específicas. Os empreendedores conhecem profundamente seu território, carências e potencialidades, identificando oportunidades que passariam despercebidas: produtos artesanais, artistas locais, sistemas de distribuição para bairros de difícil acesso, artigos reciclados… Com a inclusão digital, redes sociais, plataformas de e-commerce e aplicativos democratizaram o acesso ao mercado, permitindo que negócios periféricos alcancem clientes em toda a cidade.
Apesar do potencial, o empreendedorismo periférico enfrenta desafios estruturais significativos. A informalidade, atingindo 63% dos empreendedores de favelas, limita acesso a crédito, benefícios previdenciários e oportunidades de crescimento. A falta de infraestrutura adequada – saneamento, energia estável, internet de qualidade – representa outro obstáculo importante. Felizmente, existe hoje um “ecossistema” em que diversos parceiros (financiadores, incubadoras, voluntários) ajudam a viabilizar esses empreendimentos. Com suas limitações, movidos pela solidariedade, promovem “desenvolvimento humano integral” que constrói o bem comum e traça novos caminhos para o País.
O desafio de empreender na periferia
Por Marli Pirozelli N. Silva
Os ecossistemas de empreendedorismo social periférico
Empreender nas periferias: vocação à dignidade, força comunitária e desafio coletivo
Por Alexandre Nunes