Família na contemporaneidade: cuidar das relações

 A família é o maior patrimônio com o qual as pessoas contam para poder se realizar na vida. Isso não significa que não possa ter problemas; pelo contrário, sua importância a torna particularmente frágil e suscetível a problemas. Sabendo disso, a Igreja sempre a tratou com cuidado e atenção. Políticas públicas eficientes orientadas na perspectiva da família, que a fortalecem e valorizam, permitem um melhor uso dos recursos públicos, pela sinergia entre família e Estado, respeitam mais a dignidade das pessoas e facilitam sua realização em todas as dimensões da vida.

Sergio Ricciute

Nos anos 1970, a desvalorização da família tinha alcançado níveis eleva­dos. Muitos consideravam a família como um obstáculo ao progresso ou, como se dizia naqueles anos, à modernização.

Desde os anos 1950, as políticas públicas ocupavam-se exclusiva­mente com os indivíduos: o traba­lhador, o desempregado, a criança, a mulher, o negro, o adolescente, o idoso, como se eles existissem fora de uma concreta rede de relações familiares.

Apesar disso, a família conti­nua constituindo um recurso ex­cepcional para a sociedade porque permanece, em alguma medida, a tradição da solidariedade familiar que acolhe, cuida, acompanha seus membros em dificuldades. A socie­dade entraria em colapso caso essa solidariedade desaparecesse.

Perder o melhor da vida. Atualmen­te, discute-se o que significa ser ho­mem, ser mulher. Questiona-se: por que não decidir o próprio gênero de modo autônomo e livre de con­dicionamentos biológicos e sociais? Não será melhor desfazer todos os vínculos que nos amarram e nos im­pedem de sermos livres para novas formas de realização que poderão aparecer no horizonte? É mesmo verdade que a maternidade e a pa­ternidade são essenciais à realização humana de uma pessoa adulta?

Difundiu-se o medo do vínculo conjugal, medo de não conseguir manter o vínculo ao longo do tem­po. O Papa Bento XVI disse, em 2012: “Pode um homem ligar-se por toda a vida? Corresponde à sua na­tureza? Isso não entra em contraste com a sua liberdade e com a ampli­tude de sua autorrealização?” (Dis­curso à Cúria Romana na apresen­tação de votos natalícios).

Evidentemente, o Papa pensa que o ser humano pode estabelecer vínculos porque correspondem à sua natureza, ao desígnio de Deus. Vínculos conjugais e generativos proporcionam as mais elevadas ex­periências humanas.

 De fato, perde o melhor da vida quem, dominado por esse medo, não faz a experiência de um amor que acompanha o homem e a mulher até a velhice, até a eternidade. Perde a gran­deza que é gerar vida nova, tornando­-se pai, mãe, participando do poder criador de Deus.

Um cuidado especial da Igreja. Dian­te dessas circunstâncias, os três últi­mos Papas dedicaram uma atenção especial à família. São João Paulo II apontou a necessidade de retornar ao desígnio de Deus sobre a pessoa, o ma­trimônio e a família, para lançar feixes de luz nas sombras que encobrem essas realidades. Criou o Pontifício Instituto João Paulo II para a Estudos sobre o Matrimônio e a Família, com filiais nos cinco continentes. Uma delas foi criada em Salvador (BA), em 1998, e dela nasceu o Programa de Pós­-Graduação em Família na Socieda­de Contemporânea, da Universidade Católica do Salvador.

São João Paulo II deu ao amor humano uma conotação antropoló­gica fundamental, afirmando que o modelo do homem criado à imagem e semelhança de Deus é a Santíssima Trindade, em que as Pessoas divinas vivem a mais profunda comunhão no dom recíproco. Ele afirma que o ser humano é relação, nasce, cresce e se desenvolve graças a relações constitu­tivas e significativas, e na família ele pode concretizar a imagem de Deus, e sua mais profunda realização hu­mana. O caminho para o amor parte de impulsos naturais, mas alcança seu significado maior quando é vivido como participação do amor em Cris­to, pelo sacramento do Matrimônio, numa total integração de histórias, de destinos, de valores, de cooperação e de fidelidade.

Bento XVI na Deus Caritas est fala do amor humano como a janela atra­vés da qual se conhece melhor o amor de Deus. Fala de ágape, amor de Deus que desce em direção ao homem, e de eros, amor que está inscrito na cor­poreidade do homem: ele considera complementares e convergentes esses dois amores, considerados ao longo da história como opostos. O Papa Francisco convocou dois Sínodos dos Bispos tendo a família como tema, um extraordinário, em 2014, e outro ordinário, em 2015. A exortação apostólica Amoris laetitia continua sendo fonte de inspiração para a pastoral e movimentos fami­liares, com o impressionante convite a acompanhar, discernir e integrar, até onde é possível, a fragilidade.

Uma tarefa também para a socie­dade e o Estado. Políticas públicas focadas na família podem tornar a sociedade amiga da família, por exemplo, conciliando trabalho e exi­gências familiares. Diversos muni­cípios estão realizando programas para melhorar a qualidade dos estilos de relacionamento entre pais e filhos adolescentes, para prevenir uso de ál­cool, drogas e sexo precoce. Os resul­tados são muito positivos, de acordo com avaliação feita por consultorias acadêmicas.

A família não é uma instituição do passado; antes, é a instituição do futuro, no sentido que o bem, a paz na convivência social e o desenvol­vimento positivo de cada pessoa de­pendem do fortalecimento da família e dos vínculos que a constituem, da qualidade de suas relações.

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