Fraternidade e amizade social: contribuições para um cotidiano mais solidário

O tema da Campanha da Fraternidade de 2024, “Fraternidade e Amizade Social”, nos conduz a uma reflexão sobre nossas práticas de amor fraterno, sobre o cuidado em nossas relações sociais, na busca da solidariedade a partir dos ensinamentos de Jesus: somos todos filhos de Deus e, portanto, irmãos. Nessa perspectiva, o Papa Francisco nos exorta continuamente sobre a necessidade do cuidado na vida cristã – para com nossa Casa Comum, nossa vida em uma sociedade e (cf. Laudato sí’, LS 78, 201, 208, 210-216; Fratelli Tutti, FT 17, 114, 181, 223).

Tempo de conversão: assim aprendi o significado da Quaresma. Nessa perspectiva, as temáticas anualmente propostas pela CNBB para este período nos proporcionam reflexões para uma vivência efetiva do Evangelho, em direção ao Amor de Deus! Neste ano, somos convidados a refletir sobre o cuidado em nossas relações sociais, nossas práticas de amor fraterno, para a construção de sociedades mais solidárias e justas. Reflexões que nos ajudam a caminhar rumo à ajuda solidária frente a desastres ou impactos de episódios climáticos extremos; para o acolhimento solidário e a atenção a migrantes e refugiados por guerras e intolerância política ou religiosa; ao compromisso solidário para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.

É bom ter um espírito solidário. Uma pessoa mais fraterna, mais solidária, diante de uma crise, de um problema pessoal, se mantém como parte de uma trama de relacionamentos, de um grupo social do qual se sente parte. Com isso, encontra melhores condições para enfrentar as dificuldades e superar os problemas. A partir dos laços comunitários, não se vê mais sozinha diante dos desafios e das dificuldades: partilha valores, objetivos comuns, propõe novas ações, mantém-se aprendendo e ensinando. Percebe-se mais realizada na contribuição que dá buscando ajudar a resolver problemas dos outros e da coletividade e, reciprocamente, recebendo apoio para dificuldades usuais do viver e do conviver. Assim, essa pessoa se vê valorizada, tem menos chance de sofrer com as sensações de solidão ou de impotência, tão comuns em nossa sociedade.

Além disso, as redes de relacionamentos comunitários são importantes para manutenção, crescimento e aprofundamento da fé; para ajudar a pessoa a ser capaz de agir e superar os problemas a partir da fé.

Por outro lado, pessoas menos solidárias, que exibem comportamentos antissociais, violentos e agressivos, têm mais possibilidade de apresentar sinais de depressão, isolamento social, embotamento afetivo, dificuldade em se expressar, vincular-se aos demais. Pessoas com esses modos de se relacionar, ao contrário do que pretendem parecer, tendem a ser tão solitárias quanto aquelas, aparentemente, submissas e resignadas, passivas diante da vida. Muitas vezes. apresentam sinais de comprometimento tanto em sua saúde mental quanto física, tendendo a ter mais problemas gástricos e cardíacos, por exemplo.

Por que é difícil ser solidário? Se a experiência de amizade, solidariedade e fraternidade é tão positiva, por que muitas vezes as pessoas desenvolvem um comportamento tão agressivo e hostil em relação aos demais? As dificuldades em ser solidário acontecem principalmente quando o outro é visto como uma ameaça ao seu território individual. Frequentemente, é uma questão de territorialidade e de insegurança. Não se vê o outro como ajuda, como colaboração; mas, sim, como ameaça, como perigo.

Às vezes, essa visão é fundamentada, o outro realmente se coloca como uma ameaça à pessoa e seus valores. Muitas vezes, contudo, trata-se muito mais de um desconhecimento, da falta de um trabalho de aproximação, do que de um problema real. Aprendemos a nos relacionar e a formar vínculos, a partir da observação das situações em que estamos inseridos, e das experiências que vivemos em nosso cotidiano, as consequências de nossas ações. Por isso, é importante identificar valores que podem ser compartilhados e que são parte constituinte de nosso estilo de vida. Pode acontecer que, em alguns casos, o rompimento dos laços de relacionamento seja inevitável; identificar os processos que levaram à formação e à ruptura de vínculos nos auxilia ao autoconhecimento, a reconhecer nossas potencialidades e limitações. Vincular-se afetivamente com o outro, com nossos lugares, com espaços de vida na natureza contribuem para melhor qualidade de vida e bem-estar humano e do meio ambiente.

A importância das habilidades sociais. Sendo assim, o tema da Campanha da Fraternidade deste ano nos conduz a reflexões sobre o cuidado em nossas relações sociais para praticar o amor fraterno, em direção a sociedades mais solidárias e justas. Nesse sentido, é importante o desenvolvimento de nossas habilidades sociais, aquele conjunto de comportamentos que permitem uma adequada expressão de nossos desejos, sentimentos, valores e atitudes no âmbito interpessoal, familiar e social. São comportamentos que nos permitem demonstrar empatia, estabelecer amizades e relações interpessoais de forma eficaz. Na ausência dessas habilidades, relativamente simples, se aprofunda o fosso que nos separa uns dos outros por incompreensões e outros motivos até irrelevantes.

Entre essas habilidades, amplamente usadas pelas pessoas no seu cotidiano, estão: cumprimentar (reconhecer o outro e desejar o melhor); pedir ajuda (reconhecer limitações pessoais); desculpar-se e desculpar; saber fazer críticas construtivas (ser participativo); demonstrar assertividade (ter clareza de limites pessoais e dizer “não” quando necessário); ser gentil (assertividade não agressiva); praticar “por favor” (solicitar licença) e “obrigado/a” (agradecimento); apresentar dúvidas e questionamentos antes de censurar e condenar; desenvolver a empatia.

A prática sincera e consistente dessas habilidades é importante tanto para a própria pessoa, que se vê atuando e participando da vida do outro e da comunidade, de modo construtivo e afetivamente sadio; quanto para os outros, que reconhecem as contribuições dos demais e não se sentem mais sozinhos e ameaçados; e para toda a sociedade, que consegue avançar e superar seus problemas com mais colaboração e facilidade – seja numa situação pequena em família, seja numa decisão política que envolve toda a nação.

Expressar os valores cristãos. Diante de um mundo individualista e centrado em ganhos materiais, o tema da amizade social nos ajuda a recuperar valores cristãos fundamentais – o amor ao próximo, a fraternidade e a solidariedade. Conduz a nossa conversão a um olhar no viver cotidiano de relações e vínculos. As questões materiais não devem ser desprezadas, mas a justiça depende de sermos capazes de compartilhar os dons recebidos, de um viver de forma humana, reconhecendo o que nos faz humanos.

Nossa realização não vem da aparência ou do status que os bens materiais dão, do número de views que os influenciadores têm nas redes sociais, mas, sim, do seguimento aos valores do Evangelho. Que a amizade social, que nos é proposta nesta Campanha da Fraternidade, nos incentive a viver o cotidiano na atenção ao nosso próximo, para a vivência fraterna no cuidado de nossa Casa Comum e de nossos irmãos, em Jesus Cristo!

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