O mundo anseia por paz, mas a humanidade, ainda que avance continuamente buscando esta meta, tem muita dificuldade de alcançá-la plenamente. Em Cristo, o ser humano, libertando-se do “homem velho” pode encontrar o verdadeiro caminho da paz.
São muitos os domínios que envolvem o ser humano. Domínios políticos, econômicos, culturais, tecnológicos, sociais etc. Em todos, encontramos divergências e convergências, simetrias, desproporções, antagonismos, lutas e até guerras. Mas, a partir de certo grau de civilização, o ideal para o qual se guiam os povos deixa de ser o confronto, e sim a negociação, a arbitragem, o consenso, o entendimento. Cada uma dessas etapas, quando fracassam, levam a humanidade a recuar décadas, centúrias, milênios de desenvolvimento.
O judeo-cristianismo, até para além das conquistas humanitárias gregas, foi capaz de elaborar uma doutrina da paz. Certamente, no Antigo Testamento, ainda encontramos certa ambiguidade, se nos deixarmos impressionar pela representação de um Deus, que é amor (hésed), mas também guerreiro. À primeira vista, um Deus que consente a violência. E, de fato, muitos se apoiaram nessa visão para justificar todo tipo de ódio. O Antigo Testamento guarda, no entanto, uma importantíssima noção de paz (shalóm) como inteireza, totalidade, completude, integralidade.
São admiráveis, no entanto, a profundeza e a riqueza da concepção de paz no Novo Testamento, pois “a paz de Deus ultrapassa todo conhecimento” (Fl 4,7). Quando se quer desejar o sumo bem, se diz: “O Deus da paz esteja convosco” (Fl 4,9). Isso se torna mais marcante ainda quando se pensa na presença divina no mais íntimo do ser do batizado e à incorporação no Cristo.
Assim como ele é amor, Deus é paz. A paz é o outro nome do amor que une o Pai ao Filho e ao Espírito Santo na comunhão absoluta, fonte e inesgotável modelo de todos os nossos esforços e de todos os nossos desejos de amor e paz.
São tantos os textos a serem lidos e relidos, mas um certamente nos impacta quando se quer resumir essa doutrina, pois o rezamos no Cânon eucarístico antes de receber a Sagrada Comunhão: “A minha paz vos deixo, a minha paz vos dou” (cf. Lc 24,36; Jo 14,27). Essas confidências do evangelista colocadas nos lábios de Jesus na última ceia evidenciam um mesmo movimento, o valor inestimável da paz que o Senhor – não o mundo – deixa aos que o seguem, bem como a diferença qualitativa em relação à paz mundana, quase sempre frágil, como a história nos mostra, baseada num fugaz equilíbrio de forças ou na mera ausência de guerras.
Quando, no Evangelho, se fala de “divisão” e de “espada” (Lc 12,51; Mt 10,34), fica claro que a paz ensinada por Jesus nada tem de epidérmico, de sonhos idílicos que alimentam as utopias. O texto mais radical e audacioso, porém, pode ser lido na Carta aos Efésios (Ef 2,13-17), que ninguém consegue sequer resumir adequadamente. Jesus Cristo não só é ousadamente definido como a paz, Ele é apresentado como “a nossa paz”, pois graças a Ele, “na sua carne”, “por meio da cruz”, em linguagem bem realista, Ele se torna a reconciliação entre Deus e a humanidade. O homem velho, “carnal”, e com ele o ódio, em Cristo se torna nova humanidade, da qual a Igreja é sinal, antecipação e gozo.