Quando se observa a situação de vários países, em particular daqueles que fizeram algum tipo de legalização da venda de drogas, percebe-se que o fundamental é criar e manter programas eficazes de prevenção e superação da dependência química. Sem tais programas, caminhamos para tragédias pessoais e sociais cada vez maiores.
Portugal é mundialmente aclamado como o primeiro país a descriminalizar, com sucesso, todas as drogas, em 2001. Sua política foca a saúde pública e a reintegração dos usuários à sociedade. Assim como se propõe no Brasil, a descriminalização em Portugal não significa que as drogas sejam legalizadas, mas, sim, que seu uso e posse para consumo pessoal deixaram de ser considerados crimes e passaram a ser tratados como questões de saúde pública. Uma questão de capital importância no modelo português: o usuário, uma vez encontrado, não é simplesmente liberado, mas, sim, encaminhado para uma comissão, formada por um juiz e dois especialistas, que procurarão ajudá-lo a enfrentar a dependência, inclusive indicando programas públicos adequados a seu caso. A descriminalização não significou liberação, mas um sistema mais eficaz para enfrentar a drogadição sob a ótica da saúde.
Mesmo assim, depois de 20 anos de sucesso, o programa português vem enfrentando muitas dificuldades atualmente. Os adultos consumidores de drogas ilícitas pularam de 7,8% da população em 2001 para 12,8% em 2022 – abaixo da média europeia, mas crescendo. As overdoses em Lisboa quase duplicaram entre 2019 e 2023. Os problemas sociais decorrentes da ocupação de espaços públicos por grupos de adictos também aumentaram. Os defensores da política de drogas portuguesa argumentam que o problema advém da redução dos investimentos públicos em programas de prevenção, tratamento e redução de danos, que caíram de 90 milhões de euros em 2019 para 16 milhões. Os críticos consideram que o problema vem da mentalidade permissiva que foi se estabelecendo na sociedade, que foi deixando de enfrentar o problema como fazia nos primeiros tempos da mudança da legislação.
A experiência portuguesa mostra que o desafio das drogas deve ser enfrentado como questão de saúde pública, se quisermos vencê-lo. Mas também mostra que a simples liberação, numa posição permissiva, não resolve – pelo contrário, tende a ampliar o problema. Além disso, enfrentá-lo com esse enfoque da saúde pública não sai barato. A comparação entre Brasil e Portugal não é totalmente válida, pelas diferenças entre os países, mas pode ilustrar a questão. Na conversão direta de euros para reais, em 2019 a política portuguesa de combate a drogas custou cerca de R$ 45,00 por habitante; enquanto no Brasil, anualmente, a manutenção do sistema prisional custa em média cerca de R$ 73,00 por habitante. São valores significativos e que devem ser contabilizados quando se pensa numa eficiente política antidrogas.
A liberação que não diminuiu o tráfico e o crime organizado. A experiência dos Países Baixos, que permite a venda para o consumo, mas não a exploração comercial, tornou-se um incentivo ao narcotráfico. Hoje, o país é uma porta de entrada da droga para a Europa, com graves consequências para a segurança pública. Além disso, a existência de bares em que o consumo de drogas é tolerado ao lado de prostíbulos liberados criou um “turismo do prazer”, um ambiente urbano tóxico para os moradores. Assim, em 2023, a prefeitura de Amsterdã vai proibir o consumo de maconha em sua área de prostituição e procura frear a expansão sobretudo desse turismo da droga.
O Uruguai legalizou o consumo de maconha em 2013 – porém somente para cidadãos uruguaios maiores de 18 anos e tendo o cuidado de manter programas de educação antidrogas nas escolas. Dez anos depois, o consumo de maconha entre adolescentes não parece ter aumentando; mas a legalização não reduziu o tráfico de drogas, que se deslocou para outras drogas mais pesadas, como a heroína. Assim, os defensores da política uruguaia alegam que ela demonstra que a legalização da maconha não implica obrigatoriamente um aumento do consumo entre os jovens, caso sejam adotadas políticas eficientes para afastá-los dessa droga, mas também não garante a redução do narcotráfico e das ameaças à segurança pública decorrentes do crime organizado.
Um drama norte-americano. Os Estados Unidos, em particular, enfrentam uma grave crise de saúde pública devido ao consumo de drogas. O total de vítimas por overdose é maior do que a soma de mortes por arma de fogo e em acidentes de trânsito. A maior parte dessas mortes é devida aos opioides, como metanfetamina, cocaína, heroína e morfina. A maconha não é um opioide, mas é frequentemente apontada como uma “porta de ingresso” ao universo das drogas, levando o usuário a buscar outras mais potentes. Além disso, uma peculiaridade dessa crise norte-americana é que a maior parte das mortes se deve ao fentanil, opioide sintético desenvolvido para tratar a dor crônica. Vendido apenas com receita médica, é altamente viciante, sendo frequentemente comprado no mercado negro e/ou usado em combinação com outras drogas.
Ainda que vários estados norte-americanos tenham descriminalizado o uso de drogas, e segmentos influentes na mídia frequentemente considerem que essa política tem dado bons resultados, estados como Oregon e a própria Califórnia, profundamente liberal, têm enfrentado problemas decorrentes dessa postura. Além dos casos de overdoses, o aumento da criminalidade e as ameaças à ordem pública têm sido reportados com frequência cada vez maior nesses estados.
Entre os defensores de políticas de liberação do comércio de drogas, frequentemente se alega, em particular no caso norte-americano, que isso trará ganhos em função da maior arrecadação de impostos. Contudo, tal ganho só será real se a população for abandonada ao vício. Se houver uma verdadeira política de saúde pública, os eventuais ganhos com impostos serão menores do que os investimentos em programas sociais. Além disso, para tirar o usuário das mãos do tráfico, garantindo um consumo em condições seguras e controladas, será necessário distribuir ou vender essa droga a um valor menor do que o ofertado pelo tráfico – ou ele continuará comprando no “mercado paralelo”. No Colorado, para cada dólar ganho em receita tributária, foram gastos aproximadamente 4,50 dólares para mitigar os efeitos da legalização.
Uma abordagem integral. Seguindo uma abordagem integral, que procura trabalhar com o maior número possível de fatores envolvidos, a Islândia vem colhendo bons resultados com seu programa Youth in Iceland (Juventude na Islândia). O programa envolve a participação de toda a comunidade, incluindo pais, escolas, organizações esportivas e culturais, além de autoridades locais e nacionais. Algumas das principais estratégias do programa incluem:
- Aumentar o tempo que os jovens passam com suas famílias e envolvê-los em atividades saudáveis e construtivas;
- Fortalecer as leis e as políticas públicas relacionadas ao consumo de drogas;
- Estabelecer organizações de pais e mães para apoiar a prevenção do consumo de drogas;
- Melhorar o acesso dos jovens a atividades esportivas, culturais e sociais que fortaleçam suas habilidades e capacidades.
O sucesso do programa Youth in Iceland pode ganhar uma interpretação redutiva, dado o pequeno tamanho da população da Islândia, mas já foi adotado em outros países como Chile, Austrália, Portugal, Espanha, França, Itália, Holanda, Bulgária e Lituânia, com o nome Planet Youth (Planeta Juventude), que conta inclusive com subsídios on-line.