Linchamentos virtuais

(…) Temo, sobretudo, por minha alma que certamente não escapará a seu destino de espectadora das imolações inferiores que estão por vir.” – León Bloy, “Nas Trevas”

Além das fake news, as redes sociais são bem pródigas em oferecer outra coisa: linchamentos virtuais. Como o rastilho de pólvora que se consome num feixe de luz, vídeos e imagens correm o mundo e, em questão de minutos, pessoas comuns ou famosas têm a vida exposta, atacada, arruinada.

Não falo dos casos graves, com crimes envolvidos. Lembro aqui situações apenas constrangedoras, não raramente infelizes, cuja repercussão, trabalhada e refundida na fantasia coletiva, exagera em muito a importância que cada evento teria a uma análise mais fria e desapaixonada.

As pessoas boas e honradas também têm lá seus dias de fúria. Cometem erros. Falam ou fazem o que normalmente não falariam ou fariam.

José Ortega y Gasset perguntava: “Quem neste mundo não tem sua parcela de razão?” E pergunto eu: “Quem não chega em algum momento a perdê-la?”

É preciso cuidado para não amplificar situações incômodas, conferindo ar de crime ao que não é. Quando a situação envolve alguém de certa importância, é um prato cheio para o sensacionalismo, midiático ou vulgar. A objetividade da situação é deixada de lado, entram em cena os lugares-comuns, as lutas de classe, os ressentimentos privados que se satisfazem na execração pública e nas ostentações da moralidade ofendida. É um fato que se confirma ao mais leve passar de olhos nos comentários sobre qualquer notícia: há pessoas cujo único prazer é eleger as vítimas da imolação diária, numa homenagem inconsciente aos antigos sacrifícios humanos. Os que desejam agir com justiça e dignidade reais devem estar de olhos abertos para não se verem envolvidos nesse mimetismo expiatório. Num tempo em que as banalidades se alçaram a valores sacrossantos, muito aproveita não piorar situações feias nem enxovalhar a honra alheia a propósito de um ato irrefletido ou de uma palavra mal pensada. Ainda que, informada por algum interesse geral até justificável, a confusão não pode se transformar na cruzada particular do anonimato ressentido. Mesmo diante de uma situação estranha, desgostosa e geradora de compreensível indignação, compete a cada um de nós o exercício fiel das artes do discernimento, do bom senso e da empatia em relação aos envolvidos, todos. A História mostra, de modo prodigioso, que a alegada defesa da Justiça fez muita gente ser triturada pelos pilões da ingratidão e do rancor. Li certa vez algo mais ou menos assim: desconfio do soldado que defende violentamente sua bandeira sem, antes, se esforçar minimamente para entender a do seu inimigo. A regra de ouro é não fazermos aos outros o que não gostaríamos que fizessem a nós, pois o linchador de hoje pode ser o linchado de amanhã.

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