Montoro: por uma cultura da ética na democracia

Na política, muitas vezes parece-nos que o poder é a única palavra efetiva. Temos a impressão de que aqueles que vivem próximos ao poder imaginam ter a prerrogativa de fazerem o que bem entenderem, em função de caprichos e interesses particulares. Em tal contexto, os cristãos são chamados a testemunhar que até o poder deve se submeter à ética. Pode parecer difícil – e é – mas pessoas como Franco Montoro mostram-nos que a ética pode, de fato, orientar as carreiras políticas, para a construção do bem comum.

Agência Brasil-Arquivo

A presença do respeito à dignidade da pessoa humana, em todas as suas magnitudes e conjunturas, continua sendo um dos princípios fundamentais que orientam a sociedade moderna. Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o mundo tem buscado, embora nem sempre com êxito, um modelo de civilização mais justo e igualitário. Essa demanda é particularmente urgente em tempos de crise, quando as desigualdades econômicas e sociais são exacerbadas, e as instituições democráticas sofrem com a desconfiança e a polarização.

Ah! Momentos como o que vivemos agora, quanta falta faz o político André Franco Montoro.

Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, escrita há mais de dois mil anos, discutiu questões que ainda hoje ressoam. Ele afirmava que, embora crianças e animais possam realizar ações voluntárias, não são capazes de escolha consciente, algo que difere o comportamento impulsivo do ser humano adulto. Este conceito nos leva a refletir sobre a qualidade das escolhas feitas pelos nossos representantes políticos. Como, por exemplo, interpretar o último aumento de 37,32% nos salários dos parlamentares brasileiros, contrastando com um modesto ajuste de 6,94% no salário-mínimo? Essa decisão, ao que parece, está mais associada a interesses particulares do que ao bem comum, comprometendo o desenvolvimento socioeconômico do País.

Vale consignar que o saudoso professor e político André Franco Montoro, um ícone na defesa da ética e da democracia no Brasil, certamente teria muito a dizer sobre tais desigualdades. Montoro, que desempenhou papel importante na transição do regime militar para a democracia nas décadas de 60, 70 e 80, acreditava profundamente no papel transformador da ética na política. Ele via a descentralização do poder como um passo essencial para fortalecer a democracia, aproximando o governo das reais necessidades do povo.

Se vivesse hoje, Montoro provavelmente apontaria para a complexidade de se lutar por uma democracia ética, onde interesses privados parecem prevalecer sobre os públicos, mesmo em tempos de liberdade política. Sua visão reformista pode ser vista em iniciativas como a descentralização federativa, que foi parcialmente implementada pela Constituição de 1988, e sua defesa por um sistema eleitoral mais justo, com o voto distrital misto. Ele também pregava a proteção dos direitos humanos e a modernização do sistema de governo, propondo inicialmente o parlamentarismo e, mais tarde, adotando a concepção do presidencialismo participativo.

Montoro sempre defendeu que a verdadeira justiça social só poderia ser alcançada em uma sociedade que garantisse a liberdade real para todos os seus cidadãos. Isso implicaria a criação de novas formas de participação popular, onde a voz do cidadão fosse ouvida e respeitada em todos os níveis de decisão política. Segundo ele, o desenvolvimento do país deveria ser orientado por princípios de equidade, diálogo e respeito à dignidade humana.

Nos dias de hoje, esse conceito de democracia participativa ganha novos contornos. A cidadania ativa pressupõe não apenas o direito, mas também o dever de participação. Em uma sociedade globalizada, os desafios são maiores, e o individualismo, amplificado pelas redes sociais e pela cultura do consumo, deve dar lugar à “cultura do dar”, uma cultura de solidariedade e fraternidade, em que o bem-estar coletivo é colocado acima de interesses individuais.

Criar uma cultura de ética na democracia é, mais do que nunca, um imperativo. A ética é o fio condutor que pode garantir a preservação dos valores democráticos e assegurar a justiça social. Somente por meio de um compromisso coletivo com esses princípios é que poderemos superar os desafios do nosso tempo e construir uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.

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