Ao longo da sua história, em algumas circunstâncias, a Igreja Católica valorizou e favoreceu a unidade política dos católicos em um partido. Em geral, isso deveu-se à necessidade de defender a liberdade religiosa e outras liberdades contra a ameaça totalitária do comunismo. Essa etapa histórica terminou com o pontificado de São João Paulo II e o colapso do comunismo perante uma revolução pacífica e sem derramamento de sangue que apelou à consciência do opressor.
Vivemos uma nova época. A Igreja e a liberdade têm de enfrentar novos problemas e novas ameaças. Consequentemente, o compromisso político dos católicos deve também rever a sua orientação e os seus métodos de ação. Ontem, a tônica recaía (principalmente na Europa e, em alguns casos, na América Latina) sobre o partido católico ou de orientação católica. Sem negar os méritos positivos desses partidos, a tônica recai agora (e com intensidade crescente no pontificado do Papa Francisco) sobre uma prática cristã da política. Mas o que seria essa prática cristã da política?
O encontro com Cristo gera um homem novo e um povo novo. Recebemos de Cristo uma nova identidade que nos torna irmãos uns dos outros, membros uns dos outros, de tal modo que não podemos mais dizer “eu” sem incluir neste “eu” aqueles que Deus chamou para serem um conosco. Não posso definir o meu bem sem incluir o de todos aqueles que Deus ama.
Assim nasce um povo que não é apenas a Igreja visível. Não são, por exemplo, apenas os católicos no Brasil. Todos os brasileiros, mesmo os que professam outra crença ou não são religiosos, são chamados, em última instância, a ser povo de Deus… E o povo visível de Deus é chamado a colaborar no desígnio do Espírito que constrói o povo do Brasil.
Essa construção, porém, esbarra no escândalo da pobreza. A existência de pessoas que não têm o mínimo, enquanto outros vivem na abundância, diz-nos que essa nossa imagem de povo é imaginária. É um povo ideológico, se não se empenhar plenamente para que ninguém seja excluído ou marginalizado, para que todos sejam acolhidos e reconhecidos na sua dignidade humana e de filhos de Deus. Uma canção brasileira, que aprendi quando era menino, diz muito bem: “Como posso ser feliz / Se ao pobre, meu irmão / Eu fechei meu coração / Meu amor eu recusei?” (GOMES, I. & RIBEIRO, R.C. Balada da Caridade, 1972).
A opção preferencial pelos pobres é um pilar do empenho político do cristão no mundo. Esta escolha não exclui ninguém. É também uma escolha para os ricos: como quem vive na abundância, enquanto o seu irmão passa fome, pode ser feliz?
Nossas democracias estão ameaçadas por uma doença mortal: o divórcio entre as classes dirigentes e o povo. Em um mundo cada vez mais complexo, os dirigentes possuem as condições necessárias para dominar a realidade, mas não as utilizam a serviço do povo, e sim em proveito próprio. O povo desiludido, assustado e revoltado, segue facilmente o primeiro vendedor que propõe soluções fáceis e sem sacrifícios para problemas difíceis, que só podem ser resolvidos com o esforço conjunto de toda a nação.
É tarefa urgente educar uma classe dirigente competente e honesta, em que o povo possa confiar, que se sinta parte e trabalhe a serviço do povo; que tenha fortes convicções e valores, mas que não esteja prisioneira de uma ideologia, e que seja capaz de trabalhar em conjunto com pessoas de convicções diferentes para o bem comum do povo.
Esta é a prática política que pode caracterizar os cristãos que militam em partidos diferentes, mas com a mesma abertura de coração para construir formas de vida novas e mais humanas para todos – a “caridade política”, da qual fala o Papa Francisco (Fratelli tutti, FT 180-182).
A Academia Latino-americana de Líderes Católicos dedica-se à formação, numa perspectiva católica, de lideranças comprometidas com a transformação social e política da América Latina. Fundada em 2011, oferece programas de capacitação presenciais e on-line para políticos, líderes comunitários e da sociedade civil. Para mais informações ver, no Jornal O SÃO PAULO, “Nos EUA, Academia de Líderes Católicos promove curso sobre a Doutrina Social da Igreja”, e o site da Academia, https://liderescatolicos.net.