Até o momento, o IBGE só divulgou uma parte dos dados referentes às religiões no Censo de 2022. O detalhamento do estudo exige muito mais trabalho das equipes, mas é fundamental para se ter uma visão adequada da realidade. Por isso, enquanto não chegam os resultados consolidados para 2022, é útil recapitular aqueles de 2010, para uma compreensão melhor do panorama religioso brasileiro.

A pluralidade religiosa. Entre os dados ainda não divulgados, está o detalhamento segundo a denominação religiosa. Por enquanto, temos apenas os dados agrupados por grandes grupos religiosos. Para se ter uma ideia do impacto deste agrupamento, os “evangélicos” estão divididos em 20 denominações religiosas diferentes no Censo de 2010.
O perfil do Cristianismo não deve sofrer uma grande variação em razão do detalhamento dos dados. Em termos de porcentagem total da população, o catolicismo perdeu cerca de 8% da população brasileira, enquanto os evangélicos ganharam cerca de 5% desta população. São números bastante significativos para um intervalo de 12 anos: passamos de três católicos para um evangélico para dois católicos para um evangélico, ainda que os católicos continuem bem mais numerosos. Em 2010, a denominação evangélica mais numerosa era a Assembleia de Deus, que representava 6,5% da população brasileira, um décimo da população católica. Por mais que o detalhamento dos dados de 2022 revele resultados inesperados, nenhuma denominação evangélica, isoladamente, terá chegado perto do tamanho da Igreja Católica no período entre os dois Censos.
O detalhamento deverá mostrar diferenças mais significativas entre as religiões com menor número de fiéis. Mesmo com os dados agrupados, já foi possível verificar uma mudança significativa em um destes casos. As religiões afro-brasileiras (englobadas na divulgação parcial como umbanda e candomblé) tornaram-se proporcionalmente mais numerosas, enquanto o espiritismo diminuiu. Assim, em 2010 havia cerca de sete autodeclarados espíritas para cada fiel declarado das religiões afro-brasileiras. Em 2022, a proporção tinha caído a cinco para um. Entender essa mudança depende de estudos qualitativos aprofundados, mas a hipótese inicial de muitos analistas é que as campanhas por igualdade racial diminuíram a estigmatização destas religiões, levando muitos que não se autodeclararam praticantes destas religiões em 2010 a fazerem-no em 2022.
A desfiliação institucional. Uma informação reveladora da dinâmica religiosa brasileira, que surge da análise destes dados de 2010, é o elevado número de pessoas que se autodeclaram sem uma religião definida. Representavam 7,5% da população em 2010, superando todas as denominações religiosas individualmente, com exceção do catolicismo. Pela classificação do IBGE, este grupo (sem religião definida), é um subgrupo dos “sem religião”, que engloba também os ateus e agnósticos (que em 2010 eram apenas 0,4% da população). São pessoas que mantêm uma certa convicção da existência de um transcendente, mas não querem se filiar a nenhuma religião instituída. Mostram que a dinâmica religiosa brasileira não caminha para o abandono da dimensão mística do mundo, como muitos supunham a partir de um modelo europeu, supostamente universal, mas sim para a desinstitucionalização, da perda dos laços com as religiões institucionalizadas.

Trata-se de um velho desafio de todas as religiões instituídas. São obrigadas, com o tempo, a manter estruturas cada vez mais dispendiosas, que, na prática, dificultam o contato dos pastores com os fiéis; a contar com quadros que, formados por seres humanos falíveis e pecadores como todos os demais, podem não serem tão acolhedores quanto deveriam, além de poderem envolver-se em escândalos que desacreditam a religião. É muito mais difícil manter a unidade, a coerência e a acolhida em uma grande igreja do que em uma pequena. À medida que, no mundo globalizado, as notícias (principalmente as más notícias) e as críticas chegam a cada vez mais pessoas, as religiões instituídas vão tendo mais dificuldade de manter sua credibilidade. Uma cultura individualista, centrada no valor supremo da autonomia da pessoa, completa o quadro de enfraquecimento das religiões institucionalizadas.
O que buscamos na religião? O cruzamento dos dados do Censo de 2022 ainda não nos permite comparar a distribuição das religiões nos diferentes níveis de instrução, mas, pelos dados de 2010, percebe-se um aumento significativo da porcentagem de espíritas entre aqueles que completaram a faculdade, enquanto os evangélicos pentecostais são particularmente mais numerosos entre aqueles que têm o ensino fundamental ou médio. Os primeiros cruzamentos apresentados para o Censo 2022 sugerem que este padrão ainda permanece.
Em ambos os casos, temos uma religiosidade que busca aproximar-se cada vez mais do transcendente, seja pelo contato com aqueles que já morreram, seja pela experiência dos dons do Espírito. O anseio por Deus permanece vivo e determinante, apesar das grandes diferenças sociais, entre os brasileiros. Sintomaticamente, paróquias paulistanas que têm visto um aumento do afluxo de fiéis e de convertidos se caracterizam pelo cuidado com a vida litúrgica e sacramental, bem como por suas comunidades participantes e acolhedoras.