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O Censo e a ‘alma’ do povo brasileiro

A recente divulgação dos dados sobre religiões no Censo 2022 suscitou debates significativos para a comunidade católica. O que um recenseamento quantifica ao abordar religiões? Idealmente, a crença declarada por cada cidadão. Esse é um dado significativo, mas objetivamente limitado quando pensamos na questão religiosa. Deus vê não só as aparências, mas o coração (cf. 1 Sam 16,7)… E não existe um censo do que se passa em nossos corações.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

 Para o mundo laico, a atenção ao Censo reflete uma questão de poder: quantos votos cada denominação religiosa pode ter? O político eleito deve conhecer as aspirações e crenças de seus eleitores, para representá-los bem – e, sob este aspecto, a filiação religiosa é um elemento formador da nossa subjetividade. Porém, em uma justa compreensão da mensagem cristã, nosso compromisso político deve ser com o bem comum, não com prerrogativas para nosso grupo religioso (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 12).

Para o cristão, o verdadeiro interesse de uma reflexão sobre os dados do Censo nasce de saber que aspectos de nosso coração, da alma religiosa de nosso povo, transparecem nesses números. Mas isso não é possível apenas com um olhar quantitativo – é preciso ir mais fundo, para entender o que vale a pena ser visto.

Maior pluralidade, escolhas mais conscientes. A dinâmica das religiões no Brasil caminha para o aumento da pluralidade de confissões. De um país quase totalmente católico, mudamos para uma situação plu riconfessional. Em nossa sociedade massificada, na qual cada um luta para manter a própria identidade, em que todos lutam por sua autonomia, enquanto o poder procura cada vez mais substituir a repressão explicita pela manipulação das consciências, todo aumento de pluralidade é saudado como um bem.

O aumento de pluralidade revela que as pessoas aderem cada vez mais a uma religião por convicção consciente, não por inércia da tradição. Quando o catolicismo era praticamente a única opção religiosa, ser católico pouco indicava sobre o coração das pessoas. Quanto mais nos é dada a possibilidade de escolha consciente, mais valor tem a religião declarada.

O “catolicismo popular” dominante no passado era um “cristianismo popular” – uma religiosidade moldada pelo fato cristão, mas com laços frouxos com a identidade católica. As pessoas se declaravam católicas porque viviam em um contexto católico, seguiam a tradição de seus pais, mas muitas vezes faltava-lhes a consciência do que era ser católico.

A religiosidade brasileira continua moldada pelo fato cristão, mas agora a diversidade de temperamentos encontra correspondência na pluralidade de confissões. Menos católicos por tradição, mais cristãos convictos – e católicos mais convictos.

A pluralidade aumentou o perigo da manipulação do discurso religioso, dos falsos pastores e da fé equivocada; mas Deus, com seu modo sempre surpreendente de agir, continua usando todas as oportunidades para ficar mais perto dos corações humanos.

Para onde caminha a religiosidade brasileira? As mudanças na demografia religiosa brasileira não levaram ao aumento da “não fé”. Os “sem religião” aumentaram de 8,0% em 2010  para 9,3% em 2022, principalmente devido à desfiliação confessional, não porque se tornem ateus. Ainda não foram divulgados todos os dados de religião do Censo 2022, contudo, em 2010, apenas 0,4% da população se declarou ateia ou agnóstica, os demais não tinham uma religião definida, mas aparentemente ainda guardavam uma crença religiosa.

As pessoas procuram cada vez mais um Deus presente e atuante, uma comunidade de fé que as acompanhe. As confissões evangélicas pentecostais cresceram por oferecer essa companhia divina e humana. Mas esse processo também acontece na Igreja Católica, por meio de movimentos, paróquias e novas comunidades, levando a uma “conversão interna”. A pessoa já se declarava católica, mas por tradição, e, ao encontrar Cristo a partir dessas realidades eclesiais, adquire a firme convicção da fé, que lhe faltava antes.

A dinâmica religiosa do Brasil desaloja os que pensavam o catolicismo em uma zona de conforto, mas indica o caminho: uma comunidade missionária, como lembrou Dom Odilo Pedro Scherer, na qual encontramos a Cristo e aos irmãos.

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