Numa sociedade em rápida mudança, os desafios do mundo do trabalho não se referem apenas à justa remuneração e a condições laborais adequadas. Cada vez mais, as pessoas se perguntam qual é o sentido do trabalho em suas vidas.
Todos sabemos que o trabalho está mudando profundamente. Muitas vezes, as análises focam o impacto da tecnologia, deixando em segundo plano outras macrotendências que podem ser até mais disruptivas. Um exemplo é o declínio demográfico e o crescente envelhecimento populacional que caracteriza os países ocidentais, observado há pelo menos trinta anos. É uma tendência que parece irreversível, da qual, nos últimos anos, se manifestam as primeiras consequências.
Um outro exemplo é mais difícil de quantificar, em torno do qual as narrativas, supostamente edificantes ou demolidoras, tornam difícil traçar limites claros. Alguns o reduzem ao crescimento observado nas demissões, particularmente na Europa e nos Estados Unidos, ou melhor, à rotatividade de trabalhadores nas empresas. Outros observam mudanças de atitude, falando em quite quitting (demissão silenciosa), para identificar o fenômeno que levaria o trabalhador, por um conjunto variado de causas, a reduzir seu trabalho ao mínimo de modo a cumprir apenas com o que está previsto nas tarefas contratuais, sem qualquer envolvimento adicional. Outros ainda focam em uma atenção reavivada, também impulsionada pela grande mudança de prioridades e hábitos trazida pela COVID-19, para a vida privada, vista em contraste com o trabalho. No geral, sem querer reduzir a aspectos específicos que nada mais são do que manifestações sintomáticas de um diagnóstico mais complexo, podemos falar de uma crise no sentido do trabalho contemporâneo.
A combinação desses fenômenos é disruptiva. Por um lado, teremos (e temos) cada vez menos trabalhadores, devido às alterações demográficas, e, por outro lado, é cada vez mais complexo envolver e motivar os poucos que lá estão. Dentro desse duplo movimento, está em jogo o futuro do mundo laboral. Aqui se reúnem, com um novo olhar e uma perspectiva diferente do passado, todas as questões relacionadas à conciliação da vida e do trabalho, entendidas não apenas como pequenas medidas organizacionais, mas como uma perspectiva holística de sustentabilidade. Desse ponto de vista, a reflexão, por exemplo, sobre o home office não pode se limitar à mera execução da atividade de trabalho de um lugar para outro, mas uma oportunidade de repensar, acima de tudo, os tempos de trabalho, a relevância ou não do trabalho-hora como único parâmetro organizacional e de construção salarial.
As pessoas pedem autonomia e modelos organizacionais mais flexíveis e estão dispostas a serem avaliadas, principalmente os jovens, sobre os resultados que trazem, pedindo que esses resultados não sejam parametrizados apenas para o número de horas trabalhadas, mas para os objetivos alcançados. Por esse motivo, as empresas hoje têm a prioridade de ouvir seus colaboradores, é preciso parar e entender em que direção o mundo está indo, pois a aceleração tem sido forte e o risco de ficar desorientado é alto.
O desafio é ouvir e surpreender-se com novas necessidades e exigências que não conhecíamos, dar passos em frente rumo a inovações que não teríamos sido capazes de prever. O maior risco é reduzir todo o desconforto que observamos a algo que pode ser resolvido com novas práticas organizacionais e novas soluções gerenciais. Mas tudo isto, mesmo as melhores ferramentas que podemos pôr em prática (e que teremos de pôr em prática!) nunca poderão ser uma resposta à questão, que as pessoas estão se fazendo (cada vez mais), do significado de seu trabalho.
*Trecho da exposição feita na mesa-redonda “O contexto atual do trabalho”, do 11º FÓRUM NACIONAL DA COMPANHIA DAS OBRAS (CdO): “O sentido do trabalho” (São Paulo, 2023)